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Inteligência artificial: Investir com a razão no lugar do coração

O setor da inteligência artificial está caro e não se recomenda. Mas, se mesmo assim não resistir aos encantos desta tecnologia revolucionária, a IBM é a aposta mais segura.

26 de Fevereiro de 2019 às 11:00
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O caso insólito da start-up norte-americana Teforia, que lançou no mercado a primeira máquina de chá, ao estilo Nespresso, com inteligência artificial e ligação à internet, ilustra bem o deslumbramento de Sillicon Valley com a tecnologia em geral, e com a inteligência artificial em particular. O desfecho não surpreende: com o preço das máquinas a chegar aos 1000 dólares, para a execução de uma tarefa tão simples e barata, a empresa acabou por falhar rotundamente os objetivos e falir.

Este flop é um exemplo de como a loucura em torno da inteligência artificial pode ser levada aos extremos, apesar do potencial revolucionário do setor. No que toca aos investimentos, há, por isso, que ir com calma e seguir o (antiquado) ditado de não pôr a carroça à frente dos bois. Por um lado, algumas empresas são demasiado recentes, sem provas dadas, representando, por isso, um risco acrescido. Por outro, gigantes como a Microsoft ou a Google, a surfar a onda desta revolução tecnológica que pôs carros sem condutor a circular pelas nossas estradas, estão demasiado caros para investir, como comprovam as cotações ao lado (referentes a 11 de dezembro).

Viagem ao centro da inteligência artificial

Há poucas atividades relacionadas com informação que não sejam afetadas pela inteligência artificial. A sua forma mais elementar é o machine learning, subjacente ao algoritmo do Google que lhe permite "adivinhar" o que um utilizador vai escrever quando faz uma pesquisa, ou o do Netflix, que o leva a sugerir filmes e séries com base nos programas vistos pelo espetador ou por outros utilizadores com gostos semelhantes. Apesar de as empresas ajustarem frequentemente os algoritmos para melhorar os resultados, este é um processo algo mecânico.

Mas, e se o programa pudesse ajustar-se a si próprio? Ou seja, não apenas ir melhorando dentro das diretrizes definidas pelo programador informático, mas ser capaz de mudar essas regras para obter melhores resultados? É aqui que entra uma forma mais evoluída do machine learning: o deep learning, que está a possibilitar avanços como os carros autónomos. Estes modelos, inspirados na arquitetura dos neurónios do cérebro humano, são muito mais complexos.

São ferramentas que se conseguem otimizar continuamente numa tarefa, eventualmente ao ponto de a fazerem melhor do que qualquer ser humano, apesar de não terem a capacidade de se dedicarem autonomamente a um objetivo.

A inteligência artificial pode ser aplicada em ações que envolvam a relação com os seres humanos, como o reconhecimento de voz (provavelmente o seu telemóvel tem essa função), reconhecimento facial e outras medidas biométricas, conseguindo ainda dar vida, por exemplo, a assistentes virtuais para serviços de apoio ao cliente. Também facilita tarefas como o tratamento de informação, interpretando e informatizando textos ou fotografias, e tornando essa informação tratável pelos computadores. Para ficar com uma ideia, no momento em que lê estas linhas, um programa de inteligência artificial do Google está a digitalizar todo o arquivo do The New York Times.

Dados, resmas de dados

Se a inteligência artificial é o motor desta revolução tecnológica, o combustível é a grande quantidade de dados. Quantos mais, melhor.

Empresas como a Google ou o Facebook têm larga vantagem nesta corrida, beneficiando do acesso fácil a enormes volumes de dados. E criando-os, inclusive: os carros autónomos da Google já fizeram milhões de quilómetros em estrada, e muitos mais em simulações computadorizadas, o que permite a esta companhia ser a líder destacada na área da condução autónoma.


Nesta odisseia em direção ao futuro, as empresas europeias podem estar em desvantagem face às congéneres norte-americanas e chinesas, precisamente pelas regras mais restritivas de proteção de dados e privacidade na Europa.

E a China?

Diz-se que a derrota dos melhores jogadores mundiais do jogo chinês Go pelo programa da Google que foi capaz de aprender a jogá-lo - o AlphaGo - levou os responsáveis políticos chineses a considerarem a inteligência artificial uma prioridade estratégica nacional. Mito ou realidade, o certo é que a China está a mobilizar para esta arena consideráveis recursos. Há empresas chinesas muito avançadas neste campo, apesar de gozarem entre nós de uma visibilidade muito menor do que as concorrentes americanas. Ainda assim, vale a pena manter debaixo de olho a Baidu (a "Google chinesa"), que parece ter os requisitos necessários de tecnologia, talentos e dados para alimentar a inteligência artificial. Parece-nos também em vantagem relativamente às outras duas grandes referências chinesas da internet, a Alibaba (que tem uma grande participação na chinesa SenseTime, apontada como uma das start-ups de inteligência artificial mais valiosas do mundo) e a Tencent.

O cenário é promissor, mas considerando a instabilidade provocada pela guerra comercial de Trump, de momento, não recomendamos a compra destas ações chinesas.

Investimento não muito inteligente

Está visto que (para já) o negócio não é na China. Serão os colossos norte-americanos dignos dos seus investimentos? Vamos por partes...

Comecemos pela empresa mais valiosa do mundo, a Microsoft. Líder na investigação em inteligência artificial, a sua estratégia tem passado por incorporar esta tecnologia nas suas plataformas, em particular na cloud Azure (dirigida a empresas). Isto permite-lhe oferecer aos clientes ferramentas prontas a usar, ou que podem ser facilmente customizadas. A inteligência artificial é, aliás, um trunfo na guerra com os outros grandes fornecedores de serviços na nuvem, como a Amazon e a Google.

Embora a visão do CEO, Satya Nadella, para a empresa tenha sido inicialmente criticada, a verdade é que a Microsoft está a dar cartas a quase todos os níveis, e não apenas na inteligência artificial. Apesar de a empresa não ter escapado à correção de outubro, o mercado reconhece as suas qualidades. Ora, este sucesso é precisamente o que afasta as ações da empresa do radar dos investidores. A valorização da Microsoft é tão elevada que, apesar das boas perspetivas, não podemos recomendar a compra aos valores atuais. Se já tem, mantenha em carteira.

Outro dos líderes reconhecidos na inteligência artificial é a Alphabet, dona da Google. A companhia é possivelmente uma das que aplica a inteligência artificial a mais áreas, possuindo dados suficientes para alimentá-las. Esta tecnologia está presente nas previsões do seu motor de busca, em plataformas como o YouTube, no Google Translate, que deu um enorme salto qualitativo graças ao deep learning, nos serviços de cloud, na condução autónoma, onde é a número um... E por aí fora. No entanto, tal como referimos no artigo sobre condução autónoma (edição de setembro), a enorme dimensão da Google faz com que não seja muito adequada se o que pretende é apostar numa área de negócio específica, ainda que a inteligência artificial esteja subjacente a muitas das suas atividades. E tem o mesmo problema da Microsoft: está demasiado valorizada. Por isso, o conselho repete-se: pode manter, mas não comprar.

Mas...

Quer isto dizer que os gigantes tecnológicos estão proscritos dos seus investimentos?

Percebemos o apelo deste setor, pelo que, se quer mesmo investir em inteligência artificial, recomendamos a IBM. Apesar de ser também ela um gigante, é, em certos aspetos, a antítese da Microsoft e da Google. Enquanto estas são as líderes tecnológicas do presente e as mais bem posicionadas para o futuro, a IBM carrega o peso da sua longa história. E de facto, o seu negócio tradicional de hardware (principalmente, supercomputadores) tem vindo a encolher, tanto em termos de vendas como de margens. Mas a "big blue", como é conhecida, reconheceu este risco e está a fazer uma transição para áreas de maior crescimento, que definiu como "imperativos estratégicos". Estes incluem, em primeiro lugar, a cloud , a blockchain, a cibersegurança e a inteligência artificial (peça central do seu segmento Cognitive Solutions, através da plataforma Watson). Em três anos, estes segmentos passaram de menos de 25% para quase metade das receitas da IBM. Mas nem tudo são rosas. Apesar do seu peso no volume de negócios, estes novos segmentos não têm apresentado, contudo, resultados substanciais nem o rendimento que se antecipava no momento das aquisições. Mais recentemente, para reforçar a aposta na cloud , comprou a Redhat a um preço muito elevado, o que aumentou o risco.


Por estes motivos, a IBM negoceia a preço de saldo, com rácios invulgarmente baixos para o setor tecnológico. Como tal, pode bem ser uma das suas poucas hipóteses de ganhar exposição a tecnologias promissoras a um preço razoável. Mas sempre numa ótica de longo prazo. A curto e médio prazo o risco é acrescido.

Demasiado cedo para os fundos

Allianz Global Artificial Intelligence. Para já, mantenha-se afastado deste fundo. Se já investiu, então, o melhor é vender. Como pode ver na página 27, no último ano, ganhou 7,5%, abaixo dos 11,9% registados pelo MSCI World Information Technology, índice de referência para o setor tecnológico. Mas o seu curto histórico (foi lançado em março de 2017) não permite tirar grandes conclusões sobre o seu desempenho. Além disso, a definição da política de investimento é tão ampla (investe em qualquer empresa cuja atividade esteja relacionada com inteligência artificial), que acaba por não conseguir distinguir-se de tantos outros fundos dedicados à tecnologia. Ou seja, apesar de querer colar-se a uma tendência específica, não permite fazer investimentos muito focados. Mas há mais calcanhares de Aquiles: empresas como a Microsoft, a Alphabet, a IBM e a Baidu, líderes nesta área, não constam das principais posições, apesar de estarem na carteira do fundo. Há ainda uma grande exposição a fabricantes de semicondutores (chips para computadores), com a Nvidia à cabeça. Uma aposta pouco compensadora, se pensarmos que empresas como a Apple, a Alphabet, a Tesla e o Facebook começam a desenhar os seus próprios chips customizados para a inteligência artificial.


"Robô, investe por mim"

Investir em empresas que, de algum forma, utilizam inteligência artificial é uma coisa. Mas, e se puder fazer investimentos com a ajuda dessa tecnologia?

O fundo alemão ACATIS AI Global Equities utiliza ferramentas de inteligência artificial para selecionar ações dentro de um universo preestabelecido, com base em dados fundamentais das empresas (lucros, valor contabilístico, cash-flows, etc.). Mas, por melhores que sejam os algoritmos utilizados, os resultados estarão sempre condicionados pela qualidade dos inputs com que o programa é alimentado. E esse é um trabalho que (ainda) cabe aos analistas de carne e osso.

Sendo um fundo que investe sem grandes restrições, não é possível retirar grandes conclusões sobre a carteira, que apresenta uma distribuição algo convencional. Este fundo tem igualmente uma existência muito curta: nasceu há um ano apenas. Neste período, perdeu 1,2%, enquanto o índice de referência MSCI World ganhou 6 por cento. Não foi um bom início, mas é prematuro tirar conclusões. Ainda assim, é inegável, é um fundo sem provas dadas. Por isso, para já, não invista.

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