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Petróleo: o ano dos preços negativos e a maior queda desde 2015

Um dos dias que marca este ano é o 20 de abril. Foi nesta sessão que o petróleo dos EUA negociou em valores negativos pela primeira vez na sua história.

01 de Janeiro de 2021 às 12:00
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As cotações do "ouro negro" terminaram 2020 a marcar a maior queda anual desde 2015, com perdas acima de 20%. Foi o ano do petróleo em território negativo, de braços-de-ferro na OPEP+ e de uma pandemia que afetou fortemente a procura por combustível.

Apesar das subidas em torno de 6% no acumulado de dezembro, os preços ainda têm um longo caminho a percorrer até regressarem aos níveis de finais de 2019.

 

O West Texas Intermediate (WTI), "benchmark" para os Estados Unidos, negociou na última sessão do ano a cair mais de 1% para 47,89 dólares por barril. No cômputo do ano, a queda foi de 21,17%.

 

Já o Brent do Mar do Norte, crude negociado em Londres e referência para as importações europeias, transacionou nos 51,26 dólares, a ceder também mais de 1%. No conjunto dos 12 meses, a perda foi de 22,55% - a descida mais acentuada desde 2015, superando mesmo as quedas de 2018 (quando recuou 19,8%).

 

Um dos dias que marca este ano é o 20 de abril. Foi nesta sessão que o petróleo dos EUA negociou em valores negativos pela primeira vez na sua história, fortemente pressionado pela falta de espaço de armazenamento.

 

O WTI encerrou essa segunda-feira negra a afundar para -37,63 dólares por barril (depois de ter chegado a fixar-se em 40,32 dólares negativos), algo nunca antes visto – e a cair 56 dólares face ao fecho da sessão anterior.

 

O valor de 9,75 dólares tinha sido a cotação intradiária mais baixa desde que os futuros do petróleo foram lançados em 1983 no mercado nova-iorquino de matérias-primas (NYMEX). Ou seja, desde a Administração Reagan que o crude não estava tão barato.

A derrocada de 20 de abril deixou os preços do crude norte-americano 159,4% abaixo do pico de janeiro de 63,27 dólares. Ou seja, os vendedores aceitaram pagar esse valor por cada barril de 159 litros para se desfazerem dos contratos.

 

Por seu lado, o Brent do Mar do Norte teve uma queda menos acentuada, mas, ainda assim, perdeu 5,73% para 26,47 dólares por barril.

 

O facto de os contratos de maio do WTI vencerem no dia seguinte levou ao fecho de muitas posições, com os operadores a preferirem prazos mais longos, o que ajudou a afundar os preços. Nessa mesma sessão, o WTI para entrega em junho caiu 9% para 22,70 dólares. O spread de cerca de 60 dólares entre os contratos de maio e de junho era um claro sinal de que os traders de petróleo físico não tinham espaço disponível.

  

A oferta de crude nos mercados estava a ser cada vez mais excedentária face à contínua queda da procura por força da pandemia de covid-19 e dos consequentes confinamentos. E, à falta de espaço de armazenamento em terra, muitas empresas começaram a recorrer aos superpetroleiros, com o crude guardado no mar a atingir um recorde de 160 milhões de barris .

 

O que aconteceu, em suma, foi que os traders pagaram para despacharem petróleo físico – já que não o queriam ter em mãos quando o contrato vencesse no dia seguinte, fosse por falta de espaço para o guardar ou por apenas lhes interessar a negociação das cotações.

O problema da falta de armazenamento afetou sobretudo os produtores norte-americanos. "Com o espaço de armazenamento a encher, o preço do petróleo para entrega imediata afundou", comentou nessa altura um analista do Saxo Bank, Ole Hansen.

 

Apesar de, no dia seguinte, a 21 de abril, os preços dos futuros do crude norte-americano terem recuperado para a casa dos 4 dólares por barril, as cotadas do setor continuaram a ser muito pressionadas, pois aquelas cotações não permitiam margens operacionais viáveis. Isto em contraste com as empresas donas de superpetroleiros – que continuavam a encher, à conta da falta de espaço em terra para o armazenar.

 

O shale oil

 

A norte-americana Whiting Petroleum pediu, em inícios de abril, proteção contra credores, ao abrigo da lei de falências dos EUA, tornando-se a primeira grande produtora independente de petróleo de xisto ("shale oil") a sucumbir à queda dos preços do crude num contexto de oferta excedentária agravada pela pandemia do novo coronavírus.

 

Este pedido da empresa de fraturamento hidráulico (o chamado ‘fracking’ – injeção de um fluido a alta pressão, no subsolo, para facilitar a extração destes hidrocarbonetos) aconteceu numa altura em que muitas outras prospetoras norte-americanas se viram em apuros para conseguirem reembolsar aos bancos e obrigacionistas a dívida que emitiram para fazer dos EUA o maior produtor mundial de petróleo e gás.

 

O facto de muitas destas empresas estarem a sofrer cortes na sua notação financeira por parte das agências de "rating", com a dívida de muitas delas já classificada como "lixo", contribuiu para agravar este problema.

 

Apesar de o "fracking" já ser menos dispendioso com o evoluir das técnicas nos últimos anos, as empresas do setor não conseguiram continuar a operar com os preços que estavam a ser praticados no mercado.

 

O braço-de-ferro na OPEP

 

Abril foi, assim, um mês histórico para o petróleo em vários sentidos: foi acordado um corte épico da produção, as cotações em Nova Iorque negociaram em valores negativos, e a capacidade de armazenamento em terra praticamente esgotou e a queda do consumo de combustível decorrente da pandemia levou também a uma menor procura por parte das refinarias, o que penalizou fortemente as cotações. Quem agradeceu foram os consumidores, com os preços na bomba a descerem consecutivamente. Mas, para muitos investidores, as perdas foram enormes.

 

A juntar-se a esta situação de menor procura num contexto de oferta que era já excedentária esteve a guerra petrolífera desencadeada a 8 de Março, quando a Arábia Saudita anunciou que iria aumentar a produção a partir de abril e oferecer descontos aos clientes. Esta foi a estratégia definida por Riade depois de Moscovo ter recusado a proposta da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) de um corte adicional de produção – no âmbito do acordo que vigorava entre os 13 países do cartel e os seus 10 parceiros (o chamado grupo OPEP+) – para sustentar os preços do "ouro negro" perante o impacto do coronavírus.

 

A 30 de abril foi conhecido o resultado dessa abertura de torneiras por parte da Arábia Saudita e dos seus aliados do Golfo Pérsico (Emirados Árabes Unidos e Koweit), bem como por parte da Nigéria, que ofuscou grandemente a queda de produção na Líbia, Irão e Venezuela: a produção da OPEP disparou em abril para um máximo de 13 meses.

 

Perante uma situação cada vez mais negra para os países que dependem do crude como principal fonte de receita e para as empresas que não conseguiam operar com margens tão baixas, no dia 12 de abril a OPEP+ conseguiu chegar a um entendimento e anunciou o maior corte de produção alguma vez visto. Os membros do cartel, a Rússia e outros aliados definiram uma redução de 9,7 milhões de barris por dia, o que corresponde a 10% da produção mundial. No entanto, uma vez que esse corte só entrava em vigor a 1 de maio, não impediu a derrocada dos preços na sessão negra de 20 de abril – até porque, apesar de os cortes de produção anunciados pela OPEP+ serem históricos, constituíam apenas uma fração da queda da procura (em abril o consumo caiu em torno de 30 milhões de barris diários), pelo que não surtiram grande efeito no sentimento imediato dos investidores.

 

Após esta crise, os preços do crude começaram a retomar, mas estão ainda longe dos patamares do final do ano passado.

 

Os novos acordos

 

As reuniões e acordos da OPEP+ prosseguiram, tendo a meio do ano sido acordada uma redução da oferta em 7,7 milhões de barris por dia entre agosto e dezembro, para depois se aliviar esse corte em cerca de dois milhões de barris diários a partir de janeiro de 2021.

 

No entanto, dados os baixos preços, no encontro de 3 de dezembro a OPEP+ decidiu aumentar a entrada de crude no mercado em meio milhão de barris por dia. Nessa reunião surgiu outra novidade: os membros da OPEP+ vão passar a reunir-se mensalmente para reverem as suas quotas de produção. Isto porque a rapidez com que se espera que as vacinas contra a covid-19 comecem a chegar ao mercado deverá reabrir mais cedo as economias, ajudando assim a um maior consumo de combustível, pelo que os produtores poderão não ter de fazer um esforço de corte da oferta durante tanto tempo quanto inicialmente pensavam.

 

Os investidores já estão agora na expectativa da próxima reunião, agendada para 4 de janeiro, na qual a OPEP´+ vai definir o nível de produção de fevereiro.

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