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Incumprimento da Venezuela pode estar por dias

A entrada em incumprimento da Venezuela será um final doloroso para um dos investimentos mais rentáveis e surpreendentes nos mercados emergentes nas últimas duas décadas.

Ueslei Marcelino/Reuters
23 de Outubro de 2017 às 17:56
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Desde que o preço do petróleo começou a entrar em colapso, em meados de 2014, tem existido nos mercados financeiros um consenso de que a Venezuela iria entrar em colapso. Não de imediato, mas algures no futuro.

 

Três anos depois, a altura pode estar a chegar. Na sexta-feira, a gigante petrolífera estatal PDVSA tem de reembolsar 985 milhões de dólares. Seis dias depois, está na calha o pagamento de mais 1,2 mil milhões de dólares. É um montante assustador para um país que viu as suas reservas em moeda estrangeira ficarem abaixo dos 10 mil milhões de dólares pela primeira vez em 15 anos. E o valor também representa um pesadelo logístico.

 

Cada vez mais isolada pelas sanções financeiras dos Estados Unidos, que assustaram bancos e outros intermediários na cadeia de pagamentos das obrigações soberanas, a Venezuela já está atrasada no pagamento de 350 milhões de dólares em juros de títulos de dívida. O pagamento tem um período de carência, com uma almofada que permite ao país mais 30 dias para resolver problemas técnicos e pagar o dinheiro aos credores.

 

Contudo, no reembolso das obrigações que a Venezuela tem nas próximas duas semanas não existem estas cláusulas que permitem o adiamento do pagamento. Se o país liderado por Nicolas Maduro falhar o reembolso, os credores podem reclamar que a Venezuela está em incumprimento. O mercado está a atribuir uma probabilidade a este cenário, já que os títulos de dívida que chegam à maturidade a 2 de Novembro estão a cotar a 92 cêntimos por dólar.

 

"Isto é a Venezuela – eles são muito desorganizados neste tipo de coisas", afirma Alejandro Grisanti, director da firma Ecoanalitica, com sede em Caracas. "Cada dia que passa é para eles mais difícil cumprir os pagamentos".

 

No próximo sábado chega mais uma factura para pagamento de juros: 237 milhões de dólares. Se o instituto que gere a dívida do Estado falhar, ficarão 587 milhões de dólares em atraso.

 

A entrada em incumprimento será um final doloroso para um dos investimentos mais rentáveis e surpreendentes nos mercados emergentes nas últimas duas décadas. A queda dos preços do petróleo desencadeou o colapso económico e uma crise humanitária sem precedentes na história da Venezuela. Mas Nicolas Maduro, tal como o seu antecessor Hugo Chavez, tem mostrado determinação no cumprimento de todos os pagamentos aos credores internacionais. Cortou importações para libertar divisas para pagar os reembolsos da dívida, pediu empréstimos à China e à Rússia e hipotecou reservas de ouro.

 

Com as "yields" dos títulos da dívida venezuelana em níveis elevados, os retornos têm chamado à atenção: média de 9% por ano ao longo dos últimos 20 anos. Esta combinação – ganhos para os traders de Wall Street e escassez de comida e medicamentos para a população do país – tem sido tão chocante que até levou a que a dívida venezuelana começasse a ser chamada de obrigações da fome ("hunger bonds", em inglês).

 

A necessidade de reembolsar as próximas duas emissões de dívida coloca a Venezuela numa situação complicada. Se a PDVSA falhar o pagamento, nem que seja por um só dia, os credores podem exigir o reembolso imediato de toda a dívida que detêm.

 

Mas não é claro se os próprios credores querem que a situação se degrade desta maneira. Receber 100 cêntimos por cada dólar alguns dias ou semanas depois será preferível a entrar numa longa e dura batalha com negociações de reestruturação de dívida que podem durar meses ou mesmo anos. E que no final podem acabar com os credores a receberem cerca de 30 cêntimos por cada dólar emprestado.

 

A Venezuela ainda pode efectuar os pagamentos a tempo. 10 mil milhões de dólares em moeda estrangeira não é muito para um país que deve cerca de 140 mil milhões de dólares aos credores internacionais. Mas é suficiente para ir pagando as contas.

 

E o governo de Maduro já no passado surpreendeu o mercado de dívida, cumprindo os pagamentos em momentos que muitos traders antecipavam que iria entrar em incumprimento. Muitos estão agora a apostar que os dois reembolsos agendados para os próximos dias também vão ser cumpridos, dando conta que o pagamento de juros em atraso deve-se ao facto de a Venezuela estar a dar prioridade a estes reembolsos de capital, que não têm período de carência.

 

Mas mesmo que a Venezuela volte a cumprir os pagamentos previstos para este ano, os investidores consideram que (a menos que o preço do petróleo registe uma subida milagrosa) a entrada do país em incumprimento é incontornável. As cotações dos credit default swaps (CDS) sobre a dívida da PDVSA mostram que o mercado está a atribuir uma probabilidade de incumprimento da petrolífera estatal de 75% nos próximos 12 meses. Quando o espaço temporal sobe para 5 anos, a probabilidade aumenta para 99%.

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