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O fundo mais misterioso de Wall Street que é uma máquina de fazer dinheiro

O lendário fundo, famoso pelo seu enorme sigilo, gerou cerca de 55 mil milhões de dólares em lucros nos últimos 28 anos. Conheça alguns dos seus segredos.

26 de Novembro de 2016 às 12:00
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Noventa e seis quilómetros a leste de Wall Street, uma ponta de terra com forma de cauda de baleia separa o Estreito de Long Island da Conscience Bay. As mansões deste local, com alamedas de entrada fechadas por portões e vistas de milhões de dólares, fazem parte de um condomínio que tem o nome de Old Field. Os moradores dão outro nome a essas ruas endinheiradas: a Riviera da Renaissance.

 

Isto porque os moradores mais ricos deste lugar, todos cientistas, trabalham para o hedge fund Renaissance Technologies, com sede na cidade vizinha de East Setauket. São os criadores e administradores do Medallion Fund – talvez a maior máquina de fazer dinheiro do mundo. O Medallion está aberto apenas para os cerca de 300 funcionários da Renaissance, sendo que destes cerca de 90 têm doutoramento, e para um selecto e pequeno grupo de indivíduos profundamente ligados à empresa.

 

O lendário fundo, famoso pelo seu enorme sigilo, gerou cerca de 55 mil milhões de dólares em lucros nos últimos 28 anos, segundo dados compilados pela Bloomberg, o que o tornou cerca de 10 mil milhões mais rentável do que fundos geridos pelos bilionários Ray Dailo e George Soros. Um desempenho conseguido num espaço de tempo mais curto e com menos activos sob gestão. O Medallion quase nunca perde dinheiro. A maior queda num período de cinco anos foi de 0,5%.

 

"A Renaissance é a versão comercial do Projecto Manhattan", diz Andrew Lo, professor de Finanças da Sloan School of Management do MIT e presidente da AlphaSimplex, uma empresa de pesquisa quantitativa. Lo atribuiu a Jim Simons, o matemático de 78 anos que fundou a Renaissance em 1982, o mérito de ter reunido tantos cientistas. "Eles são o supra-sumo do investimento quantitativo. Ninguém chega nem perto."

 

Mistério

 

Poucas empresas são objecto de tanto fascínio, rumor ou especulação. Todos já ouviram falar da Renaissance, mas quase ninguém sabe o que acontece lá dentro. (A empresa também opera três hedge funds, abertos a investidores externos, que juntos administram cerca de 26 mil milhões de dólares, embora o seu desempenho seja menos espectacular do que o do Medallion). Além de Simons, que se aposentou em 2009 para se concentrar em causas filantrópicas, até agora pouca coisa se sabe a respeito desse pequeno grupo de cientistas - cuja enorme riqueza é maior do que o produto interno bruto de muitos países e que influencia cada vez mais a política dos EUA. Proprietários e executivos da Renaissance preferiram não comentar esta notícia através do porta-voz da empresa, Jonathan Gasthalter.

A Renaissance é única, mesmo entre os hedge funds, por causa da genialidade - e das excentricidades – dos que lá trabalham. Para quem está de fora, o mistério dos mistérios é como o Medallion conseguiu retornos anualizados de quase 80% ao ano, antes de impostos.

 

"Mesmo depois de todos estes anos conseguiram fintar os imitadores", diz Philippe Bonnefoy, um ex-investidor do Medallion, que mais tarde fundou a Eleuthera Capital, uma firma macro quantitativa com sede na Suíça. Contudo, os concorrentes identificaram algumas razões prováveis para o sucesso do fundo. Os computadores da Renaissance são alguns dos mais poderosos do mundo, por exemplo. Os seus funcionários têm mais e melhores dados. E encontraram mais indícios nos quais eles se baseiam para fazer as suas previsões e para ter melhores modelos de alocação de capital. Os gestores do fundo também prestam muita atenção ao custo das negociações e em como as suas próprias negociações mexem com os mercados. O sucesso da Renaissance pode ser encontrado basicamente nas pessoas que construíram, melhoraram e fizeram a manutenção dos modelos da Medallion. Muitos deles conheceram-se na IBM na década de 1980, onde usavam a análise estatística para enfrentar os desafios linguísticos.

 

Génio

 

Simons já é famoso: génio da matemática, professor do MIT e de Harvard, vencedor do prémio Oswald Veblen de Geometria e um dos criadores da teoria Chern-Simons. Também foi criptógrafo do Instituto de Análises de Defesa (IDA, na sigla em inglês), onde trabalhava na procura de mensagens no meio do ruído.

 

O objectivo do trading quantitativo é parecido: construir modelos que encontram sinais ocultos no ruído dos mercados. Muitas vezes são apenas sussurros, mas que vão ajudar a prever como o preço de uma acção ou de um título ou de um barril de petróleo se vai movimentar. O problema é complexo. Os movimentos de preços dependem dos fundamentos e dos fluxos e do comportamento às vezes irracional dos investidores que estão a comprar e a vender.

 

Embora tenha perdido o emprego após denunciar a Guerra do Vietname numa carta ao New York Times, os contactos que Simons fez ao trabalhar na criptografia ajudaram a criar a Renaissance e, alguns anos depois, o Medallion. Nos dez anos seguintes, quando era director do departamento de Matemática da Stony Brook University, Simons interessou-se pelo trading de futuros de commodities. Em 1977, deixou o mundo académico para sempre para tentar a sorte na gestão de activos.

 

No início, comprava e vendia commodities, fazendo apostas com base nos fundamentais como a oferta e a procura. Achou o assunto complicado e recorreu à sua rede de criptógrafos e matemáticos para o ajudar a encontrar padrões: Elwyn Berlekamp e Leonard Baum, ex-colegas do IDA, e Henry Laufer e James Ax, professores da Stony Brook. "Talvez exista alguma forma de prever os preços estatisticamente", disse Simons em entrevista ao Numberphile em 2015. "Fomos construindo os modelos de forma gradual".

 

No início da década de 1990, os grandes retornos anuais tornaram-se a norma na Renaissance: 39,4%, 34%, 39,1%. Potenciais investidores pediam para entrar na Medallion, mas a empresa não lhes dava muita atenção – e também não encorajava os clientes. Em 1993, a Renaissance deixou de aceitar fundos novos de terceiros. As taxas também foram aumentadas – de 5% dos activos e 20% dos lucros para 5% e 44%, respectivamente.

 

A equipa da IBM

 

Animado com o sucesso do Medallion, em meados da década de 1990 Simons começou a procurar mais analistas. Um currículo com experiência em Wall Street ou até mesmo antecedentes nas finanças era prontamente rejeitado. "Contratamos pessoas que tenham feito boa ciência", disse Simons uma vez. A seguinte onda de talentos – muitos dos quais ainda fazem parte da empresa – veio de uma equipa de matemáticos no Centro de Pesquisa Thomas J. Watson da IBM em Yorktown Heights, Nova Iorque, que estava às voltas com reconhecimento de voz e tradução automática.

 

Quando a equipa da IBM chegou à Renaissance, o Medaillon já estava a gerar retornos anuais líquidos de pelo menos 30%, quase exclusivamente com o trading de futuros. No início, era fácil detectar e explorar as anomalias. Um cientista da Renaissance observou que havia uma diferença de 15 minutos entre os horários de encerramento dos futuros e das opções do Standard & Poor’s, detalhe que transformou num motor de lucros durante muito tempo, diz um antigo investidor. O sistema estava cheio de aberrações como essa, e os cientistas investigaram cada uma delas até o fim. A soma de tudo gerou muito dinheiro – no início, milhões, e pouco depois, biliões.

 

Nenhum sistema dura para sempre, dizem os quantitativos. Perguntam quanto tempo a magia do Medallion pode durar. Mas sete anos após a reforma de Simons, o fundo continua a ganhar dinheiro. Mesmo no primeiro semestre de 2016, enquanto muitos hedge funds estavam em dificuldades, o Medallion gerou mais de 20%.

 

No entanto, apesar do sucesso que a Renaissance tem tido sob a liderança de Peter Brown e Robert Mercer – de 61 e 70 anos, respectivamente – muitos do sector perguntam como a empresa realizará a próxima sucessão. Ainda existe uma veneração. Por exemplo, numa conferência exclusiva só para convidados realizada neste ano, uma pessoa perguntou a um painel de administradores de fundos quantitativos: "Para vocês, quem seria a contratação de sonho?". Após alguns risos nervosos, um deles deu uma resposta sincera: Jim Simons.

Tradução do artigo publicado na Bloomberg a 21 de Novembro, que pode ler aqui.

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