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A precisão alemã ao milímetro nas Caldas da Rainha

Apesar de o grupo ser alemão, a Schaeffler Portugal está perfeitamente identificada com o país e com as Caldas da Rainha. O desafio é ter um produto de qualidade e fazê-lo chegar à Alemanha de forma competitiva.

07 de Março de 2017 às 00:01
Pedro Elias
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Situada na zona industrial das Caldas da Rainha, a unidade de produção da Schaeffler Portugal – inserida no grupo alemão Schaeffler – divide-se em cinco secções, repartidas por dois pavilhões, que operam para produzir o produto final desta empresa: rolamentos de esferas.

No primeiro pavilhão encontram-se três secções (torneamento, tratamento térmico e rectificação). Aqui o ambiente é muito quente, por ser nesta que trabalham, perfeitamente alinhados, os fornos de têmpera, utilizados para temperar o aço (tratamento para conferir resistência e durabilidade à matéria-prima). A dimensão das máquinas contrasta com o grau de precisão com que estas trabalham o aço. Mário Cunha, director-geral da Schaeffler Portugal, nota que o aço – em tubos, varões e anéis – "é processado com exigências desde o nível da décima de milímetro ao da milésima de milímetro".

Este rigor faz a diferença na qualidade e durabilidade do produto. Uma diferença menos perceptível nos maiores rolamentos (utilizados em caixas de velocidade e tambores de máquinas de lavar), mas crucial nos rolamentos mais pequenos utilizados, por exemplo, em pequenos ventiladores, já que o utilizador "é a pessoa mais sensível àquele ruído de um rolamento com problemas", nota Mário Cunha.

Percorrendo o fluxo produtivo chega-se ao segundo pavilhão e às secções de acabamento e de montagem. É aqui que, entre outros operários, se encontram os chamados "afinadores". Que surgem lado a lado com máquinas e sistemas pneumáticos e hidráulicos que se conjugam na emissão de sons mecanizados e de cadência repetitiva, a fazer lembrar a incorporação de sons industriais feita pelos alemães Krakftwerk, pioneiros da música electrónica. Tratando-se de um produto de baixo valor, discutido ao cêntimo com a concorrência, a precisão e eficácia do processo produtivo é determinante para "promover medidas de redução de perdas e desperdício e de aumento do valor acrescentado do produto", explica Mário Cunha.
Distribuindo cumprimentos pelos funcionários, o líder da Schaeffler Portugal aproveita a visita guiada pela unidade de produção proporcionada ao Negócios para transmitir informações e para obter dados actualizados. Numa fábrica que opera 24 horas por dia, sete dias por semana, não há tempo a perder.

O processo produtivo culmina com a montagem dos rolamentos. Num ambiente sempre dominado pela maquinaria, nesta secção o número de operários já consegue ombrear com o das máquinas. É o passo final antes de os rolamentos partirem para a Alemanha, a um ritmo diário de 20 a 25 toneladas, num trajecto sempre feito por camiões.

100% exportadora e 100% importadora
Criada em 1960, esta unidade – integrada no grupo Schaeffler, que em 2016 facturou cerca de 13,3 mil milhões de euros, e que tem clientes finais como a Bosch, Porsche, Mercedes, Volkswagen, Daimler, DAF ou a BMW – teve um volume de negócios em torno dos 57,6 milhões de euros em 2016 e tem a expectativa de atingir os 60 milhões de euros no presente ano.

A Schaeffler Portugal não tem qualquer cliente directo, exportando 100% da produção para a casa-mãe, na Alemanha. Só então os pouco conhecidos rolamentos poderão finalmente ser incorporados nos bem conhecidos automóveis e equipamentos domésticos.

O que não quer dizer que empresas portuguesas não utilizam os componentes produzidos pela unidade portuguesa. Tão-só que estes são sempre importados. Por outro lado, esta unidade importa 100% da matéria-prima processada, sendo que o aço é comprado ao estrangeiro, principalmente à China, mas também ao Japão e à Rússia.

Apesar da distância em relação ao centro da Europa e da "dificuldade na selecção" de pessoas, o director-geral da Schaeffler Portugal identifica vantagens desta unidade nas Caldas da Rainha. "Há uma série de pessoas, famílias e gerações que cresceram aqui dentro e que vêem esta fábrica como parte delas", diz Mário Cunha referindo-se a alguns dos cerca de 553 funcionários da unidade lusa. "Este ‘know-how’ não se encontra noutros países como a China", refere, acrescentando que "a nossa mão-de-obra continua a ser das mais baratas da Europa. E isso também conta".

Decisivo para esta unidade é assegurar que os rolamentos continuem a chegar à casa-mãe de forma competitiva, algo que não está garantido no longo prazo. "O comboio daria muito jeito", admite Mário Cunha.

perguntas a mário cunha, Director-geral e administrador delegado da Schaeffler Portugal

"Um automóvel continua a ter rodas e continua a precisar de rolamentos"

O director-geral da Schaeffler Portugal está consciente de que a evolução na indústria automóvel trará implicações para a sua empresa, contudo mantém o optimismo e aposta na optimização do produto.

A evolução da indústria automóvel no sentido dos motores híbridos e da tecnologia "fuel cell" vai reduzir a necessidade de rolamentos?
 Haverá uma tendência de redução da necessidade deste produto quando se olha para o futuro da indústria automóvel, a 30 ou 40 anos. Mas um automóvel continua a ter rodas e continua a precisar de rolamentos de roda. Quando falamos em direcção esta geralmente necessita de rodar.

No âmbito do grupo Schaeffler está a ser preparado algum tipo de adaptação?
Temos um conceito e um programa ("Mobility for Tomorrow"). O grupo Schaeffler é composto por mais de 85 mil pessoas, com mais de mil focadas na área de investigação e desenvolvimento (I&D).

Há algum sector alternativo para onde os fabricantes de rolamentos se poderão voltar?
As empresas vão-se adaptando ao longo dos tempos. A indústria automóvel não é tudo. Em nossa casa temos, por exemplo, a máquina de lavar, que utiliza motores eléctricos. Ainda não ouvi falar numa máquina de lavar híbrida ou "fuel cell". Penso que nos próximos cinco ou 15 anos haverá, sem dúvida, alterações que obrigarão a alterar alguns produtos nalgumas fábricas. Mas, basicamente, o primeiro sector de que falamos é sempre a indústria automóvel. Não há muito o foco para outras indústrias. Falamos mais em termos de optimização de processos, como oferecer mais valor agregado ao nosso cliente e como reduzir os nossos custos.

Há investimentos em perspectiva para esta unidade?
Vários e muito interessantes. Um, que é mais ou menos público, de 23 milhões de euros e cujo projecto já está a andar, devendo ficar concluído em 2019. Permitirá com certeza reduzir a nossa dependência de fornecedores externos e reduzir o nosso nível de importações. Incrementando o valor acrescentado feito por esta fábrica.

Consiste em quê?
Em vez de comprarmos um anel [de rolamento] já feito – que tem o custo da matéria-prima, da parte operacional e de execução, e ainda os transportes e taxas alfandegárias – passamos a fazer toda a transformação aqui na fábrica das Caldas da Rainha.
Uma nova secção de produção?
Sem dúvida.

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