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Inventários: A arte de bem dividir

Há um ano, os processos de inventário saíram dos tribunais para os cartórios, o que acelerou a sua resolução. Mas o apoio judiciário continua a funcionar mal e deixa quem tem menos posses sem resposta.

09 de Dezembro de 2014 às 11:11
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Há momentos de rutura, como a morte de um familiar ou um divórcio, que obrigam à divisão dos bens. Por mais doloroso que seja, há que tomar decisões: proceder a um inventário é, quase sempre, a melhor forma de garantir uma divisão equilibrada.


Este processo é recomendado, por exemplo, quando há desacordo sobre a herança ou existem dívidas. Havendo um único herdeiro, serve para listar os bens deixados pelo falecido. Assume especial importância quando há imóveis, como terrenos ou casas, que só podem ser registados em nome do herdeiro se constarem da relação de bens.


Em caso de divórcio, o inventário serve ainda para definir a partilha dos bens. Até há um ano, este processo era moroso e chegava a arrastar-se anos em tribunal. Mas, desde setembro de 2013, passou para os cartórios notariais. Segundo João Maia Rodrigues, bastonário da Ordem dos Notários, tornou-se mais célere, ficando, em alguns casos, resolvido num ano (ver entrevista).


Pela Net ou no cartório certo
A nova lei criou um portal, www.inventarios.pt, destinado especificamente a estes processos. Por norma, tanto o pedido de inventário como as eventuais oposições e todos os outros atos possíveis - reclamar da relação da bens, indicar outros herdeiros ou pedir a alteração da data da conferência - devem ser feitos pela Net (ver "Da burocracia à decisão em 10 passos", na página seguinte). Contudo, quando não é possível tratar do processo online, o consumidor pode fazê-lo no cartório.


O inventário pode ser pedido pelos interessados diretos na partilha, ou seja, pelos herdeiros ou seus representantes legais (como o tutor de um menor) ou, no caso de divórcio, por um dos ex-cônjuges.

 

3.662
O número total de processos requeridos entre setembro de 2013 e setembro de 2014 ascende a 3.662.


É no cartório da localidade onde ocorrer o óbito que é resolvido o processo. Se a morte tiver lugar no estrangeiro e o falecido deixar bens em Portugal, é ao cartório do município onde se situam os imóveis que cabe realizar o inventário ou, quando não existem casas ou terrenos na herança, no cartório da localidade onde esteja a maioria dos bens móveis. Não havendo bens em Portugal, compete ao cartório do domicílio do herdeiro. Já nos casos de separação, divórcio ou anulação do casamento, é feito no cartório do município onde está situada a casa da família.


Apesar de a lei não obrigar à contratação de advogado - a menos que em causa estejam questões de direito, como a anulação de um testamento - esta acaba por ser uma boa opção. Com a nova lei, a intervenção do tribunal só surge, regra geral, no final, para aprovar a partilha. Apenas em casos de elevada complexidade, que não possam ser decididos em cartório, o processo é enviado logo de início para tribunal. Mas, como a lei não especifica que casos são estes, a decisão cabe apenas ao notário, levando a que uma mesma situação possa ser resolvida de forma diferente conforme o cartório.

 

749
Número total de inventários nos distritos que receberam mais processos: Lisboa e Porto, com 394 e 355, respetivamente.


A partir de 102 euros, mas nem todos podem pagar
Os custos com o processo de inventário englobam os honorários notariais e as despesas. Os primeiros variam consoante o valor da herança ou, nos casos de divórcio, dos bens comuns do casal. Por exemplo, se existirem terrenos ou casas, o valor patrimonial destes corresponderá ao valor do processo. Assim, até dois mil euros correspondem honorários de 102 a 153 euros, consoante a complexidade; até oito mil euros, de 204 a 306 euros e assim sucessivamente. A partir dos 250 mil euros e 1 cêntimo, acrescem, por cada 25 mil euros ou fração, entre 306 e 459 euros de honorários.

 

1.385
Os pedidos de processo de inventário com apoio judiciário devido a insuficiência económica ascenderam a um total de 1.385.


Independentemente do valor, o pagamento é feito em três prestações. A primeira corresponde a metade do honorário e é paga com a apresentação do requerimento inicial; a segunda, nos dez dias seguintes à notificação para a conferência de interessados (ver "Da burocracia à decisão em 10 passos", na página seguinte). Se o processo ficar concluído na conferência preparatória, o valor da segunda prestação desce para metade. O terceiro pagamento, que corresponde à diferença entre o montante devido a título de honorários e o já pago, é feito após a aprovação do juiz. Como o valor inicial, indicado pelo requerente, pode sofrer alterações (quando o valor inicial de um imóvel está incorreto e é corrigido, por exemplo) e existem várias despesas com o processo, a terceira prestação serve para acertar contas. Aos honorários soma-se o reembolso das despesas realizadas pelo notário, incluindo as de correio, de transporte ou a remuneração de especialistas, como peritos, tradutores ou consultores técnicos. Acresce também a taxa de justiça de 102 euros relativa ao envio do processo para tribunal.

 

12
O tempo médio de resolução de um processo de inventário no cartório ascende a 12 meses.


Quem não tem condições económicas deve avançar com um pedido de apoio judiciário, avaliado pela Segurança Social. Se for aprovado, o consumidor fica isento do pagamento da taxa de justiça e demais encargos. Os honorários serão suportados por um fundo a constituir pela Ordem dos Notários e alimentado por uma percentagem dos honorários cobrados. Este é um aspeto controverso já que, como numa fase inicial é o cartório a suportar as despesas, muitos notários têm colocado entraves aos processos com apoio judiciário, pondo em causa o andamento dos inventários.

 

 

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Reforma do apoio judiciário


Um ano após a entrada em vigor da nova lei, o processo de inventário continua a apresentar falhas. Além disso, a lei é omissa quanto às questões que obrigam ao envio do processo para tribunal. Ao deixar a decisão nas mãos do notário, cria desigualdades e decisões díspares consoante o profissional. O apoio judiciário é o procedimento que mais carece de revisão. Tal como está criado, implica um esforço financeiro acrescido para os notários, tornando estes processos pouco atrativos. Como resultado, muitos inventários são recusados ou considerados não prioritários, lesando os consumidores que não dispõem de meios para os pagar. A Deco Proteste denunciou, por diversas vezes, a necessidade de a lei do apoio judiciário ser alterada. Irá, por isso, insistir junto da ministra da Justiça para relembrá-la da urgência do tema.

 

 

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Heranças


Da burocracia à decisão em 10 passos

 

1 Atendimento prévio
Reunião, de carácter facultativo, que permite ao notário analisar a situação e verificar se a complexidade do processo obriga à contratação de um advogado. O notário indica os documentos necessários e marca a data para a apresentação do requerimento.


2 Requerimento inicial
O requerente preenche o modelo disponível no portal, indica o cabeça de casal (a quem cabe a administração da herança até á partilha) e submete os documentos necessários digitalizados, entre eles, a certidão de óbito do falecido. Também pode preencher o requerimento no cartório. É ainda preciso pagar a taxa de justiça, de 102 euros, e os honorários.


3 Declarações do cabeça de casal e apresentação da lista de bens
O cabeça de casal entrega a documentação que identifica o autor da herança, o lugar da última residência, a data e o lugar do óbito, e a identificação dos herdeiros, bem como a lista e o valor de todos os bens a inventariar. Caso existam, são apresentados testamentos, convenções antenupciais ou escrituras de doação.


4 Citação dos interessados e eventuais contestações e reclamações
Os herdeiros têm 20 dias para contestar o processo, a legitimidade dos outros interessados, a competência do cabeça de casal ou as indicações fornecidas por este. Podem ainda contestar a lista de bens ou o seu valor. O cabeça de casal tem 10 dias para reagir.


5 Conferência preparatória
Apurados os bens a partilhar, o notário marca a conferência preparatória, para decidir a composição dos quinhões, ou seja, a parte que cabe a cada herdeiro. Os herdeiros podem decidir vender a totalidade ou parte dos bens e repartir o valor. São também reconhecidas as dívidas da herança. Se houver acordo entre os herdeiros, o processo termina aqui.


6 Conferência de interessados
Não havendo acordo quanto à composição dos quinhões, a conferência de interessados ocorre nos 20 dias seguintes. É feita a atribuição dos bens mediante propostas em carta fechada, cujo valor não pode ser inferior a 85% do valor-base dos bens.


7 Partilha
Os herdeiros ou os advogados dos herdeiros são ouvidos sobre a partilha, que é decidida pelo notário nos 10 dias seguintes. O notário elabora o esquema de como será distribuída a herança.


8 Reclamações
Os herdeiros têm 10 dias úteis para reclamar.


9 Sorteio dos lotes (caso haja reclamações)
Resolvidas as reclamações, são sorteados os lotes. Numa urna, é colocado um papel por lote, e cada herdeiro tira um. Depois do sorteio, os herdeiros podem trocar os lotes entre si.


10 Decisão da partilha
O processo segue para o tribunal para ser aprovado pelo juiz. Caso haja herdeiros menores, é revisto primeiro pelo Ministério Público.

 

 

Este artigo foi redigido ao abrigo do novo acordo ortográfico.

 

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