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Engenho têxtil “mascara” efeito covid-19 nas vendas e no emprego

Primeiro por voluntariado e depois pela oportunidade e necessidade, centenas de indústrias do têxtil e do vestuário, desde o fio à confeção, responderam ao desafio da produção de máscaras contra a pandemia e já preparam a exportação para clientes de moda e do desporto.

30 de Abril de 2020 às 16:00
A produção de máscaras obrigou a Petratex a adaptar os equipamentos e a mudar as rotinas de trabalho na unidade de Paços de Ferreira. Hugo Delgado
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"Nem sempre a sexta-feira 13 é um dia mau." Foi em meados de março, vendo os clientes estrangeiros a começar a fechar portas e entrar em lay-off, cortando nas encomendas e nem sequer recebendo (e pagando) as que já estavam finalizadas, que a Petratex tomou a decisão de produzir máscaras. Visitou clínicas e hospitais, falou com profissionais de saúde e em apenas cinco dias, aproveitando a experiência no desenvolvimento de produtos técnicos, iniciou o fabrico em Paços de Ferreira.

BI

Petratex

Fundação: 1989
Localização: Paços de Ferreira
Trabalhadores: 560
Volume de negócios: 75 milhões de euros
Exportação: 99% da produção, tendo como melhores mercados externos os Estados Unidos, Canadá, Europa, e China.
Especialização: a empresa têxtil dedica-se a três áreas distintas: a moda e a alta-costura; o produto técnico, em que coloca tecnologia e alguma eletrónica, por exemplo, para a saúde; e o produto de alta performance para o desporto.


Sérgio Neto explica ao Negócios que "tinha de fazer algo para atacar este flagelo da quebra de vendas", que em abril rondou os 80%, e também "evitar pôr pessoas em casa e com perda de rendimentos". "Obrigou a um esforço enorme da equipa na transformação da empresa e na preparação dos equipamentos. Não é fácil pegar numa estrutura preparada para um segmento de mercado de mais-valia técnica e de luxo, e redirecionar para as máscaras", acrescenta o administrador.

Já com seis modelos aprovados pelo centro tecnológico do setor (CITEVE), a Petratex está a produzir 100 mil máscaras por dia e tem capacidade para duplicar esse registo. Cerca de 75% são vendidas em Portugal, tendo nas duas últimas semanas disparado as solicitações da Europa e dos EUA. Incluindo de clientes de moda, a quem vendia vestidos e casacos. A prazo, estima o gestor, os produtos da área da saúde podem vir a pesar entre 20% e 30% no negócio da empresa, que ganhou fama ao participar na criação do inovador fato de natação usado pelo campeão olímpico Michael Phelps.

Até ao final da manhã desta quarta-feira, 29 de abril, havia já 71 máscaras comunitárias, submetidas por cerca de 40 empresas diferentes, aprovadas pelos laboratórios do CITEVE, em Vila Nova de Famalicão, o único organismo que tem protocolo com o Infarmed e com a Direção-Geral da Saúde para certificar estes materiais. Dez são máscaras clínicas Tipo I (descartáveis), 11 do modelo profissional nível 2 (para funcionários de venda ao público, por exemplo) e 50 de nível 3, adequadas à população em geral.

"É muito mais difícil fazer uma máscara que cumpra os requisitos e seja reutilizável do que uma de uso único. Mas são aquelas para que o setor em Portugal está mais adaptado, pois utilizam materiais mais conhecidos, com tecidos, com malhas. (…) Do ponto de vista do utilizador ficam mais em conta porque, apesar de terem um preço unitário superior, têm um número de utilizações que compensa, sobretudo ao preço elevado a que as máscaras cirúrgicas estão", resume António Braz Costa.

Malhas contra a "gestão fria"

Dos 500 modelos recebidos, só uma minoria passou nos testes. Ainda assim, a taxa de rejeição está a diminuir, à medida que as empresas vão ganhando experiência neste tipo de artigos, com o CITEVE "em campo para ajudá-las a aprimorar os produtos até alcançarem a performance necessária". Porém, além das fabricantes de máscaras, o diretor-geral frisa que há também 27 produtoras de tecidos que já fizeram uma aprovação prévia da matéria-prima que pode ser utilizada pelas confeções, aumentando as hipóteses de sucesso na certificação do produto final.
Em Santo Tirso, a A. Sampaio & Filhos tem capacidade de fornecimento de malhas para 150 mil máscaras por dia.
Em Santo Tirso, a A. Sampaio & Filhos tem capacidade de fornecimento de malhas para 150 mil máscaras por dia. Ivo Godinho
É o caso da A. Sampaio & Filhos, que tem cinco materiais aprovados e cujas malhas já estão a ser utilizadas por vários clientes no fabrico de máscaras, tendo alguns começado inclusive a colocar encomendas. Por outro lado, em parceria com confeções e regime de subcontratação, a empresa de Santo Tirso está também a desenvolver uma solução acabada para atender aos "bastantes pedidos [que têm chegado] a nível nacional e internacional" de clientes da área do desporto e da moda, aguardando ainda a homologação dessas máscaras sociais de nível 2 e 3.

BI

A.Sampaio & Filhos

Fundação: 1947
Localização: Santo Tirso
Trabalhadores: 190
Volume de negócios: 20,7 milhões de euros
Exportação: direta e indiretamente, 95% da produção é exportada para países dos cinco continentes.
Especialização: a fabricante de malhas circulares trabalha para três mercados: na moda (segmento médio-alto e alto); no desporto (malhas técnicas, com performance, secagem rápida, proteção ultravioleta ou antiodores); e no mercado da proteção e segurança. 


Confrontada com o fecho das lojas e dos centros logísticos dos clientes europeus, e com o objetivo de não recorrer ao lay-off total ou parcial - "estamos capitalizados e é a nossa função, mesmo não sendo [a decisão adequada] do ponto de vista da gestão fria e meramente racional", relata João Mendes -, tentou primeiro combinar diferentes malhas, estruturas e acabamentos para fazer máscaras para uso médico. "Não chegou lá por pouco", mas quando saíram os requisitos para as de uso social "já tinha o trabalho adiantado" e sabia como os materiais se comportavam nos testes.

Numa empreitada que envolve várias equipas, desde os técnicos que afinam as máquinas ao laboratório de qualidade, passando pelos departamentos comercial e de investigação e desenvolvimento, esta empresa familiar pode fornecer malha para 150 mil máscaras por dia. O administrador diz que esta "oportunidade é momentânea e pode estar aqui durante algum tempo, mas não [sabe] se compensa a queda nos negócios tradicionais". Para já, tem ajudado a amortecer a redução das vendas e a manter os empregos.


Perguntas a António Braz Costa
Diretor-geral do CITEVE

"Vestuário vai passar a incluir características de proteção"

O líder do centro tecnológico está surpreendido com a adesão à produção de máscaras. Laboratórios trabalham das 7h à meia-noite para conferir mais "selos" de certificação.

Estava à espera desta resposta da indústria?
Há duas características da indústria nacional que nos descansam: está habituada a trabalhar com produtos e materiais complexos; e já demonstrou várias vezes ter capacidade para se reinventar e adaptar a novas realidades. Apesar de tudo, foi uma surpresa a quantidade de empresas que aderiram a este processo. Numa fase inicial, pelo grande voluntariado devido à falta de materiais de proteção; depois pelo espírito de explorar a oportunidade; e, finalmente, por necessidade, à medida que iam terminando as encomendas.

É uma alternativa para as vendas e os empregos?
Destaco o grande sentido até de responsabilidade social. Muitas empresas estariam descansadas em regime de lay-off, mas vieram a jogo. Converso com muitas que vêm trazer as amostras e são unânimes a dizer que querem é ter a empresa e as pessoas a trabalhar. O lay-off é uma solução de recurso, mas não é algo que procuram.

A maior parte vai manter esta atividade no futuro?
Tenho a certeza de que será um segmento de negócio. Este é um momento muito particular, mas estamos certos que o negócio têxtil não vai ser igual no futuro. Este conceito da proteção vai inundar a própria moda. No futuro, as coleções de moda vão incluir máscaras e o próprio vestuário vai passar a incluir características de proteção que até agora não tinha.

E o próprio CITEVE teve de se adaptar ao desafio?
Fomos apanhados de surpresa. Fazer máscaras não era negócio para o têxtil português - foi deslocalizado em massa para a China -, por isso não era necessário ter laboratório para certificar essa produção. Nesta emergência tivemos rapidamente de nos adaptar e montar laboratórios novos. Estamos no mesmo barco que a indústria e acompanhamos essa flexibilidade. Temos as mesmas 140 pessoas, com restrições de concentração, e o horário tem sido das 7h à meia-noite.