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Pode a arte explodir num contentor?

Uma antiga fábrica de moagem de trigo. Abandonada, à espera de melhores dias. Até que a arte tomou conta dos seus edifícios. E expandiu-se, contaminou sete andares. Imagem, som, perspectiva.

07 de Março de 2017 às 10:00
Pedro Elias
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o elevador está, por agora, avariado. É obrigatório usar as escadas. Daí o espanto quando, no sétimo piso, se vê uma mesa bem no centro da sala.

Cláudio Teixeira faz esta subida todos os dias. "Às vezes três vezes na mesma hora, só pelo ‘fit’", brinca. O actor e músico está a preparar um álbum. "Fui fazendo registos sonoros das viagens que fiz. O Silos é o ambiente privilegiado para fazer nascer este trabalho. Podes perder tempo a pensar".

Quem fala no Silos Contentor Criativo traz sempre o passado nas palavras: estes edifícios eram a antiga moagem Ceres. Foram-no até que Nicola Henriques, em 2010, decidiu mudar o seu destino de abandono.

E se se transformasse esta fábrica em ateliers para estudantes e artistas? Depressa, Nicola estava a limpar o rés-do-chão e o primeiro andar. Farinha, ratos, carros velhos - havia de tudo um pouco.

"Imagina a quantidade de pessoas e o valor produzido aqui, que não se pensava há seis anos. É uma dinâmica própria da regeneração urbana", conta. Nicola sabe o nome de todos os que criam dentro destes muros. A sua missão é mais do que alugar os espaços. "Fui eu que fiz estas divisórias todas".

O primeiro piso é partilhado. A renda mensal custa cerca de 40 euros aos estudantes. Houve anos em que esse valor foi coberto por apoios. O caos organizado de materiais espalhados ganha vida quando terminam as aulas. No final do semestre, também os projectos são avaliados no Silos.

Quando se sobe ao piso seguinte, há já "estúdios fechados, para microempresas" da área artística. Com um preço ligeiramente superior, são mais organizados e personalizados. Pelo caminho, quase sempre no campo de visão, grafitis. A decadência inspira. Ouvem-se ensaios de música.

Há ainda muito por fazer, sabe Nicola Henriques, com planos para o terceiro e sexto pisos, onde pode vir a nascer um hostel. Os outros foram sendo ocupados por projectos independentes do Silos.

Tudo depende dos apoios europeus. "Pretendemos, com os fundos, uniformizar algumas práticas: todos os espaços têm que ter água, iluminação led de baixo consumo, uma bancada de trabalho e uma cortina de correr", exemplifica.

Já em Março, o Silos Contentor Criativo abre uma loja no centro da cidade. "O edifício tem esta visibilidade e trazer o público aqui ainda é difícil", reconhece. Ao rés-do-chão faltam alguns ajustes para melhorar essa experiência.

Uma simples camada de tinta poderia evitar infiltrações. Um piso de madeira e cortinas de teatro poderia melhorar a acústica da sala principal, a Sala Farinha, mesmo na base dos silos, onde se acumulam materiais de projectos antigos à procura de novas paragens.

Tudo está em potencial nestes sete andares. Aqui se prova que existem "cidades onde é possível ser feliz". E que tudo é uma questão de perspectiva. Basta dizer o próprio nome debaixo de um silo para perceber a reverberação, a diferença.

Tome nota

Três histórias em três fases diferentes 

Passear pelo Silos Contentor Criativo é também um cruzamento com histórias de pessoas de diferentes áreas e origens. Aqui ficam três desses percursos.

O regresso

Faustino Gonçalves e Rita Lopes já passaram pelo Silos. Regressam agora para um espaço independente com a sua empresa de empreendedorismo social, a Dinâmicas Humanas. No seu trabalho com pessoas em risco de exclusão, segue-se agora uma padaria social - a Pão da Rainha. "Surgiu a oportunidade de explorarmos este espaço e estamos a recuperá-lo", conta Faustino. A empresa é também responsável pela montagem e desmontagem, diária, das bancas do mercado da fruta.

O salto

Eneida Tavares é do Barreiro mas foi para as Caldas estudar. Está agora no Silos com uma sala autónoma onde desenvolve produtos que estão à venda através de uma empresa de Leiria, a Vícara, também com origens neste Contentor Criativo. "Há muitos projectos que são resultado da tese de mestrado porque houve oportunidade de venda", explica. Ficar nas Caldas da Rainha foi também uma opção estratégica porque "há indústria aqui à volta". O ecossistema criativo acaba por pesar na hora de tomar decisões.

A mudança

"Não sou das Caldas, vim cá parar", conta Elísio Graça. O arquitecto tem agora uma sala própria no Silos depois de uma fase no espaço partilhado. "Acabamos por lidar com outras experiências, com outras actividades e, naturalmente, por criar parcerias e reencaminhar". É assim há dois anos para ele.

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