A EDP continua a sua aposta inequívoca na produção de energia com origem renovável, que continua a crescer e no ano passado superou os 75%, um indicador que reflete a aposta da neutralidade carbónica da empresa. Uma trajetória que está alinhada com a ambição do Acordo de Paris, de limitar o aumento da temperatura média global a 1,5ºC. Este é o ponto de partida da entrevista a Miguel Viana, Diretor de Sustentabilidade da EDP e da EDP Renováveis.
Que avaliação faz de Portugal em matéria de transição energética?
Portugal possui excelentes recursos para a produção de energias renováveis, quer em termos de horas de radiação solar, quer de recursos eólicos que são complementares à produção hídrica e de bombagem existente. Portugal é já o país do Sul da Europa com maior incorporação de renováveis, que representaram 60% do consumo de eletricidade em 2021.
Também em 2021 foi encerrada a produção de energia a partir do carvão, outro passo importante que coloca Portugal na vanguarda da transição energética. As renováveis no passado eram por vezes erradamente percecionadas como um custo extra para os consumidores de eletricidade. No entanto, é hoje consensual que, na crise atual, as renováveis em Portugal estão a dar um contributo fundamental para reduzir o impacto da subida dos preços internacionais de gás e petróleo nos custos energéticos.
Os leilões para construção de nova capacidade renovável têm mostrado que estas tecnologias são competitivas, há que incentivar a expansão de capacidade, nomeadamente através de soluções híbridas com eólica, solar e baterias para uma mais eficiente utilização da rede de eletricidade.
A guerra na Ucrânia trouxe uma nova realidade e visão à União Europeia relacionada com as parcerias comerciais e com a forma como depende energeticamente da Rússia. Há uma nova visão de apressar a independência energética da União Europeia. Em que medida esta nova visão vai afetar Portugal e a EDP?
A guerra na Ucrânia, antes de ser uma questão de independência energética da União Europeia (UE), é uma emergência humanitária. Nesse sentido, a nossa primeira preocupação tem sido a de mobilizar recursos e equipas em várias geografias onde dirigimos os esforços para o apoio a diferentes organizações que se encontram na linha da frente do apoio às vítimas – é o caso da Cruz Vermelha e Médicos do Mundo, entre outras, através da entrega de bens de primeira necessidade e de donativos financeiros diretos. Em março também doámos meio milhão de euros à Fundação Biedronka, criada pela Jerónimo Martins Polónia, destinados à distribuição de produtos alimentares entre os refugiados.
A EDP está também a apoiar os seus clientes, sobretudo em Portugal e Espanha, a reduzir a dependência dos combustíveis fosseis, através de soluções de solar para autoconsumo, soluções de eficiência energética e expansão de redes de carregamento de veículos elétricos entre outros.
Quais os principais objetivos de sustentabilidade do grupo EDP?
No mais recente Plano Estratégico 2021-2025, a EDP voltou a evidenciar a sua ambição de ser líder na transição energética através de dois compromissos fulcrais: acabar com a produção de eletricidade a carvão até 2025 e alcançar 100% de produção de renováveis em 2030, atingindo a neutralidade carbónica em termos de emissões próprias (scope 1 e 2).
Estamos a investir 24 mil milhões de euros até 2025 com um enfoque na transição energética, nomeadamente na instalação de 20GW de renováveis e investimento de 3,5 mil milhões de euros no reforço das redes elétricas. Do lado do consumo sustentável, temos a ambição de ter 100% de contadores inteligentes instalados na Península Ibérica em 2025, 100 mil pontos de carregamento elétrico em 2030 (inclui postos de carregamento privados, privados de acesso público e públicos em todo o grupo EDP) e 2GW de potência renovável descentralizada no cliente em 2030.
A economia circular, que tem ganho cada vez mais relevância, tem como objetivos 80% de aproveitamento de resíduos operacionais resultantes do desmantelamento de parques eólicos e solares e a redução de resíduos para menos 85%. No ano decisivo para os compromissos para a biodiversidade, a EDP quer assegurar que todos os novos projetos com impactes ambientais significativos são ‘Sem Perda Líquida’ de biodiversidade em 2030. A questão interna dos plásticos também está a ser tratada, com o objetivo de eliminar 100% dos plásticos de utilização única.
Referir ainda que pretendemos implementar Planos de Adaptação às Alterações Climáticas em todas as empresas com risco identificado, até 2022. Acreditamos que, com estes objetivos materializáveis e realistas, estamos a contribuir realmente para fazer a diferença, não num prazo incerto, mas agora.
De que forma a estratégia de sustentabilidade está alinhada com o modelo de negócio?
Na carta aberta endereçada aos CEO de empresas cotadas, Larry Fink, presidente executivo da BlackRock, o maior investidor institucional do mundo, alertou para o facto de a transição energética ser o tema central que determinará a alocação de capital – o investimento sustentável é imparável. Todos os setores têm de moldar e adaptar o seu modelo de negócio neste quadro ou correm o perigo de ficar para trás.
A sustentabilidade é um fator crítico de sucesso do negócio, fazendo parte integrante da política comercial, gestão de stakeholders e de atração ou exclusão de recursos críticos, como o capital ou o talento. Quem está atento a esta mudança de paradigma ganha vantagem competitiva, permite reduzir riscos e abre oportunidade para novos negócios. Na EDP, isto é particularmente evidente já que o modelo de negócio é o modelo de sustentabilidade - a estratégia está alinhada com um foco forte na descarbonização, na expansão das energias renováveis, e na eletrificação do consumo de energia.
Quais os contributos e os desafios da EDP no caminho da transição energética?
O principal contributo da EDP para a transição energética está sem dúvida na capacidade de execução de novos projetos de energias renováveis, onde estão previstos mais 20GW para 2021-2025, tirando partido na experiência de quase 20 anos a desenvolver projetos renováveis nos nossos mercados, estamos no sector certo no momento certo. Os principais desafios prendem-se, no curto prazo, com a demora nos períodos de licenciamento, mas também ao nível das cadeias de abastecimento, onde temos estado a trabalhar com os nossos fornecedores para reduzir ao mínimo os impactos adversos do atual contexto de mercado.
A descarbonização da cadeia de fornecimento é outro dos desafios, em particular a redução de emissões CO2 no scope 3 (emissões indiretas associadas aos fornecedores). Aliás, a visibilidade sobre a evolução das regras de mercado e o reduzido ecossistema industrial na europa no vetor solar são outros temas que temos de endereçar. Vários estudos apontam que, para alcançar a neutralidade climática, a percentagem de eletricidade na procura global final de energia deve ser aumentada dos atuais 20% para cerca de 50% até 2050 – ou seja, existem desafios, mas acreditamos que as oportunidades são igualmente proporcionais.
Que impacto estimam ter na sociedade com esses contributos?
O principal impacto virá do nosso compromisso de atingir a neutralidade carbónica até 2030, em termos de emissões próprias (1 e 2). Estamos também a trabalhar com os nossos fornecedores para reduzir de forma ambiciosa as emissões indiretas (scope 3). Em Portugal, em 2021, já reduzimos em 81% as emissões das nossas operações relativamente ao ano de 2015. Mas não olhamos apenas para estes números, continuamos com uma política de intervenção social que é uma área cada vez mais emergente no ESG.
Nesse contexto, foi criado o SICO (Social Impact Coordinator Office), um gabinete de coordenação de Impacto Social que está focado em programas de transição energética justa, aproximando o que se faz a nível de impacto social com aquilo que é o negócio da empresa, como programas de eficiência energética, acesso à energia ou pobreza energética.
Quais as principais tendências globais de sustentabilidade?
Na área do ambiente, destacaria a harmonização dos critérios de neutralidade carbónica, com a definição da neutralidade carbónica (incluindo critérios standard para scopes 1, 2 e 3), a identificação cada vez mais clara dos riscos climáticos, e o consequente desenvolvimento de planos de adaptação e resiliência às alterações climáticas.
A importância cada vez mais premente do reporte e da transparência traz-nos desafios e tendências como a de uniformizar a dicotomia entre TCFD (EUA) e Taxonomia (EU) no reporte de risco climático, bem como promover o desenvolvimento de um standard/norma global para comparação objetiva e eficaz dos Relatórios de Sustentabilidade. Ainda na área de ambiente de realçar a preocupação crescente com a biodiversidade e com o desenvolvimento de soluções que tenham um impacto positivo para a natureza.
Na área social, continua a haver um reforço da relevância do contributo para o combate à iniquidade, assim como a importância da diversidade do capital humano das empresas. Na área de governança corporativa, uma cada vez maior atenção à diversidade dos conselhos não executivos assim como uma maior participação de investidores institucionais passivos (ETFs, etc.) que têm vindo a ter um papel mais participativo nas Assembleias Gerais das empresas.
O que está a ser implementado pela EDP em Portugal e nas restantes geografias onde atua em linha com essas tendências?
2021 foi um ano sem precedentes do nosso crescimento em renováveis, com o reforço da presença na região da Ásia-Pacífico através do investimento no grupo Sunseap que se materializou em 5,5 GW de projetos renováveis em diferentes fases de desenvolvimento: projetos solares de 540 MW em operação e construção; 127 MW de capacidade assegurada e uma carteira de 4,8 GW em diferentes fases de desenvolvimento.
No Brasil, assistimos à inauguração do parque Pereira Barreto, o maior complexo solar do Estado de São Paulo e o quinto maior do país, com uma potência instalada de 252 MWdc. Na área emergente do hidrogénio criámos uma nova unidade de negócio (H2BU), com o objetivo de reforçar a integração do hidrogénio verde no portefólio do grupo de forma estratégica e transversal e promover o investimento nas renováveis. Na área social, aumentámos o investimento para 22,5 milhões de euros, ao longo dos próximos cinco anos, em projetos de acesso à energia em países em desenvolvimento ligado ao A2E.
A procura da descarbonização da economia está, igualmente, nas startups e, nesse sentido, o grupo EDP mobilizou 100 milhões de euros para investir globalmente em empresas que tenham desenvolvido soluções que contribuam para responder aos desafios das alterações climáticas e à exigência da transição energética. Num contexto onde a inovação pode fazer realmente a diferença, queremos entrar nesta nova realidade com as melhores ideias e parceiros a nível global.
Que projetos se destacam no processo de transição energética?
Um dos alertas levantado pelo recente relatório do IPCC sobre Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade vem reconhecer que já não é uma questão apenas de prevenir ou combater as alterações climáticas, mas sim que medidas devem ser tomadas para nos adaptarmos às consequências reais do aquecimento global.
Quase metade da população mundial, entre 3,3 e 3,6 mil milhões de pessoas, vive em contextos altamente vulneráveis às alterações climáticas – portanto, hoje, mais do que nunca, precisamos de implementar soluções e as renováveis fazem parte da resposta.
Entre os projetos que destaco neste processo está o Clim2Power, um projeto europeu que terminou em 2020 e que consiste numa plataforma digital com o objetivo de antecipar as condições meteorológicas da próxima estação, cruzá-las com as previsões de procura elétrica e, com essa informação, planear a gestão do sistema elétrico. O programa Save to Compete (S2C), que a EDP lançou em 2012 para promover a competitividade das empresas portuguesas e espanholas, através de medidas de eficiência energética, permite às companhias aderentes candidatarem-se a uma ou várias medidas (energia solar, iluminação eficiente, gestão de consumos, entre outras), recebendo propostas concretas e personalizadas, bem como previsões de poupança.
Os números mais recentes apontam para uma poupança de mais de 22 milhões de euros (215 mil MWh), e uma redução de mais de 83 mil toneladas em emissões de CO2 e o POCITYF, que é um projeto de cidades inteligentes e comunidades, cujo objetivo principal é criar um conjunto de Positive Energy Blocks, áreas geograficamente delimitadas com uma produção local renovável superior ao consumo, em termos de média anual – as cidades-piloto foram Évora e Alkmaar nos Países Baixos.
O financiamento verde é um dos braços de uma estratégia sustentável. O que está a fazer a EDP nesta área?
A EDP foi pioneira em Portugal nas emissões de obrigações verdes - estabeleceu o seu primeiro quadro de obrigações verdes em 2018 e, desde então, tem sido um emissor frequente, num total de 7,6 mil milhões de euros. O nosso compromisso é ter 50% da estrutura de financiamento a partir de fontes renováveis até 2025, sendo que, no final de 2021, era já de 39%.
Reforçámos os nossos relatórios, alinhando cada vez mais com as recomendações da Task Force on Climate-related Financial Disclosure e integrando ainda mais os requisitos da taxonomia da UE, com o objetivo de ter 70% das nossas receitas taxonómicas alinhadas até 2025 e 80% até 2030.
Trabalhámos na atualização do Green Bond Framework de 2018 no sentido de adaptá-lo às guidelines mais recentes de mercado, sendo que, em março de 2022, a EDP fez uma emissão de 1,25 mil milhões de euros e já seguiu o novo framework, atingindo um valor de 7,65 mil milhões desde a primeira emissão em 2018. O desafio contínuo que enfrentamos é o de reforçar o papel dos serviços públicos na descarbonização da economia e na preservação da biodiversidade.
Que compromisso assumiu a EDP que reflete e reforça a sua ação de combate às alterações climáticas?
As empresas têm cada vez mais de assumir um papel preponderante, num posicionamento de proatividade e não apenas de reação. Neste sentido, os principais compromissos assumidos de abandonar o carvão até 2025 e ser neutros em carbono em 2030 são uma prova sólida do combate às alterações climáticas. Estes objetivos foram reconhecidos pela ONU através da apresentação do Energy Compact na conferência UN Global Compact, sendo a EDP a única empresa portuguesa convidada a participar nesta conferência.
Aliada a esta iniciativa esteve também a adesão ao pacto criado pela Google por uma energia livre de carbono 24 horas por dia, sete dias por semana em parceria com a entidade SEforALL e com as Nações Unidas. Mas a nossa ambição já tinha sido reconhecida em junho de 2021 – a nossa meta de 98% de redução das emissões específicas de âmbito 1 e 2 em 2030 face a 2015 foi reconhecida pela SBTi.
Num ano particularmente desafiante, sabíamos que tínhamos de juntar a nossa voz à que foi a conferência decisiva da década, a COP26, que confirmou o "código vermelho para a Humanidade" constante da avaliação mais alarmante de sempre do IPCC. Nesse sentido, a participação da EDP materializou-se na adesão a diversas iniciativas neste roteiro exigente para a neutralidade carbónica: juntámo-nos à COP26 Declaration on accelerating the transition to 100% zero emission cars and vans com o compromisso de acelerar rapidamente a transição para veículos com emissões zero para atingir os objetivos do Acordo de Paris.
A meta é para que todas as vendas de viaturas novas sejam de emissão zero a nível mundial até 2040, e o mais tardar até 2035 nos principais mercados. Aderimos, juntamente com mais 25 empresas e 47 países, entre os quais Portugal, à Global Coal to Clean Power Transition Statement com o compromisso de acelerar a transição para as energias renováveis e abandonar o uso de carvão. O objetivo é completar este processo na década de 2030 para os países mais desenvolvidos e na década de 2040 para os outros países. Anunciámos ainda um novo compromisso durante a COP25: investir 1.5 GW em hidrogénio renovável até 2030, demonstrando como pode ser uma alternativa emergente de produção de energia limpa. Finalmente, a subscrição do WBCSD Business Manifesto for Climate Recovery, que estabeleceu 12 prioridades de ação enquadradas em torno da redução, remoção e reporte de emissões CO2, destacando a colaboração público-privada necessária para impulsionar a ação climática, como impulsionador de uma reflexão de 360 graus sobre todo o negócio.
Pode dar exemplos de como os princípios ESG se materializam na atividade da empresa?
Em 2021 lançámos a campanha externa Changing Tomorrow Now que é também um programa interno para mobilização da organização para o cumprimento dos compromissos estratégicos EDP, sustentada em eixos: Crescimento Acelerado e Sustentável, Organização Preparada para o Futuro e Excelência ESG.
São 48 iniciativas, mas destacaria algumas da Excelência ESG, como o desenvolvimento de um masterplan de uma estratégia integrada de ESG e a criação de uma task force para chegarmos à neutralidade carbónica em toda a atividade da empresa. Para além desta campanha, temos a noção de que a redução da pegada ambiental começa na definição de políticas internas, como a Política do Ambiente. Estes programas estabelecem metas para o grupo, traduzidas por cada unidade de negócio para a sua realidade, sendo que existe uma monitorização do seu cumprimento. Estas práticas estão alargadas à cadeia de valor, quer na dimensão do cliente, quer nas compras, através de políticas e introdução de critérios de sustentabilidade nos processos de compras.
Com a nossa adesão ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 12 -Produção e Consumo Sustentáveis, assumimos o compromisso muito concreto de eliminar os plásticos de utilização única em 100% e manter uma taxa média de 75% de valorização dos resíduos, promovendo a circularidade.
Isto materializa-se igualmente nas atividades de construção, operação e manutenção de instalações, privilegiando sempre a reutilização e as parcerias com operadores licenciados que encaminham os resíduos para destino preferencial de valorização, sendo que um dos nossos compromissos é o de atingir 80% de aproveitamento de resíduos operacionais resultantes do desmantelamento de parques eólicos e solares. Este é o caminho em que estamos a criar uma verdadeira cultura de ESG transversal ao grupo EDP.
De que forma está alinhada a EDP com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas?
A EDP está, desde a primeira hora, comprometida com 9 dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Pela natureza da nossa atividade, contribuímos ativamente para os objetivos 7 (Acesso a Energias Limpas e Renováveis) e 13 (Combate às Alterações Climáticas), os quais são parte integrante da estratégia da empresa. Isto materializa-se num compromisso de, até 2030, 100% da nossa produção de energia ser renovável.Já no ODS 13, a grande questão é a atingir a neutralidade carbónica até 2030. Todas as dimensões da estratégia de Sustentabilidade estão alinhadas com os ODS, desde a Igualdade de Género onde temos a meta de termos 30% de colaboradores femininos até 2025, passando pela preservação da Biodiversidade e não esquecendo a parte social onde temos um investimento de 50 milhões de euros em acesso à eletricidade até 2025.