O tema da sustentabilidade entrou definitivamente na agenda das empresas e na lista de prioridades dos gestores. As previsões para os próximos anos mostram que os grandes eixos de ação dos fatores ESG (Environmental, Social and Governance, ou ambientais, sociais e de governança empresarial) se vão colar aos processos de negócio e de inovação e disseminar-se nas cadeias de valor, mas o caminho ainda se faz caminhando e Portugal é exemplo disso.
“Portugal é um país não a duas, mas a umas 20 velocidades” em matéria de estratégias para a sustentabilidade nas empresas, defendeu Margarida Couto, presidente do GRACE - Empresas Responsáveis, num debate do Digital Lab para a sustentabilidade, promovido pela Axians e pela IDC.
Para a presidente da Associação Empresas Responsáveis “Portugal está muito atrasado nesta matéria”. Cá, como no resto mundo, a pandemia terá tido um papel importante para sublinhar a importância da máxima: as pessoas são o mais importante nas organizações. Acelerou a adoção de novas abordagens para os temas sociais, mas continua a haver muito por fazer em matéria de responsabilidade social e ambiental.
As cotadas são consensualmente vistas como a exceção, numa bolha em que as obrigações de reporte, que começam já a existir nesta área da sustentabilidade, trazem um conjunto de iniciativas para o nível de compliance que é preciso assegurar.
Ainda assim, João Catarino, consultor para a área corporate strategy & sustainability da Galp, acredita que, neste momento, “a sustentabilidade em Portugal está a avançar rapidamente”, mesmo reconhecendo que um fator crítico no ritmo de adoção destas práticas nas empresas é o setor no qual estão inseridas.
As empresas de energia, por razões óbvias, têm já um foco grande nas questões ambientais, que passaram a ser estratégicas. Nos setores em que esta visão já existe, o responsável considera que Portugal está completamente em linha com o resto da Europa.
Bons exemplos mostram que é possível transformar desafio num fator de competitividade “Os Digital Labs são iniciativas que a Axians e a IDC promovem ao longo do ano para incentivar a reflexão sobre temas importantes nos processos de transformação das empresas”. Fazem parte de um programa que junta as duas empresas e que inclui ações que pretendem contribuir para motivar equipas e promover a inovação nas empresas, como explicou Carmo Palma, managing director na Axians Portugal. Neste foram deixados exemplos de empresas nacionais com apostas fortes e bem implementadas na área da sustentabilidade, como a EDP, que fez do tema um fator de competitividade a nível global, ou a Delta, pioneira na área da responsabilidade social e que progressivamente foi estendendo as políticas responsáveis ao ambiente.
Mas a regra ainda é diferente das exceções, mesmo se reconhecendo que, fora da bolha das cotadas, muitas empresas já perceberam que para manter a “licença social” para operar, como lhe chamou Margarida Couto, têm de olhar para estes temas. A perceção de que a abordagem ao tema da sustentabilidade tem de ser transversal já começou a descer da gestão de topo para os C-level.
Na maioria das organizações, os esforços começam por associar a sustentabilidade a um departamento que já existia na empresa, como o marketing ou a comunicação, aos poucos abre-se o leque para dar visão estratégica ao assunto e ganhar peso nas decisões de investimento. A forma como cada empresa posiciona o tema da sustentabilidade dentro da organização, defendeu-se neste debate, é um indicador claro da relevância que lhe é atribuída.
Regulação vai pressionar mudanças. Estamos preparados?
A chegada de novos requisitos legais, que terão de ser cumpridos por todas as empresas com exceção das PME, vai inevitavelmente acelerar o ritmo desta mudança. A agenda europeia para a transição verde é clara, nas metas traçadas para 2050, e coloca uma pressão no mercado, que outras mudanças estruturais não tiveram.
“No digital não houve decretos”, como sublinhou Pedro Afonso, CEO da Vinci Energies Portugal. As empresas foram compreendendo as vantagens do digital e evoluindo nesse sentido, à medida que foram surgindo estruturas, recursos e conhecimento. Para a transição verde, considerou o responsável, esse ecossistema ainda não existe. Pessoas e empresas não foram educadas para lidar com a mudança ao ritmo que terá de ser feita e isso agrava os riscos de falhar metas, nos prazos previstos.
“Falta uma consciência na sociedade sobre isto. Não há um ecossistema como se criou à volta do digital”, referiu Pedro Afonso, fazendo também notar que nesta empreitada “cada empresa intervém numa parte da cadeia de valor”. Ou seja, os desafios de compliance que a regulação vai exigir às empresas de maior dimensão irão muito além dessas empresas. As PME, que teoricamente estão para lá das obrigações legais de reporte na área da sustentabilidade, na prática não vão estar, porque integram a cadeia de valor de alguém que estará na mira dessas obrigações.
Mas, se por um lado, as implicações dos requisitos ESG em toda a cadeia de valor podem ser um desafio às metas europeias, são também uma oportunidade para as economias e para o planeta. O impacto desse efeito dominó já pode ser visto hoje, quando as empresas vão além das imposições externas e implementam, por iniciativa própria, regras estritas nos seus códigos de procurement, obrigando os fornecedores que a elas se ligam a cumprir requisitos auditáveis em matéria de sustentabilidade.
A IKEA foi o exemplo apontado, pelas exigências que impõe à sua cadeia de fornecedores nesta área. Também o representante da Vinci partilhou o exemplo da empresa, para explicar que na multinacional francesa, onde não há um departamento de sustentabilidade porque o tema há muito que é transversal a todas as áreas, qualquer compra a um fornecedor, dos 5 mil aos 50 milhões de euros, contempla critérios ESG. Números partilhados por Gabriel Coimbra, num contexto mais internacional, revelam a mesma tendência de disseminação destas preocupações. Em 2020, o tema da sustentabilidade era colocado em destaque por 45 a 50% dos gestores. Esta perceção é agora a de 75% dos decisores, como sublinhou o diretor-geral na IDC Portugal.
A puxar os temas ESG para o topo das agendas está ainda o custo do financiamento, que já varia em função da intensidade da aposta das empresas nestas matérias – o sucesso dos green bonds é um exemplo – e da sua capacidade para o mostrar. Aí, como sublinhou João Catarino, a importância da tecnologia é crucial, porque as ferramentas tecnológicas vão fazer a diferença na incorporação da sustentabilidade no ADN das empresas. São o instrumento para medir, implementar e monitorizar a inovação sustentável nas organizações e são fundamentais para ajudar a traçar um rumo e percorrê-lo.
Detalhados os riscos e os entraves a uma mudança que não pode deixar de acontecer, o painel deixou uma mensagem de esperança, sobre o impacto nos negócios e na sociedade que terá uma economia feita de empresas mais responsáveis. Empresas que vão ter de reportar indicadores machine readable, alinhados com normas internacionais, que vão ser auditados, como destacou Margarida Couto, sublinhando a importância deste aspeto para a transparência e para dar meios aos próprios cidadãos para escrutinar quem fornece os serviços e produtos que usam. “Vem aí um desafio para o qual a maior parte das empresas não está preparada”, destacou a responsável, mas é um desafio que acabará por se tornar tão rotineiro como cumprir os requisitos de relato financeiro, concordaram os oradores.
Incentivar a inovação distinguindo as melhores práticas
O Portugal Digital Awards é uma iniciativa da Axians e da IDC, criada para reconhecer e premiar a excelência de organizações, das suas equipas e líderes empresariais na transformação digital das organizações que integram. Os Digital Labs, espaços de debate sobre temas estruturais na transformação das empresas, são uma das vertentes da iniciativa, que este ano voltará a destacar projetos, iniciativas e líderes, como forma de incentivar a inovação. Na edição anterior do Portugal Digital Awards, foram entregues 19 prémios, que cobriram projetos nos diferentes setores da economia. Até outubro, decorrem as candidaturas para a edição deste ano. Até lá, debatem-se temas centrais para os processos de transformação que as empresas estão a viver, com impacto no futuro da inovação digital.
“As empresas que não cumprem critérios ESG já estão a financiar-se de forma mais cara."
Margarida Couto, presidente do GRACE
“A sustentabilidade deixou de ser um tema dos departamentos dedicados a essa área, para ser um tema das pessoas individualmente. Sustentabilidade é tudo o que fazemos todos os dias.”
Pedro Afonso, CEO da Vinci Energies Portugal
“A sustentabilidade não é apenas green, tem também as componentes do social e de governance. Aqui debatemos estes vários temas e é muito gratificante ver aquilo que já está a ser feito."
Carmo Palma, managing director na Axians Portugal e moderadora do debate
“Há uma preocupação cada vez maior dos gestores com estes temas, a nível mundial e também em Portugal, mas, para além disso, há também já hoje uma implementação real de tudo aquilo que é colocar a sustentabilidade nos processos de negócio das organizações de uma forma transversal."
Gabriel Coimbra, diretor-geral na IDC Portugal e moderador do debate
“Num contexto internacional, a sustentabilidade pode ser uma oportunidade para afirmar a competitividade das empresas portuguesas e isso tem sido um incentivo para avanços importantes nesta área e até para um esforço de colaboração entre players."
João Catarino, consultor para a área corporate strategy & sustainability da Galp