As moratórias de crédito foram uma das medidas implementadas pelo governo português para assegurar uma ajuda imediata às empresas e ao emprego, neste período desafiante resultante da crise pandémica que vivemos. No entanto, haverá agentes económicos que, sobrevivendo a curto prazo, não vão conseguir recuperar e restabelecer o seu equilíbrio financeiro e económico, pelo que o fim do regime de moratórias poderá tornar-se no próximo grande desafio da economia e, em particular, do setor bancário em Portugal.
Esta é uma das principais conclusões retiradas do ciclo de webinares "Incumprimento no crédito: Que desafios até ao final do regime de moratórias?" organizado pela Deloitte e que reuniu, ao longo de duas sessões, mais de dez especialistas portugueses e internacionais e quase 500 participantes.
"Perante o atual contexto económico e a indefinição em relação ao final do regime de moratórias, é importante que os bancos portugueses possam, proactivamente, adotar estratégias ativas de recuperação de crédito e desalavancagem, minimizando a percentagem de NPLs (Non-Performing Loans) no seu balanço" alerta Joaquim Paulo, Partner da Deloitte, que moderou os dois webinares.
Em agosto, Portugal tinha mais de 700 mil operações de crédito com moratórias, com um forte peso no crédito a particulares, ao nível da habitação e consumo, mas também no crédito a empresas, pelo que, nesta fase, os bancos deveriam, segundo Nuno Carvalho Martins, Membro do Conselho da Administração da Caixa Geral de Depósitos, "fazer a curto prazo uma análise rigorosa do perfil de risco dos clientes e garantir um acompanhamento mais próximo dos mesmos".
Como complemento a esta medida, "o setor financeiro terá de se adaptar ao sistema empresarial português", defende Álvaro Nascimento, Professor da Universidade Católica Portuguesa.
O volume de crédito alvo de moratórias nos principais bancos portugueses ascendia, em junho de 2020, a 38 mil milhões de euros sendo que, segundo o Banco de Portugal e o Instituto Nacional de Estatística, são as empresas ligadas à hotelaria e restauração, indústria, energia e logística as que mais recorreram a esta medida.
"As medidas de apoio à economia evitaram situações massivas de incumprimento, no entanto, se olharmos para a evolução do custo do risco, observamos que há um aumento do nível de imparidades para crédito, antevendo-se a degradação da carteira de crédito", refere Susana Bento, Partner da Deloitte.
A perspetiva europeia foi apresentada por Tom Simmons, que prevê um aumento do desemprego, diminuição da confiança na economia e crescimento das poupanças dos cidadãos que, face à incerteza global, poderão tornar-se permanentes e não significar investimento na economia.
No que diz respeito a uma eventual recuperação económica, o economista da Deloitte Reino Unido acredita que esta será mais rápida na região da Ásia-Pacífico, motivada pela retoma gradual da China, ao passo que a Europa Ocidental deverá apresentar um ritmo mais lento, com os bancos a aumentarem a rigidez na disponibilização de crédito.
Andrew Grimstone, Global Head of Restructuring Services da Deloitte
A importância da proatividade
A proatividade e a antecipação de soluções são apontados como os dois principais comportamentos que a economia deverá ter no curto prazo para atenuar o impacto futuro do fim do regime de moratórias uma vez que, ao atuar no imediato, haverá "mais opções estratégicas e diferentes soluções em cima da mesa", segundo Andrew Grimstone, Global Head of Restructuring Services da Deloitte.
Além do setor bancário, o regime de moratórias de crédito também tem um impacto relevante no imobiliário, um dos setores determinantes na recuperação económica na crise da última década.
"Um dos desafios no período pós-moratória passa quer pela correção que tem de existir na economia entre a dívida existente e a dívida sustentada, quer pela velocidade a que o dinheiro vai chegar a quem precisa dele, de forma a poder estimular não só o setor imobiliário, mas a economia", sob a forma de capital, designadamente através de instrumentos de capital de risco, defende Martim Avillez de Figueiredo, fundador e Senior Partner da Core Capital.
O mercado imobiliário e de NPLs português, apesar dos desafios da atualidade e da sua reduzida dimensão quando comparado por exemplo com Espanha, vai continuar a atrair o interesse dos investidores na opinião de Benjamin Collet, Partner da divisão de Portfolio Lead Advisory Services (PLAS) da Deloitte Reino Unido e de André Nunes, Chief Investment Officer da Arrow Global Group – Portugal acrescentando este último que "uma das grandes vantagens que existe nesta crise é que muitos dos intervenientes do sector ainda se lembram bem da crise anterior".
Susana Bento, Partner da Deloitte
Já no que diz respeito aos preços e ao tipo de investidor no setor imobiliário a certeza não é tão grande. Com a crise poderemos esperar até 2025 uma mudança significativa no paradigma de investidor no mercado nacional, sendo que os preços irão depender da evolução de três variáveis: "a política monetária, com taxas de juro muito baixas a longo prazo; políticas fiscais, isto é, as medidas que serão aplicadas ao nível do património e, por fim, os modelos de negócio associados a Real Estate", explica Jorge Marrão, Partner responsável pela área de imobiliário da Deloitte Portugal.
Uma outra dúvida prende-se com as operações de investimento no mercado de NPL que eram vistas no início do ano como uma das principais oportunidades para o setor em 2020, e que sofreram uma desaceleração a partir do 1º trimestre do ano por força da pandemia.
Relativamente à tributação aplicada a operações de securitização de NPLs é importante destacar as alterações recentes na legislação fiscal em Portugal que vieram dissipar as incertezas que existiam acerca da sua tributação.
Estas alterações introduziram uma estabilização do regime fiscal, assegurando "a continuidade expectável da tributação zero nestes veículos, à semelhança das demais classes de investimento", defende Ricardo Reis, Partner da Deloitte. Será também importante acompanhar o mecanismo de tributação do novo veículo de investimento de fundos de crédito, uma vez que o seu regime fiscal ainda não se encontra definido.