As energias renováveis estão no centro do debate e muito tem sido dito e feito nos últimos meses em prol de um futuro mais verde e sustentável neste campo. A crise pandémica e a recente invasão da Rússia na Ucrânia são apenas dois dos vários fatores que têm obrigado a repensar estratégias. Em entrevista, Pedro Amaral Jorge, presidente da Associação de Energias Renováveis (APREN), falou deste e de outros temas que marcam o setor nos nossos dias.
No campo das energias renováveis, que grande alteração aponta no último ano e meio?
2020 ficou marcado pela crise pandémica. Ocorreu uma redução significativa no consumo de eletricidade que teve como consequência a redução dos preços do mercado grossista. Verificou-se, além disso, uma utilização inferior de combustíveis fósseis, levando à redução abrupta das emissões de dióxido de carbono (CO2) do setor e ao phase-out precoce das centrais a carvão. Desta forma, e também considerando o significativo aumento dos preços das licenças de emissão de CO2, este phase-out iniciou-se com o fecho da Central de Sines em janeiro de 2021 e da Central do Pego em novembro do mesmo ano, contribuindo para uma redução significativa das emissões de CO2 setor elétrico.
E houve respostas a este cenário?
Como resposta à crise provocada pela pandemia, a União Europeia avançou com um pacote de financiamento como condição de base à recuperação económica. Este pacote de financiamento, extremamente robusto, inclui 1.824 mil milhões de euros, sendo 1.074 mil milhões no âmbito do Quadro Financeiro Plurianual para 2021-2027 e 750 mil milhões para o Next Generation EU, dos quais 30% são destinados à descarbonização, o que representa uma grande oportunidade de continuar o desenvolvimento do setor renovável na Europa e em Portugal.
Portugal também se posicionou neste campo.
Sim, Portugal, em resposta imediata, anunciou também o seu Plano de Recuperação e Resiliência – Recuperar Portugal 2021-2026, com três dimensões estruturais: resiliência, transição climática e transição digital, alocando cerca de 2,7 mil milhões às reformas para o clima com foco na mobilidade, na descarbonização e bioeconomia e na eficiência energética e renováveis.
Mas 2020 teve outras alterações.
Ainda em 2020 foi aprovada a Estratégia Nacional para o Hidrogénio, na qual está prevista a instalação de 2 a 2,5 GW de eletrolisadores (potência equivalente de eletrolisação) até 2030, com o objetivo de produzir hidrogénio recorrendo a eletricidade gerada por fontes de energia renovável (hidrogénio verde). No entanto, com a implementação do Fit for 55 e do REPowerEU, é expectável que esta meta venha a ser substancialmente aumentada em Portugal. Em 2020, ocorreu um leilão de capacidade solar fotovoltaica que alocou 670?MW, dos quais 483 MW na nova modalidade dedicada a projetos com armazenamento, mais uma vez com valores de tarifas equivalentes que surpreenderam o setor.
O ano de 2021 trouxe outras novidades.
Em 2021, a nível europeu, a Comissão Europeia lançou o pacote legislativo Fit for 55, desenhado com o objetivo de impulsionar a nova ambição climática europeia, de concretização de uma redução das emissões de gases com efeito de estufa em 55% para 2030, face a 1990. Uma decisão aplaudida pelo setor, que surpreendeu, logo à partida, por definir em 40% a nova meta de incorporação de fontes renováveis (face aos anteriores 32%) no consumo final de energia da União Europeia, além do aumento da eficiência energética para 39%. São 14 peças legislativas para permitir o alargamento da meta de redução de GEE de 40% para 55%, sendo, desejavelmente, 2022 o ano de discussão entre os Estados-membros para a concretização das versões finais. Também em 2021 foi iniciado o leilão pioneiro de energia solar fotovoltaica flutuante em albufeiras, cuja licitação atribuirá a exploração de 262 MW de energia solar em sete barragens do país, resultando no maior projeto de solar flutuante do mundo com 100 MW a instalar na albufeira do Alqueva.
Mas 2021 foi um ano de recordes…
Sem dúvida os recordes que traduzem o crescimento do setor renovável. A começar pelo aumento considerável da potência solar fotovoltaica instalada no montante de 701 MW, que levou a que esta tecnologia representasse 3,8% da produção de eletricidade ao longo do ano, um valor nunca antes registado. De forma agregada, também a produção renovável apresentou um recorde em termos percentuais, tendo representado 62,9% do consumo de eletricidade, apesar de, em valores absolutos de produção renovável, ter ficado atrás de 2016. Por outro lado, o leilão de solar flutuante, como referido, colocou Portugal debaixo de fortes holofotes ao estabelecer condições que venham eventualmente a permitir criar o maior projeto de solar flutuante no mundo, destacando o país a nível internacional.
Considera que as empresas portuguesas estão a apostar nas energias renováveis?
Estão a apostar nas energias renováveis através de compra de energia renovável aos comercializadores e do autoconsumo, sobretudo através da instalação de painéis fotovoltaicos, como demonstram os valores da potência instalada. De 2020 para 2021, a potência fotovoltaica descentralizada instalada em unidades de produção para autoconsumo (UPAC) praticamente duplicou, tendo atingido no fim de 2021 um total de 470 MW. O esforço que as empresas portuguesas têm demonstrado em participar na transição energética e em definir metas para a descarbonização da sua atividade tem sido visível. Tem surgido tanto por iniciativa própria, com o intuito de acompanhar a preocupação global de participar no combate às alterações climáticas, como por pressões externas, como o aumento dos preços da eletricidade, das licenças de emissão e o fim de algumas isenções aplicáveis a combustíveis fósseis para a produção de eletricidade que temos testemunhado. Esperamos que seja brevemente visível um investimento em energias renováveis juntamente com gases renováveis, como o hidrogénio verde e os combustíveis sintéticos, em indústrias que atualmente recorrem ao gás natural.