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"Houve casos de heroísmo"

Cadeia logística revelou enorme capacidade de resiliência face à pandemia.

21 de Outubro de 2020 às 11:56
Raul Magalhães, presidente da APLOG
Raul Magalhães, presidente da APLOG
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A APLOG - Associação Portuguesa de Logística está focada na divulgação do conhecimento tecnológico e logístico das cadeias de abastecimento, tendo nos seus órgãos sociais e associados representantes de áreas distintas como a agroalimentar, industrial e distribuição. São também associados da APLOG operadores logísticos, infraestruturas como por exemplo os portos, empresas tecnológicas e academia. Esta transversalidade constitui a riqueza da APLOG, focando-se na Cadeia de Abastecimento e em todos os seus intervenientes, sem corporativismos ou interesses específicos.

 

 

A associação é também membro da ELA – European Logistics Association o que garante a qualidade da informação que disponibiliza e valoriza a formação certificada que ministra. Tudo isto credibiliza a relação com os diferentes setores, como bem exemplifica o Estudo de Logística inovador que a APLOG está a desenvolver em parceria com a KPMG, que conta com o patrocínio de entidades de diferentes áreas de atividade como o Grupo Rangel, AICEP Parques, Porto de Sines, Merlin Properties e MDS e que será apresentado até ao final do ano. Por isso e neste âmbito, conversámos com Raul Magalhães, presidente da APLOG.

 

 

Como se encontra atualmente o setor da logística em Portugal?

Não resisto a colocar uma nota de ironia para responder a essa pergunta.Tivemos nos últimos anos, fruto da crise financeira do início da década passada, testes de stress aos bancos e instituições financeiras. Esta pandemia serviu quase como um teste de stress ao setor logístico e à sua capacidade de resiliência. Realmente, a cadeia logística revelou enorme capacidade de resiliência face à pandemia. Só nos podemos dar como satisfeitos porque todos os intervenientes da cadeia logística, desde a produção – de quem colhe produtos agrícolas a quem esteve na fábrica que produzia iogurtes, massas, óleos, seja o que for – à distribuição, passando pela componente da armazenagem e dos transportes, todas estas identidades tiveram um papel fundamental no período que atravessámos. Atrevo-me a dizer que, na capacidade que tivemos em manter as cadeias alimentares a funcionar, desde a agroalimentar, passando pelas cadeias logísticas ligadas à saúde e à distribuição, foram em muitos casos de heroísmo.

 

 

Pode dar-me um exemplo?

Os transportes. Quando um motorista chega com o seu camião a um fornecedor ou um cliente, normalmente pode usufruir das instalações. Usar a casa de banho, ir à cantina, tomar um café. Durante o período de contingência, quer do lado dos fornecedores quer do lado dos clientes, os motoristas não podiam sequer sair do camião. Circulavam nas autoestradas, mas as cafetarias e as casas de banho dos postos estavam fechadas e apenas podiam atestar combustível. Quando chegavam a uma fábrica para carregar, por exemplo, tinham estas limitações e quando chegavam a um retalhista, tinham outras. Tivemos portanto um período em que, a par de alguma falta de informação relativamente aos aspectos de proteção individual e ao pânico que se instalou, estas pessoas se revelaram autênticos heróis! Podemos dizer que o comportamento de todos os intervenientes na cadeia logística foi verdadeiramente fantástico.

 

 

Que impacto teve a pandemia no setor da logística?

Teve implicações diferentes. Tivemos centros comerciais fechados, e uma parte do setor do retalho parado com fortes implicações nas actividades logísticas. Muitas marcas praticamente funcionaram apenas online, como são exemplo as lojas de vestuário, de decoração, enfim tudo o que é não alimentar. A exceção foram as lojas de eletrónica, que manteve o funcionamento porque as pessoas estavam em casa e precisavam de televisões, máquinas de lavar roupa, máquinas de lavar louça, etc. O restante deixou de funcionar e por isso deixou de movimentar mercadorias. Tivemos assim uma parte do setor da logística e dos transportes que, de um momento para o outro, ficou sem uma grande expressão da sua atividade.



No lado da componente alimentar e em produtos ligados ao entretenimento, tecnologia e à saúde, o trabalho multiplicou. O que é que aconteceu?

Na área alimentar, houve falta de meios que puderam ser compensados pelo que estava a sobrar no não alimentar. Mas é óbvio que com algumas restrições: um carro que transporta produtos secos não pode transportar alfaces, peixe ou carne por causa da temperatura. Porém, conseguiu-se fazer alguma transferência de colaboradores e espaços físicos e esta capacidade de reconverter algumas atividades em 24 ou 48 horas merece por isso destaque e elogio. Registe-se que não se verificaram ruturas na cadeia alimentar em nenhuma zona do país. É nesta circunstância que se vê o valor das pessoas, que conseguiram adaptar-se a uma realidade que ninguém pensou que viesse a acontecer, pois as empresas têm planos de contingência, mas não para situações como a que vivemos.

 

Desta pandemia tiramos três conclusões: a necessidade de reforçar a formação de todos os profissionais para este tipo de situações; a necessidade de apostar na tecnologia e na automação para libertar pessoas e para que as operações funcionem e a necessidade de reforçar também o e-commerce.

 

O e-commerce já estava em crescendo, mas teve um aumento brutal. Os operadores portugueses estão preparados para este desafio do e-commerce?

Estão conscientes dos desafios,mas alguns não passam pelos operadores. A APLOG tem disponível no seu site um estudo feito com a Deloitte e apresentado no passado mês de setembro, em que foram analisados os desafios e as dificuldades que as empresas enfrentaram nestes últimos meses e cito aqui apenas alguns: o modelo de preparação de encomendas, com o aumento das quantidades deixou de ser aplicável e revela-se necessária a sua reinvenção. Quando falo de encomendas refiro-me todo o tipo de bens, alimentares e não alimentares.

 

Há também o desafio do modelo de distribuição. Temos hoje muito mais carros na rua, com tudo o que isso implica em termos de eficiência (ou falta dela) e sustentabilidade. Necessitamos portanto de modelos mais eficientes e isso só se consegue com aposta na tecnologia. Só com uma maior capacidade de planeamento e gestão de rotas com ganhos de eficiência no transporte é que se consegue manter este tipo de distribuição sustentável económica e ambientalmente.

 

Existe ainda o desafio do foco no cliente. Hoje as pessoas querem tudo no imediato e sem custo. Com um nível de exigência cada vez maior, as empresas têm como compromisso com os clientes satisfazer as suas expetativas e quando se disponibilizam para entregar uma encomenda em 24 horas é nesse período que o devem fazer e sempre com a garantia da partilha de informação com o cliente. Só assim podemos falar do "Costumer Centric" ao nível de toda a cadeia logística.

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