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E se um carro inteligente puder decidir entre a nossa vida ou morte?

Sendo expectável que até 2020, ou antes, os veículos autónomos e inteligentes comecem a partilhar as estradas com outros carros, peões e ciclistas, são cada vez maiores os dilemas éticos que se colocam aos fabricantes, investidores e, é claro, aos compradores. Decidir, numa situação de perigo extremo, se o veículo sacrifica o condutor para garantir a segurança de um peão, por exemplo, é só um deles. De acordo com um estudo publicado pela revista Science, os inquiridos afirmam que, na teoria, estes deverão ser programados para salvar a vida de outrem em detrimento da sua própria vida. Mas e na prática, não é possível esquecer que somos todos humanamente egoístas

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Em Maio último, a Google colocou um anúncio que procurava pilotos de testes para a sua unidade de investigação em veículos autónomos. O mesmo foi considerado pelos bloggers da tecnologia como o verdadeiro emprego de sonho. Afinal, quem não gostaria de ganhar vinte dólares à hora para estar sentado num carro, sem fazer absolutamente nada, durante oito horas seguidas? O problema é que as reacções nos media sociais, em particular dos não adeptos da tecnologia, não foram as esperadas e colocaram mais uma acha na já ardente fogueira dos que temem a inteligência artificial, no geral e, neste caso em particular, no que já é vulgarmente denominado como "veículos autónomos" (VA). E o motivo fica suficientemente explícito num comentário ao dito anúncio feito no Facebook: "Teriam de me pagar muito mais para me conseguirem enfiar nessa lata que usa a sua própria mente".

Este episódio consta da extensa matéria de capa publicada na mais recente edição da revista Fortune e dedicada à corrida, cada vez mais acelerada, dos automóveis do futuro – leia-se daqui a quatro ou cinco anos – os quais serão suficientemente autónomos para "conduzirem" sem qualquer tipo de intervenção humana. Todavia, e apesar de esta nova indústria estar a ser aguerridamente disputada não só pelos fabricantes gigantes e tradicionais do mercado, como a Volkswagen, a Mercedes ou a Ford, entre outros, mas também pelos incumbentes ambiciosos da tecnologia, como a Google, a Tesla, e até a Uber, a verdade é que existem inúmeras questões éticas que poderão travar, abrandar ou, se bem resolvidas, acelerar este novo e promissor sector.

© DR
Imagine, para já, que é o proprietário de um destes veículos autónomos e que está a passear, sossegadamente, com a sua família num cenário bucólico e muito agradável à vista. Mas e de repente, surge na estrada uma bola saltitante imediatamente seguida por uma criança que a quer recuperar. Deverá o seu carro inteligente escolher a segurança da criança, guinando para a direita onde o espreita um precipício e colocando-o a si, e à sua família, em risco de morte ou, pelo contrário, deverá colocar a sua segurança, e a dos seus, em primeiro lugar, atropelando a criança?

Este cenário constitui apenas um, entre muitos, dos dilemas éticos e morais que a condução autónoma está a colocar não só aos fabricantes deste tipo de automóveis, mas também aos seus potenciais compradores e, é claro, aos reguladores. E foi tema de um estudo publicado a 24 de Junho último, na revista Science. A maioria dos quase dois mil americanos que fizeram parte do estudo em causa considerou que este tipo de veículos deveria ser programado para evitar, a todo o custo, magoar ou matar a criança (ou quem quer que corresse o mesmo risco), mesmo que tal significasse colocar em perigo os passageiros do veículo. De acordo com os investigadores responsáveis pelo estudo, Jean-François Bonnefon, da Toulouse School of Economics, em França, Azim Shariff, da University of Oregon e Iyad Rahwan, do Media Lab do MIT, citados pela revista Scientific American, "os algoritmos que controlam os veículos autónomos terão de incorporar princípios morais que orientem as suas decisões em situações de danos inevitáveis".

Se é verdade que a escolha moral mais óbvia, pelo menos em teoria, será a de privilegiar o bem maior em detrimento da própria segurança do condutor ou dos passageiros – o que gerou consenso nas várias experiências similares conduzidas pelos três investigadores – o caso muda "ligeiramente" de figura quando o que está em jogo e na prática, é a nossa própria vida, ou seja, essas mesmas pessoas que escolheram a opção moral certa, considerariam comprar antes um carro autónomo que, pelo contrário, "decidisse" salvar o condutor ou passageiros, mesmo que tal implicasse sacrificar a vida de outrem.

Ou, como é melhor explicado no website da motherboard: "em todos os inquéritos realizados, a maioria das pessoas considerou que seria mais moralmente aceite que um veículo autónomo sacrificasse o seu condutor para salvar mais pessoas [esta experiência consiste numa variação do famoso dilema ético do "eléctrico desgovernado"] e que estes carros deveriam ser programados para minimizar os danos de muitos, em vez de apenas alguns. E mesmo quando foi proposto imaginar que eram os próprios respondentes, ou alguém que lhes era querido, no lugar do condutor, a maioria continuou a concordar que esta seria a mais moral das decisões".

Todavia, existe uma outra questão que contribui para aumentar o dilema em causa: quando questionados sobre quão interessados estariam em comprar um automóvel que os sacrificasse a eles ou às suas famílias ou um outro modelo que fosse "auto-protector" e que colocasse, sempre, as suas próprias vidas em primeiro lugar, essa mesma maioria optaria pela segunda hipótese. Ou, em suma, e porque somos humanamente egoístas e não queremos morrer, mesmo tendo consciência de qual a opção mais ética, os entrevistados optariam por salvar a sua própria pele.

Esta preferência, "humana q.b.", contribuiu também para que os investigadores concluíssem que, quando chegar a altura dos legisladores se pronunciarem sobre a prioridade ética de se salvaguardar os peões em detrimento dos condutores – pois terá de existir uma regulação neste sentido – as pessoas terão muito menos vontade de adquirir este tipo de veículos inteligentes. Adicionalmente, afirma também o estudo, se tal acontecer, o mercado para os veículos autónomos poderá diminuir, o mesmo acontecendo com o desenvolvimento das tecnologias que os irão caracterizar e apesar de todas as pesquisas até agora realizadas apontarem para factos inegáveis: estes veículos irão reduzir significativamente o tráfego, serão substancialmente muito menos poluidores e salvarão, – porque são muito mais seguros – a vida de milhares de pessoas todos os anos. É que comprovado está também o facto de o erro humano contribuir para cerca de 90% de todos os acidentesautomóveis. O que é o mesmo que afirmar que estamos perante um dilema ético ainda maior.

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Quem decide: a ética ou os dados?

Como em tudo, existe sempre "o outro lado da questão" e são vários os observadores – o tema tem gerado uma discussão intensa por toda a Internet – que apresentam as "falhas" deste estudo. Um deles é o professor de Engenharia Eléctrica e Computacional, Raj Rajkumar, que dirige o Cylab na Universidade de Carneggie Mellon e considerado como um dos mais reconhecidos especialistas na pesquisa dos veículos autónomos, tendo sido, aliás, o vencedor do DARPA 2007 Urban Challenge, o concurso em que, pela primeira vez, os primeiros veículos autónomos interagiram, com e sem condutores, com um tráfego normal numa zona urbana.


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