A Comissão Europeia (CE) quer colocar 30 milhões de automóveis de emissões nulas nas estradas europeias até 2030. Todavia, a ACEA – Associação Europeia dos Construtores Automóveis diz que esta pretensão é irrealista, alegando o elevado preço destes carros, sobretudo agora que há menos dinheiro para gastar por causa da pandemia, o facto de muitos Estados-membros da União Europeia (UE) não apostarem o suficiente em postos de carregamento públicos, a necessidade de melhorar os esquemas de incentivo à renovação da frota, entre outros problemas. Questionámos Henrique Sánchez, presidente do conselho diretivo da UVE, e Helder Pedro, secretário-geral da ACAP, se o objetivo da CE é exequível ou se a razão está do lado da ACEA.
Para Henrique Sánchez, a situação atual deve impulsionar todos os Estados-membros da UE a adotarem políticas públicas abrangendo incentivos à aquisição, benefícios fiscais, discriminação positiva, que penalizem fortemente o poluidor, seja o fabricante, o veículo ou o utilizador final, o que fará acelerar a transição energética e a eletrificação dos diversos meios de transporte, particulares ou coletivos, públicos ou privados.
O responsável da UVE diz que o sucesso da Noruega, o melhor exemplo mundial do crescimento da mobilidade elétrica, assentou, precisamente, na "adoção de um pacote agressivo de benefícios fiscais, de incentivos à aquisição por parte de empresas e dos particulares, e a aplicação de medidas de discriminação positiva aos veículos elétricos", seja através da isenção ou redução de portagens, descontos nos ferryboats, permissão de utilização dos corredores BUS, estacionamento gratuito, e não só.
"A Associação Europeia dos Construtores Automóveis, a ACEA, não tem razão, pois é justamente agora, que poderá existir menos dinheiro, como conclui por efeitos da pandemia, que é fundamental e crucial que a aplicação desses mesmos dinheiros seja criteriosa e beneficie as indústrias menos poluidoras e penalize quem resista à mudança que já todos comprovámos que se afigura urgente."
O fim dos incentivos fiscais aos híbridos é um retrocesso na descarbonização
Por sua vez, Helder Pedro, secretário-geral da ACAP, responde que o que a ACEA tem defendido é o chamado "princípio da neutralidade tecnológica, ou seja, os poderes públicos não devem impor uma determinada solução tecnológica". O responsável da ACAP explica que os consumidores devem poder escolher entre as várias ofertas que existem no mercado. As marcas fazem parte da solução do processo de descarbonização e querem cumprir as metas estabelecidas, devendo ser dada liberdade para cada uma definir a forma de as atingir.
"Compete aos poderes públicos criar incentivos à renovação do parque automóvel e investir e incentivar o desenvolvimento das redes de carregamento. Mas olhemos para o caso de Portugal. O fim dos incentivos fiscais aos híbridos é um forte retrocesso nas metas de descarbonização impostas pelo Green Deal no seio da UE, uma vez que estes veículos têm emissões de CO2 menores, em cerca de 30%, face ao veículo equivalente a combustão interna", informa.
Para que o objetivo da CE seja exequível, é necessário que todos os Estados-membros na UE "contribuam de forma harmonizada e holística para atingir estas metas, o que, no caso de Portugal, não tem acontecido".
Último trimestre deixa bons indicadores
No último trimestre de 2020, os registos dos veículos elétricos na UE aumentaram de 130.992 unidades em 2019 para quase meio milhão (+ 262%). Esse enorme aumento na procura de Veículos 100% Elétricos (BEV) e Veículos Elétricos Híbridos Plug-In (PHEV) – com registos de crescimento de 216% e 331%, respetivamente – foi impulsionado, em grande parte, por estímulos de alguns governos para impulsionar o mercado do setor por causa da pandemia. Na verdade, este mercado foi mais ativo nos países com os incentivos mais generosos. Na Alemanha, por exemplo, os BEV aumentaram mais de 500% no último trimestre de 2020.
No ano passado, os PHEV representaram 11,9% do total das vendas de automóveis de passageiros na UE. Em 2019, a percentagem foi de 5,7%. Os BEV viram um aumento semelhante na procura em 2020, sendo responsáveis por 10,5% de todos os registos de novos carros na UE, quando tinham registado uma quota de mercado de 3% no ano anterior.
Camiões seguem o caminho da sustentabilidade
A aposta crescente da indústria do setor em veículos ecológicos que garantam a sustentabilidade ambiental vai além dos carros. Uma prova, por exemplo, está no facto de os fabricantes de camiões na Europa terem concordado, em dezembro passado, que até 2040 todos os novos camiões vendidos devem ser livres de combustíveis fósseis para atingir a neutralidade de carbono até 2050.
"As mudanças climáticas estão no topo da agenda da indústria dos veículos comerciais, sendo o desafio mais fundamental para a humanidade e para a economia global", disse, em dezembro, Martin Daum, presidente do Conselho de Veículos Comerciais da ACEA para 2021, e que é igualmente CEO da Daimler Truck AG.
Para se iniciar esta transformação, todavia, é necessária união, alerta. Além do investimento dos fabricantes em tecnologia, é preciso ambição dos diferentes governos da Europa que têm de tomar as medidas urgentes e necessárias. Apostar em infraestrutura como pontos de carregamento, estações de hidrogénio, ou criar legislação adequada são algumas das políticas que têm de avançar.