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Como o petróleo aprendeu a viver com um Médio Oriente em chamas
Um dramático ataque de drones dos Estados Unidos mata o general mais importante do Irão. Teerão promete retaliar, e os preços do petróleo disparam quase 5%, com os traders a tentarem cobrir o risco de uma guerra no Médio Oriente. De seguida, começa a onda de vendas.
É um padrão de negociação que seria impensável há uma década, mas que se tornou cada vez mais comum. A ameaça de conflito pairava sobre o mercado global de petróleo na semana passada, mas as compras motivadas pelo pânico habitual de operadores e consumidores foram rapidamente aproveitadas por uma onda de empresas de petróleo de xisto dos EUA, para fixar os preços da produção futura.
O aumento repentino dos preços foi atenuado e, quando a poeira baixou, a correção foi acentuada.
Essas operações, conhecidas como hedge, combinadas com uma forte expansão dos stocks de petróleo na Ásia e o aumento das exportações de petróleo dos EUA, são a receita para um mercado capaz de evitar rapidamente cortes de oferta que até há pouco tempo eram considerados cenários de pesadelo.
"Quando os preços disparam em resposta a eventos geopolíticos, os produtores tendem a fazer mais hedging", afirma Ed Morse, diretor global de pesquisa de commodities do Citigroup, em Nova Iorque. "Quanto mais alto o preço, mais hedging fazem".
O petróleo WTI, a referência dos EUA, caiu para menos de 60 dólares por barril quando os últimos resquícios dos ganhos derivados do impasse do presidente dos EUA, Donald Trump, em relação ao Irão desapareceram. Isso refletiu não só o alívio das tensões depois de a retaliação de Teerão pelo assassinato do general Qassem Soleimani não ter provocado baixas para os EUA, como foi também uma demonstração de como a revolução do petróleo de xisto mudou a psicologia do mercado.
No mesmo dia em que os mísseis americanos mataram o líder militar mais importante do Irão perto do aeroporto de Bagdade, a Administração de Informação de Energia dos EUA anunciou exportações recorde de 1,73 milhões de barris por dia. É uma mudança histórica para um país que, há uma década, era um dos maiores importadores do mundo e mudou a forma como o mercado responde a uma crise.
O ‘boom’ do petróleo de xisto que desencadeou essa mudança foi liderado por uma infinidade de exploradoras independentes com menos capacidade para absorver o impacto financeiro das oscilações de preços do que gigantes como a Exxon Mobil ou a Royal Dutch Shell. Ao contrário da era dominada pelas grandes petrolíferas, hoje qualquer rali do petróleo encontra um vendedor natural, com as empresas mais pequenas a minimizarem os seus riscos através do hedging.
As cotações do petróleo estão no "ponto ideal" para muitas produtoras norte-americanas, de acordo com os analistas do RBC Capital Markets. Muitas delas estavam à espera de uma oportunidade para fixar os preços do WTI para 2020 nos 60 dólares por barril, um nível que foi atingido após o assassinato de Soleimani.
A Occidental Petroleum, uma das maiores exploradoras na prolífica Bacia do Permiano no Texas e Novo México, revelou esta semana que aumentou os seu hedges de produção para 2020 de 300 mil para 350 mil barris por dia com a ajuda dos bancos de Wall Street.
"A atividade de hedging tem sido robusta nas últimas semanas", afirmou o RBC. "Os volumes só deverão aumentar porque o rali dos preços coincide com a melhoria da liquidez".
Cada aumento do hedging impulsiona os produtores de petróleo dos EUA, permitindo-lhes manter um nível de produção mais elevado, numa altura em que os analistas esperam que o crescimento do petróleo de xisto abrande. No final deste ano, parte do petróleo associado a esses contratos poderá preencher a rede de oleodutos, terminais e portos ligados à Costa do Golfo dos EUA, solidificando ainda mais a posição da América como um centro de exportação de energia que oferece uma alternativa de baixo risco ao petróleo do Médio Oriente.
O próprio Trump destacou essa mudança na sua conferência de imprensa na Casa Branca a 8 de janeiro, depois do ataque com mísseis do Irão contra uma base aérea norte-americana no Iraque, dizendo que os EUA são "independentes e não precisamos de petróleo do Médio Oriente".
Embora o orgulho do presidente seja um exagero, o domínio da região enquanto exportadora diminuiu. As exportações do Médio Oriente e Norte de África representavam 38% do petróleo movimentado em todo o mundo em 2018, abaixo de 43% uma década antes, segundo dados da BP.
Embora alguns países tenham aumentado a capacidade de produção, outros, como o Irão e a Líbia, foram afetados por sanções e conflitos. Por outro lado, desde meados da década passada, os EUA viram as suas próprias exportações de petróleo aumentar de zero para mais de 3 milhões de barris por dia - mais do que é exportado por qualquer produtor do Médio Oriente que não o Iraque e a Arábia Saudita.
Uma proporção significativa desse petróleo está a ir para a Ásia, a região que historicamente é mais dependente do fornecimento de energia do Golfo Pérsico. Esses fornecimentos alternativos, combinados com uma expansão significativa nos stocks de petróleo, significam que a região está mais bem preparada para suportar perturbações.
A reação silenciosa à crise de Soleimani foi a segunda vez em apenas alguns meses que o mercado desvalorizou turbulências sérias no Médio Oriente. Os ataques contra as instalações de petróleo de Abqaiq, na Arábia Saudita, em setembro - que os EUA atribuíram ao Irão - foi a maior disrupção de fornecimento da história, mas o consequente aumento dos preços do petróleo foi de pouca dura.
Tanto esse ataque como o assassinato de Soleimani não foram crises duradouras, e a queda nos preços também refletiu o risco cada vez menor relacionado com a oferta. Mas, ainda assim, foram eventos importantes em comparação com o tipo de botas que podiam fazer disparar o petróleo há uma década, como a notícia de um exercício de treino israelita que ajudou a impulsionar o petróleo para quase 150 dólares por barril no verão de 2008.
"O mundo ainda está a habituar-se a esta nova resiliência que os produtores dos EUA podem oferecer", disse o secretário de Estado adjunto de Recursos Energéticos, Francis Fannon, em entrevista à Bloomberg TV em Abu Dhabi. "Os Estados Unidos estão a dar um contributo valioso à segurança energética global", acrescentou