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"É essencial reforçar a confiança dos consumidores"

Imagine-se uma publicidade a uma marca de cigarros cujo rosto é ... o de um bebé. Ou a de uma marca de microfibras que apresenta um homem a pisar um tapete de tigre com uma cabeça feminina, com a mensagem: "é bom ter uma mulher em casa". Há algumas décadas, estas mensagens eram comuns e aceitáveis para o comum dos mortais. Hoje as regras do jogo são outras, mas ainda assim persistem alguns maus exemplos de comunicação.

22 de Julho de 2009 às 20:22
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Imagine-se uma publicidade a uma marca de cigarros cujo rosto é ... o de um bebé. Ou a de uma marca de microfibras que apresenta um homem a pisar um tapete de tigre com uma cabeça feminina, com a mensagem: "é bom ter uma mulher em casa". Há algumas décadas, estas mensagens eram comuns e aceitáveis para o comum dos mortais. Hoje as regras do jogo são outras, mas ainda assim persistem alguns maus exemplos de comunicação.

Os temas da dignidade humana, da comunicação infantil, da saúde e estilos de vida saudáveis ou do ambiente são alguns dos "hot issues" onde o princípio da responsabilidade ao comunicar se torna, cada vez mais, um imperativo.

Ao nível da dignidade humana, o respeito e a não discriminação, a igualdade entre géneros, os direitos humanos e o comércio justo são alguns padrões a ter em conta, que marcas como a Body Shop (que actua para o segmento feminino com o compromisso de não fazer variar a sua publicidade em função de factores como a idade ou os padrões de beleza estereotipados), a IBM (que, por exemplo, numa campanha de produto, integra o respeito pela igualdade de oportunidades); a companhia de seguros MAIF (que reconhece que duas pessoas do mesmo sexo são uma família e têm, portanto, direito a serviços similares aos de um casal heterossexual), os hipermercados Eroski (que promoveram uma quinzena do comércio justo) ou a marca americana de “t-shirts” American Apparel (que na sua comunicação de marketing explora os temas da não discriminação, da produção local e dos direitos humanos), contemplam – e bem – nos casos avaliados pela Sair da Casca (SdC).

A SdC realizou uma investigação a dezenas de marcas internacionais e divulgou na sexta-feira passada o manifesto "Como tornar as práticas de comunicação coerentes com os compromissos para com o desenvolvimento sustentável?"

Maus exemplos, nesta mesma área, são as campanhas de uma empresa de aluguer de veículos, a SIXT, que passa a mensagem de as mulheres “são um perigo ao volante”; todas as publicidades em torno do conceito “porno-soft” (normalmente centrado na exploração da imagem da mulher como objecto sexual), que a ARPP, organismo de auto-regulação francês denunciou num balanço realizado em 2007; ou as campanhas lançadas pelos supermercados Monoprix, integrados numa empresa “extremamente pioneira e sustentável, com um posicionamento consistente”, nas palavras de Nathalie Ballan, presidente da consultora e responsável pela investigação, que para divulgar uma colecção de roupa infantil associa a menina a um futuro de top-model e o menino a um potencial ecologista. Destaque ainda para uma campanha da Intel, em que um senhor de pele branca lidera uma equipa de jovens negros, com uma atitude submissa, num anúncio que explora a multiplicação da performance dos computadores.”Nada bem vista”, a campanha foi retirada do mercado pelo organismo de auto-regulação inglês, a partir de queixas de consumidores.

Sobre a responsabilidade na comunicação com crianças, veja-se o bom exemplo do compromisso do sector alimentar europeu reunido em www.eu-pledge.eu, graças ao qual marcas como a Coca-cola, a Ferrero, a Kellogg’s, a Mars, a Nestlé, a Pepsico ou a Unilever, entre outras, acordaram com a União Europeia não fazerem publicidades utilizando crianças com idade inferior aos doze anos e divulgarem nas escolas códigos de comunicação infantis, numa iniciativa totalmente voluntária.

Como explica a sócia fundadora da SdC, existem códigos e regulamentação específica para este “target” e, tendo presente que a questão das mensagens correctas “é extremamente subtil”, é preciso analisar o claim da marca e ver se cumpre todas as boas práticas. “É consensual que a publicidade tem de ser facilmente identificada. As mensagens divulgadas não devem dar a entender que as crianças vão ficar mais fortes, inteligentes, dinâmicas ou sociáveis por consumirem determinados produtos”, conclui.

Outro caso, mas que vem à tona pela negativa, é o de uma campanha da Lego e da Kellogg’s, que anuncia cereais em forma de lego, merecendo, pelo risco de ingestão dos verdadeiros brinquedos plásticos pelos mais pequenos o prémio da(s) Pior(es) Companhia(s) do Ano, em 2008.

Muitos são os bons e maus exemplos da comunicação responsável nesta área do marketing e da publicidade (consulte todos os casos em “Comunicação Responsável: A comunicação na perspectiva do desenvolvimento sustentável”).

Em entrevista ao VER, Nathalie Ballan explica a importância desta análise para um consumo futuro mais sustentável.

Qual é a grande conclusão desta investigação?

O grande desafio é acertar na mensagem correcta. As evoluções legislativas, os códigos de auto-regulação gerais e os códigos sectoriais, as iniciativas nacionais e as internacionais são factores a considerar, mas é sempre complicado alguém lembrar-se disto tudo quando está a pensar numa estratégia ou num plano de comunicação. A nossa dúvida é se as equipas de “markteer” e de comunicação das agências estão preparadas para os novos desafios.

Até porque essas equipas não têm especial formação para as áreas da RSC e da sustentabilidade, já que não actuam a partir dos mesmos departamentos, ou não?

Sim, essa é uma realidade. E nós sentimos, de facto, grande apetência por parte dos anunciantes das empresas para estas duas áreas trabalharem mais em conjunto, mas é claro que os responsáveis pelas campanhas ainda têm muito mais técnicas de marketing. O que é fundamental é integrar as principais estratégias de sustentabilidade na comunicação e valorizar o papel positivo que cada empresa pode ter nessa mudança.

Há alguma predominância dos maus exemplos de comunicação por sector de actividade?

A não conformidade com as boas práticas não é óbvia, isto é, não constitui, de facto, um problema. Alguns sectores, como o da indústria automóvel, têm realmente bons projectos. A principal questão é que as empresas não se lembram que a publicidade, as acções promocionais, podem ter imensa força para sensibilizar o público para as questões da sustentabilidade. A questão não pode nem deve ser vista pela negativa: não estamos a dizer que ninguém está a cumprir as regras. Estamos a dizer é que pouca gente usa a força da publicidade e do marketing para integrar a sustentabilidade no seu negócio.

Há uma preocupação crescente com os temas da sustentabilidade, a todos níveis. A comunicação responsável está a acompanhar essa tendência?

Os códigos de boas práticas são redigidos pelos sectores, ou seja, pelas empresas e pelos organismos que as representam - quer se tratem de agências de comunicação, quer se tratem de anunciantes que, em ambos os casos, têm representação a nível europeu. Esses códigos são práticas voluntárias que saem do meio empresarial, e não do meio político. O código da Câmara de Comércio Internacional (CCI), publicado em 2006, é tão bom que está a ser utilizado pela União Europeia como modelo. Claramente que o meio económico e empresarial mudou e conseguiu fazer documentos de auto-regulação excelentes.

Mas ao nível interno das empresas, as conclusões desta investigação indicam uma evolução ao nível da comunicação que é feita para o exterior ou há um desfasamento entre as estratégias de RSC e o modo de comunicar?

Como disse, ao nível de códigos de boas práticas, o primeiro passo está feito. Agora como eles são (ou devem ser) integrados nas estratégias das empresas, trata-se ainda de um longo caminho a percorrer. Seguimos exemplos na França e em Inglaterra onde claramente há uma pressão das autoridades de regulação para que os anunciantes cumpram os códigos que assinaram. Mas, insisto, tudo consiste numa prática voluntária, apesar de existir uma monitorização muito importante em volta destes temas.

No dia-a-dia das empresas, acho que ainda não atingimos os objectivos desejáveis. O tema da comunicação responsável, se não entrou, deve entrar nos programas escolares das escolas de marketing e comunicação e na agenda das formações sobre estas matérias. O que ainda acontece é que algumas empresas têm uma politica onde não é ensinado aos fornecedores, nem aos vários departamentos, estes conceitos. A nível internacional há claramente uma enorme evolução, uma tomada de consciência e até uma autodisciplina. Agora, no que concerne os consumidores em geral (e não as associações de consumidores, em particular) talvez estes ainda não tenham a exigência necessária. Partindo das recomendações do código da CCI, passar da actual realidade à integração das práticas diárias vai seguramente demorar algum tempo, mas também só passaram três anos.

E em Portugal, mesmo sem terem avaliado campanhas a nível nacional, que percepção têm sobre o estado da comunicação responsável?

O que a SdC está a sentir é que há uma grande apetência para o tema em Portugal (incluindo ao nível dos media), e que há uma tomada de consciência para a necessidade de mudança. Também é hoje reconhecido que a formação é importante e que a importância da comunicação responsável se relaciona com a protecção da confiança dos consumidores.

As empresas e marcas nacionais já têm consciência de que parte da estratégia de sustentabilidade é a comunicação para o exterior?

Sim, têm essa percepção e um interesse crescente, o que não significa que isso se traduza em acções, políticas claras e monitorização. Há várias empresas com boa práticas. O que falta às vezes é uma política global de comunicação consolidada, na perspectiva da sustentabilidade. Neste contexto, a missão que a SdC define para si própria é promover nas empresas uma metodologia para tentar integrar na comunicação o mais importante da sua estratégia de sustentabilidade. A falta dessa integração pode representar algumas ameaças.

Mas preferimos uma abordagem positiva, em que a responsabilidade é um incentivo para pensarmos nas consequências dos nossos actos, questionarmos comportamentos mais críticos e adoptarmos novas práticas adequadas ao contexto de cada realidade. E, ao contrário do que se possa pensar, estas últimas podem até gerar uma nova criatividade nas campanhas publicitárias e de comunicação, ao invés de limitá-la.

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