- Partilhar artigo
- ...
Responsável de comunicação da Libbey Portugal
Os fornos são cubos enormes, num universo meio Fritz Lang, num quadro de traves e varões, vapores, jactos de água, sistemas de vibração e escadas que conduzem aos diferentes níveis da fábrica. Sob a acção do gás natural, aquele composto arenoso de cor pastel entra em combustão, num máximo de 1.600 graus. E segue por mecanismos de sopro ou de prensas até sair em forma de copos, cinzeiros, vasos, canecas. Tudo automático. Com a exigência da velocidade e dos preços, a mítica frase "quem não sopra já soprou" - que imperou no concelho que vingou sobre a indústria vidreira - perdeu força para a máquina.
Vidro para fora
A Crisal é a terceira maior exportadora do município - no ano passado, vendeu 48,5 milhões de euros em bens para o exterior, segundo os dados da Informa D&B - e uma estrutura densa espalhada por 18 mil metros quadrados, com "capacidade para produzir 160 toneladas de vidro por dia", precisa Carlos Viegas, o director industrial. Numa das alas, a do vidro soprado - técnica que geralmente resulta em produtos de pouca espessura -, a maquinaria coordena-se como numa sinfonia de foles. E na ala do vidro prensado, mais espesso, reina uma espécie de "krautrock" minimalista. No total, são sete linhas de produção e 360 trabalhadores, como os que, na recta final, inspeccionam os copos em contraluz. Outros seguem a produção numa sala de controlo, através de ecrãs e janelas suspensas sobre o labirinto fabril.
200
360
6
Se num mês se produz mais vidro soprado ou prensado é um facto que varia ao ritmo da procura, porque a unidade da Marinha Grande teve de se adaptar à exigência de flexibilidade do mercado. Hoje, o sector mundial tem uma oferta maior do que a procura, pelo que a pressão é alta. "Aceitamos produzir lotes de dimensões inferiores aos nossos competidores", já que "o mercado pretende, cada vez mais, comprar em quantidades menores", explica o responsável da fábrica que vende sobretudo para Espanha, França e Alemanha, com maior ênfase (cerca de 65%) para a indústria de bebidas.
Mas não é apenas de produção presa à máquina que vive a Crisal. O design e a decoração estão incorporados na empresa, o que alonga a cadeia de valor. Por outro lado, há melhorias no processo. Um dos investimentos (cerca de 600 mil euros) mais recentes, há três anos, foi na tecnologia Duratuff, "que permite fazer uma têmpera do rebordo do copo para que, se ele partir, não se estilhace em pedaços muito pequenos", nota Carlos Viegas.
Europa em contracção
A história da Crisal começa em 1944, ano em que a empresa foi fundada em Alcobaça, e prossegue em vários episódios, como a construção da fábrica da Marinha Grande em 1970, a entrada no grupo Vista Alegre em 2001 e a venda à norte-americana Libbey em 2005, que assumiu uma dívida na ordem de 10 milhões de euros. A partir daí, a filosofia mudou e a Crisal passou a estar mais orientada para o mercado do que pela indústria em si.
Director industrial da Libbey Portugal
"A Europa tem vindo a perder este tipo de indústria. As questões ambientais, os custos associados ao processo e os grandes investimentos fazem com que, quando se pensa em abrir uma fábrica, não se pense em abri-la aqui", enquadra Carlos Viegas. E fora do contexto europeu, os preços conseguem ser altamente competitivos. No ano passado, ainda assim, a empresa apresentou um EBITDA de perto de sete milhões de euros e viu aumentar as vendas em quase 10%.
Perguntas a Carlos Viegas
Director industrial da Libbey Portugal (Crisal)
"Há uma oferta muito superior à procura"
Apesar do encolhimento do sector europeu e da concorrência feroz fora do Velho Continente, a Libbey prevê para Portugal um crescimento de 5% ao ano.
Qual é a vossa estratégia de diferenciação?
Em Portugal, somos a única empresa [de produção automática] de vidro de mesa, portanto, não temos referência. No resto da indústria, há factores que procuramos alcançar: a flexibilidade; a qualidade do próprio vidro - estamos num país onde as matérias- -primas têm uma qualidade muito boa, que permitem um vidro de elevada transparência -; e estarmos orientados para o cliente. A partir de um dado momento, a empresa deixou de ser orientada pela indústria.
Com a aquisição pela Libbey?
Sim. Começou-se a adaptar e a alterar a estratégia da empresa, olhando cada vez mais para as necessidades do cliente e conseguindo-se potenciar o que nos diferencia, porque a competitividade internacional é muito grande e há uma oferta muito superior à procura. As empresas, para sobreviverem, têm de encontrar estratégias diferenciadas. É por isso que a Libbey tem conseguido, nestes anos, resultados melhores. Outro factor que nos diferencia é conseguirmos entregar o produto final ao cliente, porque temos capacidade de fazer o design, da embalagem e do molde, introduzir decoração ou outro tipo de operações. Na Holanda, por exemplo, a empresa é muito mais específica no que produz e diferencia menos os produtos.
Director industrial da Crisal
Como prevêem que seja o futuro da empresa?
Este mercado muito dificilmente consegue ser lido com uma previsibilidade fiável. Por outro lado, os competidores - em alguns países fora da União Europeia, que têm políticas de preços que são de certa forma suportadas pelos governos ou outras entidades - colocam, muitas vezes, produtos no mercado abaixo do custo de produção. Se não conseguirmos introduzir valor, por via da quantidade não somos competitivos. Mas a empresa tem um objectivo de crescimento anual de 5%.
São a única fábrica do género no país e a indústria europeia está a encolher. Isso faz recear o futuro?
As empresas nem têm, muitas vezes, tempo para pensar nisso. Disponibilizamos o nosso tempo para resolver problemas e pensar como é que implementamos a estratégia, como evoluímos, como melhoramos. Já tivemos anos difíceis, mas, neste momento, posso dizer que estamos numa condição bem mais confortável do que há três ou quatro anos.