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Reservas estratégicas de crude: a arma dos países importadores
Os países que importam crude estão a tentar responder às perturbações da oferta, decorrentes da invasão da Ucrânia pela Rússia e consequentes sanções contra Moscovo, recorrendo aos seus stocks de emergência.
Os países produtores de petróleo, como é o caso da Rússia, podem mexer com o mercado – e, consequentemente, com os preços – por várias vias. Uma delas é a cambial, como se está agora a observar com a exigência de Moscovo de receber em rublos pela energia que exporta. Outra via é a do volume da oferta, recurso que tem vindo a ser utilizado pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo e os seus aliados (OPEP+, onde se inclui a Rússia) desde 2017 através de um acordo de concertação do volume produzido e do crude que é colocado no mercado.
Mas os países importadores também conseguem responder a estas táticas, nomeadamente através de uma arma que está agora a ser usada: o recurso às reservas estratégicas de petróleo.
Em novembro passado, por proposta dos norte-americanos, foi celebrado um acordo entre os EUA (que consomem cerca de 20 milhões de barris por dia, o que representa um quinto da procura mundial), Japão, China, Coreia do Sul, Índia e Reino Unido no sentido de libertar reservas estratégicas para atenuar os efeitos da subida dos preços do “ouro negro”.
No entanto, esse esforço conjunto não teve o efeito desejado, já que, com a invasão da Ucrânia pela Rússia a 24 de fevereiro, as cotações do petróleo alcançaram o valor mais alto dos últimos 14 anos, “flirtando” com os máximos históricos de julho de 2008 – altura em que o Brent (referência para as importações europeias) tocou nos 147,5 dólares por barril e em que o WTI (“benchmark” dos EUA) chegou aos 147,27 dólares.
No início de março, a Agência Internacional de Energia (AIE) decidiu usar também esta arma e comprometeu-se a libertar 62,7 milhões de barris das suas reservas estratégicas. Já na semana passada os EUA – são os maiores produtores de crude mas não são autossuficientes, pelo que ainda importam – anunciaram que vão usar um milhão de barris por dia dos seus stocks de emergência nos próximos seis meses, num total de 180 milhões de barris – se bem que seja efetivamente de 160 milhões, dado que o país já retirou 20 milhões nas últimas ações.
No entanto, os preços do crude mantiveram-se em níveis elevados. E com a perturbação no mercado petrolífero a ser mais evidente, devido às sanções contra a Rússia, no dia 1 de abril os 31 membros da AIE – onde Portugal se inclui – chegaram a acordo para a libertação de mais crude das suas reservas de emergência. Os pormenores sobre esta nova libertação de petróleo – segundo as regras da AIE, todos os membros têm de ter pelo menos o equivalente a 90 dias de consumo nestes stocks de emergência – serão divulgados em breve.
Com o acordo da semana passada, será a quinta vez que a Agência liberta reservas de emergência, que atualmente rondam os 1,5 mil milhões de barris. Os ministros da AIE reiteraram a sua preocupação quanto ao impacto – sobre a segurança energética – das “graves ações militares da Rússia” e apoiaram as sanções impostas pela comunidade internacional em resposta a essa agressão.
Os preços dos combustíveis têm estado sob forte pressão em todo o mundo, com impacto material na inflação, e este recurso às reservas estratégicas trará algum alívio. Contudo, não será a solução, considera Giovanni Staunovo, analista de matérias-primas do UBS. “Esta oferta extra ajudará a compensar parte do aperto da oferta. Mas, na nossa opinião, não resolverá os desequilíbrios estruturais resultantes de anos de desinvestimento, numa altura em que se observa uma retoma da procura mundial por petróleo”, sublinha num relatório a que o Negócios teve acesso.
O analista do banco suíço aponta o facto de não se saber ainda quanto petróleo virá dos países da AIE (que são membros da OCDE). Além disso, “o recurso a estes stocks de emergência reduz substancialmente o amortecedor para lidar com futuras perturbações na produção e faz com que os países consumidores fiquem mais vulneráveis se as reservas não forem reconstituídas”, frisa.
Por esta razão, o UBS continua a antever um mercado petrolífero com défice de oferta este ano. “A produção conjunta da Rússia e Cazaquistão está atualmente um milhão de barris por dia abaixo do que se verificava há um mês e esperam-se mais disrupções”, alerta. Assim, apesar de o recurso às reservas estratégicas ser uma arma que funciona, a ajuda neste caso será limitada, atendendo a que a Rússia é o terceiro maior produtor mundial de crude – depois dos EUA e da Arábia Saudita – e o segundo maior exportador (a seguir aos sauditas).
Antes da ação do mês passado e da que foi agora anunciada, houve três grandes medidas no mesmo sentido: em 1991 recorreu-se a 17,3 milhões de barris para minimizar as disrupções durante a Guerra do Golfo, depois de o Iraque ter invadido o Koweit; em 2005 foram libertados 60 milhões de barris devido à perturbação provocada pelo furacão Katrina; em 2011, voltaram a usar-se 60 milhões, dada a menor oferta da Líbia e outros países.