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Não escorregue nas bolsas

Os investidores são traídos por fatores psicológicos que os levam a cometer erros e a comprometer ganhos ou intensificar perdas. Numa altura em que os mercados financeiros estão voláteis e acumulam perdas, veja o que fazer.

Deco Proteste 28 de Abril de 2020 às 12:04
Os melhores planos não sobrevivem ao contacto com o inimigo." A frase é atribuída ao marechal Von Moltke, comandante prussiano do século XIX, mas bem se pode aplicar ao investidor quando luta para conseguir manter um bom plano de investimentos perante a montanha russa dos mercados financeiros.

Errar é uma característica humana. Ninguém é perfeito. Muitas vezes, os investidores tomam decisões que, analisadas sob um prisma de racionalidade fria, nem sempre são as melhores, prejudicando o sucesso das suas aplicações. Na verdade, há erros que se repetem vezes sem conta. Estes enviesamentos comportamentais (em inglês, "bias") podem ser a diferença entre registar pequenas perdas ocasionais e inevitáveis, ou sofrer autênticos "rombos" no património.

Não vale a pena martirizar-se. A definição de seres perfeitamente racionais, descritos nas teorias financeiras clássicas, está longe da realidade. Nas últimas décadas, a ciência da "economia comportamental" tem vindo a ganhar importância, estudando as condutas e preferências dos investidores. Vários prémios Nobel da Economia foram já atribuídos pelos trabalhos na área. É o caso de Daniel Kahneman (2002) ou, mais recentemente, Richard Thaler (2017).

A boa notícia é que muitos dos erros que os investidores cometem podem ser evitados. Neste artigo, vamos passar em revista alguns dos mais comuns, os fatores psicológicos que os podem motivar, e a forma de contrariar essas disposições que, repita-se, todos sentimos.

Em alturas de crise, como esta provocada pelo coronavírus e queda do preço do petróleo, muito investidores reagem emocionalmente, o que pode levar a decisões precipitadas. O atual cenário é difícil e incerto, mas, na Proteste Investe encontra conselhos emitidos numa perspetiva de longo prazo, para colmatar esses erros, quer através das nossas carteiras-modelo que pode simplesmente replicar, quer encontrando os melhores fundos de investimento em cada categoria.
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Tentar adivinhar o mercado

Para ter sucesso nos investimentos, basta comprar barato e vender caro. Parece fácil, não é verdade?

É com esta ilusão que muito investidores se aventuram a "jogar na bolsa", comprando e vendendo títulos diariamente, esquecendo-se de que o mercado tem outros investidores que acreditam, também eles, que irão superar os restantes. Contudo, a realidade é bem diferente. Segundo a maioria dos estudos realizados junto de gestores de fundos e clientes de corretoras, apenas uma minoria consegue um desempenho acima do mercado que persiste no tempo.

Outro enviesamento psicológico é o excesso de confiança, que leva a sobrestimar o conhecimento, a capacidade e a informação sobre os mercados. Há muitos interessados em encorajar esta atitude, a começar pelos intermediários financeiros que ganham uma comissão em cada compra e venda. Também há pseudogurus que garantem ter dicas infalíveis, mas ganham mais dinheiro a vender conselhos do que a aplicá-los.

Ainda de acordo com a pesquisa, os melhores investimentos para o investidor médio são… os mais aborrecidos. Construir uma carteira diversificada e mantê-la a longo prazo, com ajustes mínimos, é o melhor caminho para ter bons resultados.

Ao contrário, apostar em apenas alguns títulos, negociar muito e estar sempre a entrar e a sair do mercado é uma forma de delapidar a carteira e a sanidade mental.

O banco JP Morgan fez, em 2019, um exercício muito simples, que reflete a importância de seguir os mercados com atenção. Ao perder os 10 melhores dias da bolsa num investimento no índice de referência S&P 500, entre janeiro de 1999 e dezembro de 2018, o rendimento anualizado reduzia de 5,6 para 2 por cento. Há também fortes indícios de que a seleção estratégica das classes de ativos a incluir ("asset allocation") é tão ou mais importante do que selecionar ações específicas ("stock picking").

Por exemplo, ao criar e modificar as carteiras de fundos recomendadas pela Proteste Investe, o primeiro passo é selecionar os mercados e os ativos mais promissores que vão integrar a carteira, e só depois focar-se nos fundos específicos com os quais vai implementar a estratégia.

O que fazer

Seja realista. Se a maioria dos profissionais que passam o dia a observar os mercados não conseguem bater o mercado, pergunte a si próprio, honestamente, que vantagem tem que eles não têm?

Uma forma de descer à terra é registar cuidadosamente as transações que faz, para avaliar, com precisão, os ganhos e perdas. Se confiar apenas na memória, tenderá a valorizar apenas os sucessos e a não dar importância aos negócios que correm mal.

Contudo, se não consegue mesmo resistir a "jogar na bolsa", ponha uma parcela (pequena, de preferência) numa conta distinta do resto dos seus investimentos, com a qual pode fazer apostas pessoais em alguns ativos, sem desequilibrar a sua estratégia de longo prazo.
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Seguir as modas

Muitos dos "crashes" bolsistas estão associados a modas que rebentaram após grandes excessos. A crise das tecnológicas, no início do século, é um exemplo paradigmático. Mas há outros, como a bolha nas ações japonesas, que rebentou no início dos anos 90, ou a crise do subprime, em 2008.

Mais recentemente, e numa escala menor, houve a bolha da Bitcoin (2017) e a febre das empresas de canábis (final de 2018). É um fenómeno quase incontornável das bolsas, porque há vários fatores psicológicos que para ele contribuem. Desde logo o "instinto de manada" (em inglês, "herd behaviour"), um mecanismo presente nalguns animais, mas que também influencia os seres humanos, sobretudo se agirem com base nas emoções. Na prática, consiste em seguir o mesmo comportamento de quem está à volta, abdicando do sentido crítico. Este comportamento é bem visível nos mercados financeiros, onde as grandes subidas e descidas refletem as emoções de quem neles investe.

Mesmo os profissionais, como gestores de fundos, são vítimas do "instinto de manada", ainda que dele estejam cientes. As razões, porém, podem ser outras. Por exemplo, se os fundos que gerem não tiverem as ações da moda, arriscam-se a perder clientes impacientes.

Um fenómeno estreitamente relacionado é o FOMO ("Fear Of Missing Out"), aquela sensação de que estamos a passar ao lado de riquezas fáceis quando vemos ações com grandes valorizações e não as temos no nosso portefólio. Na verdade, as modas raramente acabam bem. Mesmo quando as empresas ou setores em voga sobrevivem, dificilmente recuperam dos píncaros atingidos. Ações como a Amazon, que perdeu grande parte do seu valor no "crash" tecnológico de 2000, mas que ultrapassou em muito os antigos máximos, não são a regra, mas uma (muito rara) exceção.

O que fazer

As cotações a subir, os comentários positivos que anunciam um novo paradigma da economia, etc., fazem com que seja muito difícil não entrar na euforia. Para não "seguir a manada", tente pôr as coisas em perspetiva e procure sinais dissonantes. Esses sinais podem ser valorizações astronómicas associadas a prejuízos ou lucros quase inexistentes. Por exemplo, no auge da bolha na bolsa de Tóquio, a empresa de telecomunicações NTT chegou a valer mais do que todo o setor tecnológico norte-americano!

A atual valorização das tecnológicas americanas é muito similar. Encontramos empresas como a Uber a valer cerca de 50 mil milhões de dólares, apesar de apresentar sempre prejuízos e de o modelo de negócio levantar muitas dúvidas. Encontramos, porém, empresas como o Facebook, cuja cotação teve uma tremenda escalada, mas apresenta um PER de 20 que se pode considerar "razoável", dadas as grandes perspetivas de crescimento. No caso de setores com perspetivas de crescimento extraordinárias, a incerteza é inegavelmente maior. Se não consegue resistir ao FOMO, invista mas limite o peso na sua carteira, e esteja preparado para saltar fora se for quebrada a narrativa positiva em torno das ações da moda. Muitas vezes, essa narrativa é a única coisa a suster a cotação.
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Ficar agarrado a títulos perdedores

Quem nunca teve uma ação, que parecia promissora, a registar perdas? Os últimos resultados não foram bons, mas decidimos esperar mais algum tempo para ver se a cotação recupera. As más notícias, porém, sucedem-se e a cotação continua a cair. Apesar de já não termos grande expectativa de lucro, agarramo-nos à esperança de que, como caiu tanto, a cotação retorne ao valor inicial, ou, pelo menos, até um máximo recente, para a vendermos a seguir. Por vezes, surge a tentação de comprar mais ações, na esperança vã de colmatar as perdas quando a esperada recuperação se materializar. Contudo, quando damos por ela, já estamos a perder um terço ou metade do investimento. Paradoxalmente, também acontece vendermos demasiado cedo ações que estão a subir, ansiosos por poder garantir mais-valias, mesmo que o título esteja num bom momento em bolsa e ainda não esteja caro. Este enviesamento psicológico é designado por "aversão à perda". Ao investidor causa muito mais sofrimento psicológico perder dinheiro de que já dispõe do que deixar fugir um ganho potencial de valor equivalente. É até capaz de assumir mais risco com o objetivo de evitar essa perda.

O que fazer

O primeiro passo é fazer um "reset" mental. Esqueça quanto investiu e concentre-se no valor atual do seu investimento. Questione: se tivesse este valor para investir, aplicaria o dinheiro nesta ação, à cotação de hoje? Em muitos casos, concluirá que não merece o seu investimento, porque os motivos que o levaram, inicialmente, a investir já não se verificam. Isto não significa que deva vender uma ação assim que começa a registar perdas! Só é um erro manter um título quando as perspetivas da empresa estão, objetivamente, piores e a queda já não se deve às normais flutuações do mercado.
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Não diversificar o suficiente

Há investidores que têm apenas em carteira um título ou dois. Às vezes, porque só conhecem aquela empresa, têm uma espécie de ligação emocional, ou simplesmente não querem arriscar noutros mercados. Investir quase exclusivamente em ações (e outros ativos) do próprio país ("home country bias") é, aliás, um comportamento muito observado.

O problema é que o mercado nacional dispõe apenas de poucas dezenas de ações cotadas e um mercado de obrigações quase inexistente. Ao contrário, os mercados financeiros americano ou britânico são muito vastos.

Mesmo os investidores que reconhecem a importância de diversificar o portefólio nem sempre o fazem da melhor maneira. Não basta ter vários títulos em carteira. É preciso que não estejam muito correlacionados entre si, ou seja, que não sejam afetados pelos mesmos fatores de risco.

O que fazer

Analise as diferentes dimensões do risco e de que forma estão representadas na sua carteira. As classes de ativos ações e obrigações são as principais, mas considere também imobiliário, commodities, etc. Compare os mercados geográficos e setores de atividades pelos quais se distribuem. Consoante a sua experiência, pode considerar outros fatores: sensibilidade ao ciclo económico, estilo ("growth ou value"), etc. Adicionar um fundo ou ETF diversificados é uma forma de ultrapassar a dificuldade em investir em ativos ou geografias menos familiares.

O objetivo de diversificar uma carteira de investimentos é evitar grandes perdas. De uma forma simplista, se o seu portefólio tiver "um pouco de tudo", o peso dos ativos que sofrerem maiores perdas será contrabalançado pelos ganhos dos títulos mais rentáveis. Ao contrário, com uma carteira concentrada em poucos títulos, arrisca-se a alternar entre grandes ganhos e grandes perdas.

Aconselhamos a ter, pelos menos, 10 ações diferentes em carteira.
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Entrar em pânico

Perante os primeiros sinais de crise, muitos investidores tendem a ficar ansiosos e tentam, a todo o custo, defender os seus investimentos. O pior é quando esta ansiedade se transforma em pânico e conduz a decisões precipitadas, que deitam por terra os ganhos obtidos em anos anteriores.

A crise do novo coronavírus provocou a queda dos mercados financeiros, deixando os investidores nervosos. Como manter a calma quando as bolsas entram em colapso? Faz sentido vender as ações?

O que fazer

O cenário atual das bolsas é incerto e difícil. O índice S&P 500 caiu, em fevereiro, 11% em apenas um dia, é certo, mas também é verdade que desde dezembro de 2018, os mercados subiram 35 por cento. Após uma década de subidas e os principais índices perto de máximos históricos (em 11 anos, o MSCI World Return rendeu 14% em média ao ano), as bolsas corrigiram. Tudo aponta para uma redução substancial da atividade económica a nível mundial e uma recessão, pelo menos, na zona euro e no Japão.

O investimento nos mercados financeiros deve ser encarado a longo prazo (no mínimo, cinco anos). Se, perante a queda dos mercados, se precipitar a vender a qualquer preço, perde a oportunidade de recuperar os prejuízos no futuro. Por exemplo, na crise económica de 2008, as bolsas bateram no fundo nesse ano, mas recuperaram rapidamente, registando fortes subidas em 2009, o ano da recessão mundial.

Não aconselhamos a vender já a sua carteira de títulos. A nossa estratégia de investimento não inclui só ações, mas também obrigações, para equilibrar o risco da carteira. Acima de tudo, não entre em pânico e fique atento às nossas recomendações. Se tem liquidez, não aconselhamos entradas agressivas, ainda que o sonho de qualquer investidor seja comprar em baixa e vender em alta. É preciso saber qual o momento exato em que deve entrar. Sugerimos que reparta a entrada na bolsa em diversos momentos e em vários títulos. Ou seja, não vá a correr aos "saldos", gastando de uma só vez a liquidez que tem só porque as cotações estão em queda.
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