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Petróleo fecha em euforia um mês marcado por quedas históricas
Num mês em que o crude de referência dos Estados Unidos chegou a negociar nos 40 dólares negativos, os dois últimos dias têm sido risonhos para os investidores.
Os preços do petróleo seguem a ganhar terreno, pela segunda sessão consecutiva, impulsionados pela reabertura gradual das economias em grande parte do mundo, o que está a fazer aumentar a procura de combustível depois de várias semanas com milhões de carros parados. Um exemplo é o da maior procura por produtos refinados que está já a verificar-se na China.
A contribuir para um maior otimismo está também o facto de as reservas norte-americanas de crude terem aumentado menos do que se previa na semana passada (subiram em 9 milhões de barris, quando se estimava um acréscimo de 10,6 milhões).
Em Nova Iorque, o contrato de junho do West Texas Intermediate (WTI), "benchmark" para os Estados Unidos, soma 21,28% para 18,34 dólares por barril. Cada barril tem 159 litros.
Os preços nos EUA estão também a subir depois de o maior ETF de petróleo, U.S. Oil Fund, e o índice GSCI terem concluído a sua retirada do contrato de junho no início desta semana, diminuindo a pressão vendedora.
Por seu lado, o Brent do Mar do Norte, negociado em Londres e referência para as importações portuguesas, para entrega em junho (cujo contrato expira hoje) segue a ganhar 13,62% para 25,61 dólares.
Ainda assim, as perdas no acumulado do ano ainda são substanciais, com o WTI a registar uma desvalorização de 69,90% e o Brent a recuar 61,20%. Em abril, o crude norte-americano registou uma depreciação de 14,5%, ao passo que a referência europeia subiu 11,08%.
O grande diferencial entre estes dois tipos de petróleo deve-se sobretudo ao facto de a capacidade de armazenamento de Cushing (Oklahoma, nos EUA), onde o WTI é armazenado, estar praticamente a esgotar-se, pressionando os preços locais face ao crude que é entregue noutras regiões do mundo.
Um mês para esquecer
Abril foi "um mês para esquecer" no mercado petrolífero dos EUA - em Londres sofreu também grande pressão, mas sem impedir um saldo mensal positivo para o Brent.
Tratou-se de um mês histórico para o petróleo em vários sentidos: foi acordado um corte épico da produção, as cotações em Nova Iorque negociaram em valores negativos, e a capacidade de armazenamento em terra está praticamente esgotada – o que leva a que cada vez mais superpetroleiros estejam a encher-se de "ouro negro".
A queda do consumo de combustível decorrente da pandemia de covid-19 – cenário que começa agora a inverter-se – levou também a uma menor procura por parte das refinarias, o que penalizou fortemente as cotações, especialmente a partir de março. Quem agradeceu foram os consumidores, com os preços na bomba a descerem consecutivamente. Mas, para muitos investidores, as perdas foram enormes.
A juntar-se a esta situação de menor procura num contexto de oferta que era já excedentária esteve a guerra petrolífera desencadeada a 8 de Março, quando a Arábia Saudita anunciou que iria aumentar a produção a partir de abril e oferecer descontos aos clientes. Esta foi a estratégia definida por Riade depois de Moscovo ter recusado a proposta da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) de um corte adicional de produção – no âmbito do acordo que vigorava entre os países do cartel e os seus parceiros (o chamado grupo OPEP+) – para sustentar os preços do "ouro negro" perante o impacto do coronavírus.
Esta quinta-feira foi conhecido o resultado dessa abertura de torneiras por parte da Arábia Saudita e dos seus aliados do Golfo Pérsico (Emirados Árabes Unidos e Koweit), bem como por parte da Nigéria, que ofuscou grandemente a queda de produção na Líbia, Irão e Venezuela: a produção da OPEP – composta por 13 membros – disparou em abril para um máximo de 13 meses.
Acordo OPEP+ entra amanhã em vigor
Perante uma situação cada vez mais negra para os países que dependem do crude como principal fonte de receita e para as empresas que não conseguem operar com margens tão baixas, no dia 12 de abril a OPEP+ – agora com mais participantes – anunciou o maior corte de produção alguma vez visto. Os membros do cartel, a Rússia e outros aliados definiram uma redução de 9,7 milhões de barris por dia (a partir de maio), o que corresponde a 10% da produção mundial.
No entanto, embora os cortes de produção anunciados pela OPEP+ sejam históricos (a dimensão poderá ser maior, devido às quedas de produção decorrentes dos baixos preços que estão já a verificar-se nos EUA, Brasil e Canadá [que ascendem a 3,7 milhões de barris/dia nestes três países], além dos 1,3 milhões de barris que os membros do G20 disseram que iriam retirar – mas ainda sem data concreta à vista; e a Noruega também anunciou ontem que vai diminuir a sua oferta em 250 mil barris/dia em junho e em 134 mil barris/dia no segundo semestre, sendo a primeira vez em 18 anos que se junta a outros grandes produtores para tentar fazer subir os preços), constituem apenas uma fração da queda da procura (em abril o consumo caiu em torno de 30 milhões de barris diários), pelo que não surtiram grande efeito no sentimento dos investidores.
Assim, apesar deste acordo, que começará a ser implementado a partir de amanhã, 1 de maio, os preços do petróleo continuaram a afundar para mínimos históricos. No início da semana passada, o West Texas Intermediate (WTI), cujos contratos de futuros são negociados em Nova Iorque desde 1983, encerrou com um valor negativo de 37,63 dólares – tendo mesmo chegado a afundar para -40,32 dólares durante a sessão. Ou seja, os vendedores aceitaram pagar esse valor por cada barril de 159 litros para se desfazerem dos contratos.
Esta queda épica aconteceu na véspera do vencimento dos futuros de maio, com os detentores desses contratos a desesperarem para os venderem de modo a não ficarem com petróleo físico em mãos e sem terem onde o guardar.
Em Londres, o Brent do Mar do Norte, referência para as importações europeias, também desceu fortemente, chegando a negociar nos 15 dólares por barril (valor mais baixo desde o crash de 1999), mas sem chegar a valores tão baixos como os do WTI. No início do ano, recorde-se, transacionava na casa dos 70 dólares.
Menos capacidade de armazenamento
Outro fator de pressão está na capacidade de armazenamento de crude em terra, que é cada vez mais diminuta, levando à procura de soluções no mar – com o recurso aos supetroleiros. Mas numa altura em que os inventários globais de crude ascendem já a cerca de 3,2 mil milhões de barris, o que constitui um máximo histórico, também os "armazéns offshore" estão a ficar cada vez mais cheios.
A retoma esperada no consumo de combustível, com a retirada gradual das medidas de desconfinamento, poderá não ser suficiente para fazer subir de forma sustentada os preços do crude. Mas hoje, com essa perspetiva e com a implementação à vista do acordo da OPEP+, o dia está a ser risonho para os investidores.