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Cartel do petróleo perde influência global para os EUA
Os membros do cartel do petróleo e os seus aliados têm de decidir em breve se, a partir de abril, colocam mais crude no mercado. Enquanto vão adiando a decisão, outros produtores não OPEP+, com destaque para os EUA, têm abocanhado parte da quota de mercado da organização.
A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), fundada em 1960, tem-se revestido de grande importância ao longo destes anos de existência. Aos seus seis fundadores – Arábia Saudita, Irão, Iraque, Kuwait e Venezuela – foram-se juntando outros países e, entre entradas e saídas, o grupo conta atualmente com 12 membros e é responsável por cerca de 40% da oferta mundial de crude. Nos últimos anos, as decisões da organização em matéria de fornecimento de ouro negro ao mercado têm centrado as atenções do mundo inteiro – e agora, uma vez mais, é para lá que os radares estão virados. Mas há outros intervenientes a ganharem grande relevo, como os EUA.
Assim, o domínio do petróleo já não pertence exclusivamente à OPEP+. No vasto tabuleiro energético global, os EUA tomaram a dianteira como a grande potência produtora de crude: os Estados Unidos são atualmente o maior produtor mundial de crude, com 21,91 milhões de barris por dia em 2023, o que correspondeu a 22% da quota mundial, segundo os dados do Departamento norte-americano da Energia. Em segundo lugar está a Arábia Saudita, a uma grande distância, com 11,13 milhões de barris diários (11% da quota), seguindo-se a Rússia, Canadá e China.
Nestes termos, se a OPEP+ decidir, como tem planeado, começar a abrir mais as suas torneiras, arrisca-se a que os preços possam cair ainda mais, o que afeta as suas receitas. No entanto, se outros países aproveitarem a quota que fica em aberto no mercado, nada impede que as cotações se mantenham baixas – atualmente rondam os 70 dólares por barril, quando em finais de 2023 se prognosticava que poderiam ir até aos 150 dólares devido às tensões entre Israel e o Hamas.
Mas o panorama também poderá não ser tão sombrio como está a ser "pintado". Ao Negócios, Giovanni Staunovo, analista de matérias-primas no UBS, diz não ter a certeza que as coisas se resumam a perder quota de mercado. "No fim de contas, o que a OPEP+ quer é maximizar as receitas e não a produção. E, perante a incerteza de mercado ainda elevada, o melhor a fazer poderá ser optar por uma abordagem prudente", sublinha o estratega do banco suíço. Além disso, acrescenta, "o crescimento da oferta não OPEP+ está a abrandar, o que também deverá ajudar a OPEP+".
Uma missão complexa
A missão do cartel é coordenar e unificar as políticas petrolíferas dos países membros e garantir a estabilização dos mercados, com vista a uma oferta eficiente e regular da matéria-prima aos consumidores, ao mesmo tempo que assegura receitas estáveis para os produtores e um "retorno justo" do capital de quem investe no setor. E em 2016, a OPEP percebeu que a sua missão estava a baloiçar há demasiado tempo.
Depois de três anos de saldo anual negativo nos preços do crude, e com o ano de 2016 a revelar a mesma volatilidade, no final desse verão o grupo decidiu que era preciso captar parceiros, mesmo que não fossem efetivos, no sentido de se concertar esforços para fazer subir os preços. E foi o que aconteceu. Em dezembro de 2016 era assinada a "declaração de cooperação" entre a OPEP e 10 outros grandes produtores não membros do cartel, liderados pela Rússia, para uma retirada concertada de petróleo do mercado a partir de janeiro de 2017 de modo a fazer subir os preços.
O esforço deste chamado grupo OPEP+ deu frutos e a cooperação dura até hoje. O acordo de diminuição da oferta tem variado consoante as necessidades do mercado e o nível dos preços do petróleo, tendo a redução da oferta, durante o ano de 2020, em plena pandemia, ascendido a 9,7 milhões de barris por dia, de modo a sustentar os preços num período de forte queda do consumo.
À quarta será de vez?
Com os programas de vacinação contra a covid-19 e a retoma da atividade económica, o cartel e os seus parceiros decidiram começar a diminuir o esforço associado ao corte da oferta, ainda que de forma gradual. Acontece que não tem sido fácil efetivar essa pretensão, já que os preços têm estado de novo em queda – depois de fechar os anos de 2023 e 2024 no vermelho, o petróleo entrou em 2025 com a mesma fragilidade e está com saldo negativo no acumulado dos dois primeiros meses do ano.
Esta descida das cotações tem impactado fortemente a OPEP+, já que, para muitos dos seus membros, o petróleo é a principal fonte de receitas. No entanto, talvez o cartel volte a decidir, muito em breve, que ainda não é hora de colocar mais matéria-prima no mercado. As referências a essa decisão são contraditórias, pelo que está tudo em aberto.
O plano inicial passava por começar a colocar gradualmente 2,2 milhões de barris por dia no mercado a partir de outubro de 2024, mas, perante a queda dos preços da matéria-prima, a OPEP+ decidiu, na sua reunião de 5 de setembro, adiar por dois meses esse plano. No encontro seguinte voltou a haver um adiamento: em vez de dezembro, essa entrada gradual de petróleo no mercado teria início em janeiro. Só que a reunião de final do ano trouxe um terceiro adiamento. Com efeito, a 5 de dezembro ficou decidido congelar por mais três meses a abertura de torneiras, iniciando-se em abril a desejada oferta de mais crude.
Resta agora esperar para ver como irão as cotações do crude evoluir neste primeiro trimestre para perceber se a OPEP+ decide mesmo avançar em abril com uma maior entrada de petróleo no mercado. Os preços não têm estado nos níveis desejados e para isso tem contribuído uma confluência de fatores. A China, que é o maior importador mundial, tem comprado menos, numa altura em que precisa de revitalizar a sua economia. As elevadas taxas de juro que ainda se verificam em muitos países, o dólar forte, a débil atividade industrial a nível mundial e as modestas taxas de crescimento globais ajudam a compor o "cocktail". Sem esquecer a ameaça de Trump de impor tarifas adicionais à importação de produtos de muitos dos seus parceiros, o que pode colocar em causa as suas economias.
Quanto ao que poderá o cartel decidir – e terá de ser em breve – sobre a sua oferta a partir do segundo trimestre, os relatos que vão chegando são contraditórios. Se, por um lado, começaram já a correr informações de que a OPEP+ irá adiar pela quarta vez a entrada de mais crude no mercado, há também quem diga que isso não vai suceder. Foi o caso do vice-primeiro-ministro russo, Alexander Novak, que no passado dia 17 afirmou que a OPEP+ não está a ponderar atrasar uma vez mais o aumento da oferta de crude.
Se a OPEP+ decidir de novo adiar a abertura de torneiras, não só se arrisca a continuar a perder quota de mercado – que caiu recentemente para mínimos históricos – como também credibilidade. Para muitos analistas, essa decisão poderá, de facto, ser vista como negativa, ou seja, que o grupo de produtores já não tem mão no mercado, depois de já ter chegado a ser visto como o grande influenciador de tudo o que diz respeito ao "ouro negro" – o que lhe valeu o epíteto de banco central do petróleo.