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Cometeu um crime? Passe um cheque

No universo “paralelo” em que se movem os grandes gigantes da banca é o que acontece. Por mais fraudulenta que seja a sua actividade, nenhum delito é suficientemente grave para que o castigo resulte em prisão. Foi o que aconteceu, mais uma vez, a cinco grandes bancos, os quais foram multados em cerca de 5,6 mil milhões de dólares devido a manipulações, ao longo de cinco anos, nas taxas de câmbio no FOREX. A novidade é que, desta vez, a culpa foi assumida publicamente pelos mesmos. Um passo em frente para uma banca mais ética? Nem pensar, como revela um recente relatório que avaliou o (mau) comportamento dos profissionais do sector

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Até há relativamente pouco tempo, as autoridades federais norte-americanas morriam de medo só por pensarem em acusar uma entidade financeira de peso de algum tipo de procedimento criminal. A história é infelizmente bem conhecida do mundo inteiro, não fossem os maus comportamentos dos bancos norte-americanos os grandes responsáveis pela crise dominó que assolou o mundo em 2008, e que o pôs de joelhos económica e financeiramente.

Assim, e para evitar as consequências de um colapso de algum gigante da banca – os tais encarados como "too big to fail" e também "too big to jail" – e possível contágio aos seus congéneres, o Departamento de Justiça norte-americano e a SEC chegaram a uma espécie de compromisso, do género que, em princípio, agrada a gregos e troianos. Quando um, ou mais, banqueiros fossem apanhados a fazer algo ilegal, o assunto resolvia-se pacificamente com uma multa pesada e com o compromisso do(s) visado(s) que juravam nunca mais voltar a cometer o mesmo erro. Os advogados acertavam os pormenores das sanções, geralmente com vários zeros, as autoridades governamentais ficavam contentes, os bancos voltavam à sua vidinha e tudo acabava com um final feliz.

Mas, na passada semana, um novo e surpreendente ingrediente foi acrescentado a esta receita pouco light. As autoridades financeiras norte-americanas, pela mão da sua Procuradora-Geral Loretta Lynch e como resultado de uma investigação que abrangeu o período entre Dezembro de 2007 e Janeiro de 2013, resolveram multar cinco bancos, nada mais, nada menos do que o CitiGroup e o JP Morgan & Chase, em conjunto com os britânicos Barclays e Royal Bank of Scotland e ainda o suíço UBS, devido à manipulação das taxas de câmbio nas operações de troca de divisas, no FOREX – o maior mercado financeiro do mundo e também o menos regulado de todos. Apesar de não ser a primeira vez que tal acontece, esta história em particular tem alguns contornos novos (e os "velhos" de sempre também).

Em conjunto, os cinco gigantes da banca terão de pagar multas superiores a 5,6 mil milhões de dólares, valor esse que, segundo a Procuradora-Geral, será "equivalente aos danos profundos causados" por este conluio internacional. A novidade? Pela primeira vez, as instituições bancárias visadas deram-se como culpadas. E porquê? Porque foram descobertos registos online desta conspiração criminosa. E como era processada a mesma? Um conjunto de jovens ambiciosos e arrogantes – que achavam que nunca seriam apanhados – usava uma sala de chat privada, com linguagem codificada – às vezes – intitulando-se como "o cartel" ou "a máfia", na qual discutiam, todos os dias, ao longo de quase cinco anos, como manipular as taxas de câmbio. Um dostraders pertencente a este "clube privado", que trabalhava para o Barclays, ganhou notoriedade nos media por ter escrito, na sala de chat, "if you ain’t cheating you ain’t trying", qualquer coisa como "se não fazes batota é porque não te estás a esforçar suficientemente". E o que disseram os CEOs destes gigantes do mundo financeiro? Michael Corbat, do Citigroup, afirmou que "o comportamento que resultou no acordo por nós anunciado consiste numa vergonha/embaraço para a nossa firma e contrasta profundamente com os nossos valores" e o CEO do JP Morgan, Jamie Dimon considerou os resultados da investigação como "um enorme desapontamento para nós", acrescentando ainda que "a lição a retirar deste caso é a de que a conduta de um pequeno grupo de empregados, ou até só de um, pode reflectir-se negativamente em todos nós e ter ramificações significativas para a firma como um todo".

A reacção dos CEOs seria, no mínimo, para rir, se o assunto não fosse tão grave. Quantos destes executivos de topo podem afirmar que estamos apenas perante mais um caso de "umas quantas maçãs podres no cesto" depois do terramoto de 2008 e das várias réplicas que, entretanto, atingiram o mundo graças a estas instituições demasiado grandes para falir? E, já agora, quantos responsáveis por fraudes, manipulações, corrupção, lavagem de dinheiro e um sem número de outros crimes foram efectivamente castigados com penas de prisão?

A pergunta já foi feita inúmeras vezes e as respostas variam entre o absurdo e o inexplicável, acabando no "aceitável". Se a pesquisarmos no Google, e entre os vários meios de comunicação que se dedicaram à temática, a resposta possui alguns contornos estranhos de unanimidade: porque a "estupidez não é uma ofensa criminal" ou porque "o capitalismo não funciona se as pessoas não correrem riscos" ou ainda "porque é difícil provar quem tinha o conhecimento do quê na medida em que é muito raro existir, por exemplo, uma cadeia de emails ou instruções directas que realmente comprovem os delitos". O facto de o colapso financeiro ter custado aos contribuintes milhares de milhões de dólares (ou euros) e de ter dado origem à perda de milhões de empregos e, consequentemente, a padrões de vida significativamente empobrecidos devido à recessão parece não fazer diferença alguma.

E o que pensam as próprias instituições financeiras face aos comportamentos não éticos do sector onde trabalham? Um relatório pioneiro e publicado a 19 de Maio último oferece algumas respostas.


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