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Um advogado de fusões e aquisições, um divórcio difícil e um mega processo de insider trading

As segundas-feiras nunca são fáceis. Mas Patrick Jaïs tenta apagar da sua memória - ou pelo menos da existência legal - uma manhã de segunda-feira há meia década.

Reuters
20 de Outubro de 2019 às 11:00
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Numa manhã ensolarada de março de 2014, investigadores franceses invadiram a sua casa em Neuilly-sur-Seine, a oeste de Paris. Os polícias vasculharam o seu telemóvel e o da sua mulher, assim como o computador pessoal, numa investigação sobre suspeitas de insider trading relacionada às atividades de um amigo seu de longa data.

Na mesma altura, outro grupo de investigadores apareceu no escritório de advocacia de Paris, perto dos Champs-Elysées, onde Jaïs, de 60 anos, é sócio especializado em fusões e aquisições. Um polícia garantiu rapidamente o acesso ao seu escritório para impedir a violação de provas.

"Foi uma situação inédita", disse Eric Deubel, advogado de Jaïs, numa audiência, no mês passado, apontando que os investigadores do regulador francês do mercado nunca haviam invadido o escritório ou a casa de um advogado antes.

Ligando pontos

Embora Jaïs não tenha sido acusado de qualquer irregularidade, o processo que desafia a validade das buscas da polícia ao seu escritório oferece uma janela para as origens de uma investigação criminal muito maior sobre operações suspeitas ligadas a uma dúzia de valores mobiliários, incluindo a agência de publicidade Publicis Groupe e o banco Natixis.

Há vários anos que os investigadores franceses tentam ligar os pontos entre membros de uma rede de traders que podem ter cultivado laços com banqueiros ou advogados e partilhado informações privilegiadas recorrendo a telefones pré-pagos para não serem descobertos. As autoridades britânicas entraram na investigação - e condenaram duas pessoas -, enquanto os EUA conduzem a sua própria investigação.

Em França, o processo começou de forma mais discreta, concentrando-se numa queda acentuada das ações da GDF Suez em 2012. Jaïs não estava inicialmente no radar dos reguladores do mercado da Autorite des Marches Financiers (AMF) até os investigadores receberem uma misteriosa nota manuscrita em meados de 2013. Na carta, o cunhado de Jaïs alegava ter ouvido que um trader de Genebra e amigo de Jaïs, Lucien Selce, estava a receber informações confidenciais do advogado.

Cunhado

Jaïs negou as acusações em processos nos tribunais e disse que a carta foi enviada pelo seu cunhado como parte de uma vingança pessoal.

Frederic Peltier, advogado de Selce, disse não ter conhecimento de nenhum caso da GDF envolvendo o seu cliente. Selce sempre negou envolvimento em qualquer atividade de insider trading.

Segundo fontes próximas, a disputa entre os dois está relacionada com um divórcio complicado entre a atual mulher de Jaïs e o seu ex-marido. O cunhado testemunhou contra a mulher de Jaïs – a sua própria irmã. Para contestar a acusação, Selce escreveu uma carta ao juiz a confirmar a versão da mulher de Jaïs e a dizer que o cunhado era um condenado em quem não se podia confiar. Isso levou o cunhado a retaliar com a carta à AMF.

O advogado de fusões e aquisições não foi acusado e uma das duas buscas policiais - a da sua casa - foi anulada por um tribunal de recurso em 2015 por motivos processuais. O processo atual concentra-se apenas na invasão do escritório.

No entanto, quando a AMF recebeu a carta em 2013, parecia que poderia conseguir um avanço. Na altura, os investigadores procuravam provas de que Selce poderia ter sido avisado sobre um ‘profit warning’ emitido pela GDF Suez em dezembro de 2012, que levou as ações a uma queda de 16%, de acordo com documentos judiciais no processo de Jaïs. Selce e o seu sócio eram suspeitos de terem embolsado ilegalmente 1,8 milhões de euros com a desvalorização das ações, de acordo com uma decisão anterior no caso.

A primeira ação da AMF foi invadir o chalé de Selce numa estação de esqui de luxo em França, e também investigar um banqueiro da família Rothschild, que poderia ter tido acesso a informações privilegiadas sobre a GDF. As duas linhas de investigação não levaram a lado nenhum, pelo que os investigadores da AMF pediram autorização a um juiz para fazer buscas na casa e no escritório de Jaïs.

"Tão insignificante"

No final, a pista contra Jaïs pode ter sido infrutífera. Deubel, o seu advogado, disse que as buscas na casa do advogado de fusões e aquisições não forneceram nenhuma informação útil e as buscas ao escritório de advocacia revelaram apenas um documento que Jaïs considerou "tão insignificante" que voluntariamente o entregou ao tribunal.

Mas os investigadores insistiram, seguindo informações de outras fontes que levaram a outros conhecidos de Selce. E as autoridades criminais francesas juntaram-se à perseguição.

Depois de vários meses, voltaram as atenções para um amigo de Selce, Thomas Seligman, proprietário de um salão de cabeleireiro em Paris. Os inspetores da polícia puseram o seu telefone sob escuta e rapidamente concluíram que Seligman havia atuado como intermediário entre Selce e um banqueiro do Société Générale SA, com acesso em primeira mão a informações sobre grandes negócios. O trio foi acusado em 2015 por transações suspeitas relacionadas com a aquisição de 10 mil milhões de dólares da produtora química Airgas pela rival francesa Air Liquide. Os homens contestaram as acusações e não houve julgamento.

Outras quatro pessoas também foram acusadas no âmbito das operações relacionadas com a Airgas, incluindo outro conhecido de Selce, Alexis Kuperfis. Quando a polícia começou a seguir as comunicações telefónicas de Kuperfis no final de 2014, descobriram que ele estava em contacto com Walid Choucair, suspeito numa investigação paralela no Reino Unido. Em junho, Choucair foi julgado e condenado a três anos por ter realizado operações com base em dicas de um amigo do UBS Group AG.

As autoridades francesas partilharam as gravações com os seus colegas britânicos e a conversa foi usada no julgamento de Choucair.

Uma "grande" investigação

Há uma "grande investigação", alertou Choucair a Kuperfis. Embora o nome de Kuperfis tenha surgido no julgamento de Choucair, ele não foi acusado de nenhuma irregularidade pelas autoridades do Reino Unido.

Mas, nos últimos cinco anos, enquanto se arrastaram as investigações sobre insider trading, Jaïs tentou seguir em frente com a sua vida.

Jaïs afirma que os investigadores não fizeram o suficiente para proteger os seus direitos. Ele argumenta que, embora lhe tenha sido apresentado o mandado de busca no dia da invasão do escritório, ele também deveria ter recebido a cópia de um documento mais longo onde fossem detalhados os argumentos do juiz para ter autorizado as buscas.

"Esta é realmente uma questão de princípio", de acordo com Deubel. Espera-se uma decisão sobre o caso no final do mês.

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