Notícia
Vítor Bento: "O ajustamento será demorado"
Se a economia não crescer e não for capaz de criar riqueza, a única coisa que se vai poder distribuir é a pobreza.
A afirmação é de Vitor Bento que, em entrevista ao VER, avalia o estado económico e social do País. Para o economista e conselheiro de Estado, a “algazarra que domina a discussão pública, com muita gente com responsabilidades a negar deliberadamente a realidade”, reflecte-se na “dificuldade de consensualizar a necessária mudança do modo de vida colectivo”. E por isso, “o ajustamento será demorado”, prevê
Vitor Bento, conselheiro de Estado e presidente da SIBS
Se é verdade que “parece que já quase todos se esqueceram da quebra de confiança dos credores que colocou o País à beira da bancarrota”, certo é que a realidade não permitirá aos portugueses, nos tempos mais próximos, esquecer os efeitos da crise: “o ajustamento será demorado”, tanto mais quanto demorado for o reconhecimento da “responsabilidade das opções assumidas”, sentencia Vitor Bento.
Numa entrevista em que reafirma a insustentabilidade do estado em que o País se encontra, o economista lamenta que se continue a olhar para o problema “como uma espécie de catástrofe natural que nos foi imposta por fora”, e deixa o aviso: “teremos que rever o modelo de funcionamento do Estado. Gastando menos ou cobrando mais impostos”.
Um futuro hipotecado
Ainda na recente conferência sobre a refundação do Estado promovida pelo primeiro-ministro, em Lisboa, Vitor Bento sublinhou que "este modo de vida não é sustentável”, pelo que “vamos ter que fazer escolhas". Defendendo a necessidade de reformar o Estado, o conselheiro de Cavaco Silva, que recusou o convite de Pedro Passos Coelho para o cargo de ministro das Finanças, sublinhou que "enquanto os diagnósticos não estiverem consensualizados não podemos pedir soluções".
Por outras palavras, embora o caminho pelo qual o Estado tem seguido ao longo das últimas quatro décadas não seja “financeiramente sustentável”, enquanto “esta insustentabilidade não for reconhecida não vale a pena discutirmos medidas” que possam transformar o Estado. Este é o “primeiro desafio que a sociedade tem” que enfrentar nesta altura, acredita.
Reconhecer e assumir essa insustentabilidade do Estado é, pois, requisito prévio “para nos dispormos a ajustar”. É necessário fazer “um juízo colectivo” sobre “quanto é que estamos dispostos a pagar pelo Estado, em geral”, para então “desenhar o Estado” nessa mesma medida, conclui.
Declinando, “para já”, um comentário ao último relatório do FMI, que propõe despedimentos na função pública e cortes permanentes nos salários e nas pensões, Vitor Bento adianta apenas que está confiante face à possibilidade de se chegar a um consenso, dentro do tempo previsto pelo Governo (até Fevereiro), para apresentar à troika um plano de cortes no Estado na ordem dos 4 mil milhões de Euros. Sem deixar de sugerir que “se calhar já devíamos ter começado há mais tempo", o economista explica que "o facto de vivermos em estado de necessidade vai facilitar que um acordo seja alcançado".
Portugal acumula hoje uma dívida pública equivalente a 120% do PIB. Na sequência do modelo político seguido há anos, defende que o adiamento sucessivo da resolução dos problemas deixou “o futuro do País hipotecado”. E agora, com que modelos podemos pagar essa hipoteca e garantir que não agravaremos mais o orçamento da geração vindoura?
Se quisermos honrar os compromissos assumidos com os credores, só temos como caminho tornar a dívida sustentável, isto é, manter nos credores a confiança de que receberão pontualmente o reembolso contratual dos seus empréstimos.
Porque só assim eles nos poderão continuar a “renovar” os empréstimos que constituem a dívida. E, para isso, teremos que rever o modelo de funcionamento do Estado: gastando menos ou cobrando mais impostos.
Com que objectivos sustenta a refundação do regime e a revisão da Constituição, conciliando-a com as necessidades reais do País, e que estratégia política terá Portugal de adoptar para chegar ao pacto político-social que implicariam estas medidas?
Quando se começam por discutir soluções sem primeiro reconhecer o problema, dificilmente a discussão conduz a algo de útil, porque é dominada pelos efeitos “colaterais” das soluções, e não pela sua eficácia para lidar com o problema.
E, a avaliar pela algazarra que domina a discussão no espaço público, não me parece que haja suficiente consciência do problema. Continua muita gente, com responsabilidades, a negar deliberadamente a realidade.
No seu livro ‘Perceber a Crise para Encontrar o Caminho’ defende que o ajustamento automático dos desequilíbrios acumulados poderá conduzir a uma profunda e prolongada recessão económica. E, desde o virar do milénio, preconiza que Portugal caminha para a insustentabilidade económica, e que está preso numa armadilha de empobrecimento também prolongado. Os líderes (políticos económicos, empresariais) perceberam finalmente a crise, para encontrar as soluções necessárias?
Para continuar a ler o artigo clique aqui