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Sociólogo apanha ondas
A família é dos Açores, nasceu em Coimbra há 61 anos e está agora a viver em Peniche. Licenciado em Sociologia (especializado em Sociologia do Trabalho e das Organizações) no ISCTE, António Brandão Moniz começou o percurso profissional na Universidade dos Açores e transitou depois para a Universidade Nova de Lisboa, onde fez o doutoramento e também a agregação, sendo actualmente professor de Sociologia Industrial na Faculdade de Ciências e Tecnologia. No ano de 2011 foi convidado para ser investigador no Karlsruhe Institute of Technology, na Alemanha, onde tem coordenado o grupo de trabalho sobre Avaliação de Tecnologia Robótica. Adepto da equitação e praticante entusiasta, mas ainda "muito principiante" de surf, também coordena desde a segunda metade de 2016 a Agenda Nacional sobre Trabalho, Robotização e Qualificação do Emprego em Portugal.
Afinal, os robôs vão substituir os actuais empregos?
É a pergunta que normalmente se faz, mesmo em termos de investigação, em praticamente todos os países. E nem é nova. Começou a ser feita no início da industrialização, com os teares, por exemplo, que geraram as primeiras revoltas contra a introdução de máquinas que automatizaram uma série de funções e roubaram alguns postos de trabalho. Nos anos 1960, quando começam a ser introduzidos os robôs industriais e a desenvolverem-se os sistemas de automação, colocou-se novamente a questão sobre se levaria ao desemprego.
E hoje, o que faz recrudescer essa discussão?
O aumento do número de robôs e de máquinas cada vez mais sofisticadas, que permitem, de facto, a substituição não só das tarefas rotineiras como de algumas mais complexas. Sendo essa a questão recorrente, do ponto de vista da investigação temos concluído que não existe necessariamente uma substituição directa de postos de trabalho. Isso pode acontecer, mas não é por razões que digam respeito à tecnologia em si mesma. O que ocorre é uma automatização de tarefas, e não necessariamente a substituição de pessoas e de profissões. Porque há outras tarefas mais complexas que não podem ser substituídas. Mesmo em profissões antigas. Isso aconteceu em Portugal com a soldadura, em que os profissionais dessa área passaram a ter de trabalhar com robôs e para eles até foi melhor que algumas tarefas pesadas tivessem sido substituídas.
E onde surge o chamado desemprego tecnológico?
Essa é outra dimensão, que tem a ver com o surgimento de máquinas automatizadas e computorizadas através, por exemplo, de "machine learning", que podem desenvolver determinado tipo de capacidades que substituam inclusivamente capacidades cognitivas humanas. Hoje ainda é só uma substituição de capacidades cognitivas simples, não das mais complexas. Ou seja, um profissional que desenvolve tarefas rotineiras vai ser facilmente substituído por uma máquina, que faz o trabalho mais rápido, com maior segurança e de modo mais produtivo e eficaz. Agora, noutras organizações em que os operadores têm tarefas mais complexas, como controlo de qualidade ou manutenção de sistemas, aí já não existem capacidades técnicas que substituam facilmente humanos.
Há muitas diferenças de país para país?
No Japão, onde há uma grande densidade de robôs, eles não produziram necessariamente desemprego - nem desemprego tecnológico. Houve, sim, mudanças de funções desses operadores, que passaram a desempenhar tarefas mais ricas. O problema para Portugal é que, quando essa possibilidade ocorrer, é necessário que os operadores que têm algumas dessas tarefas substituídas tenham níveis de qualificação relativamente elevados, que lhes permitam aprenderem novas funções para desempenhar quando as máquinas os substituírem. É o problema que pode suceder, dado que os níveis de qualificação dos portugueses, apesar da melhoria nos últimos anos, ainda se mantêm muito baixos.
E a relação entre automação e produtividade é irrefutável?
Muitos economistas dizem que há melhoria da produtividade com a introdução de novas tecnologias, mas que isso não se vê nas estatísticas. Ou seja, não é muito visível que um aumento de investimento em tecnologia produza automaticamente um aumento de produtividade. Normalmente conseguimos essa informação, do ponto de vista estatístico, quando sabemos - se sabemos - qual o efeito directa da utilização de uma nova máquina e qual o seu "output". Quando uma linha de montagem tradicional é automatizada, então nessa linha directamente ela tem maior produtividade. Mas não quer dizer que aconteça de modo sistemático.
Porquê?
Temos de atenuar esse aumento de produtividade porque, provavelmente, para operar com essas máquinas mais sofisticadas vão ser precisos recursos humanos mais qualificados e mais bem pagos, com custos de trabalho mais elevados. Vou ter de ter critérios de manutenção de qualidade mais apurados e haverá problemas de programação de sistemas, o que torna essas tarefas mais caras. Só que, como o nível de eficácia tende a ser maior, pode acabar por ter como efeito, por unidade, um custo mais baixo.
Em que indústrias é que isso está a acontecer?
Por exemplo, na indústria automóvel. Quando os requisitos são produzir com melhor qualidade e de forma mais eficaz cada um dos produtos - ou seja, no fim o desperdício ser muito menor -, então deve optar-se por investir não só em robôs, mas também em capacidades humanas para operar esses sistemas mais complexos. Esses automóveis não ficam mais baratos só porque são produzidos com robôs. Aliás, podem sair mais caros, como acontece na Autoeuropa, em que há um elevado nível de automação e uma mão-de-obra qualificada, estando por isso vocacionada para veículos de gama média-alta.
"Quando ocorrerem, acidentes serão graves"
As empresas devem dar formação e informação aos funcionários.
Os robôs melhoraram as condições de trabalho em postos mais perigosos, mas adverte no livro que "também podem lesar os humanos com quem trabalham". Que preparação exige?
Requer a adaptação da organização. Introduzir robôs sem preparar os operadores pode originar problemas adicionais. Devem ter formação e informação sobre aspectos relacionados com programação mais simples, a manutenção dos próprios sistemas. Devem estar muito mais envolvido com aspectos de conteúdo técnico mais avançado. Se isso não acontecer, a possibilidade de acidentes é maior. É fundamental ter os humanos neste tipo de sistemas automatizados, justamente para impedir que esses riscos de acidente. Porque quando ocorrerem serão graves.
E quais são os maiores problemas éticos associados à robótica?
Os mais falados são os associados à utilização que pode ser nociva para os próprios humanos. Tem havido muita controvérsia sobre investigação associada a robôs de aplicações militares em que o objectivo é desenvolver tecnologia para matar humanos. Nas empresas fala-se também muito da responsabilidade da tomada de decisão. Esse é um problema mais evidente quanto maior a capacidade de autonomia desses sistemas técnicos e a aprendizagem das máquinas com os erros. As empresas não devem deixar que as decisões, mesmo operacionais, sejam apenas tomadas pelos equipamentos.
O que conduz às questões legais. Quem é responsável pelas acções dos robôs?
Sim. Nos veículos autónomos, por exemplo, de quem é a responsabilidade do acidente: de quem fabrica ou de quem utiliza o equipamento? Que tipo de seguros há? Qual o enquadramento legal? Nos drones a legislação limita as aplicações. Já vimos problemas junto ao aeroporto e houve que tomar medidas drásticas. Isso inibe o desenvolvimento tecnológico? Não. Vem é clarificar o campo de intervenção do ponto de vista legal, de modo a proteger-nos a todos.
Cinco temas com impacto presente e futuro
Título: "Robótica e Trabalho - O Futuro Hoje"
Autor: António Brandão Moniz
Editora: Glaciar
1ª Edição: Março de 2018
O livro "Robótica e Trabalho - o Futuro Hoje" faz parte da colecção "Ciência Disruptiva", um projecto editorial lançado em 2016 pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) em parceria com a editora Glaciar. Abrangendo algumas das áreas científicas de crescimento exponencial e que mais podem impactar a sociedade no futuro, inclui também as obras "Engenharia Genética - O Futuro Já Começou", de Sílvia Curado; "O Admirável Mundo da Bioética", de Maria do Céu Patrão Neves; e "Smart Cities - Inclusão, Sustentabilidade, Resiliência", de Sara Fernandes. Em breve será publicado o quinto volume desta colecção, dedicado ao tema da revolução digital. O livro é da autoria de Rogério Carapuça, que tem formação na área da Engenharia Electrotécnica e Computadores, preside à Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações (APDC) e é administrador de várias empresas do grupo Novabase.