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De anfitrião a senhorio

É a única saída para quem quer desistir do alojamento local e evitar o pagamento de uma mais-valia que a Deco Proteste considera injusta. Saiba o que muda para quem transita para o arrendamento.

29 de Setembro de 2020 às 11:00
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Sem os turistas estrangeiros que a pandemia levou, o mercado de alojamento local sofre um forte revés, que assume maiores proporções nos dois principais centros urbanos do país - Lisboa e Porto. Para quem fazia do acolhimento de hóspedes um modo de vida, os dias têm sido de angústia, pelo que já perderam e pelo que não sabem se é possível voltar a ganhar.

Na incerteza, muitos pensam em desistir e se mais não o fazem, por enquanto, é porque sabem que sobre as suas cabeças pende a espada de um pagamento absurdo, em forma de imposto, que lhes será cobrado assim que tirarem a casa desta atividade. A lei prevê que 95% da valorização dos imóveis durante o período em que estiveram afetados a alojamento local seja adicionado aos rendimentos do proprietário no ano da desafetação. Na prática, além de saberem que um dia, se venderem o imóvel, 50% da valorização obtida desde a aquisição da casa está sujeita a imposto, os titulares de alojamento local estão também obrigados a pagar uma segunda mais-valia, logo que cessarem a atividade e reintegrarem a casa no seu património pessoal. Mesmo que precisem dele para a sua própria habitação.

Nova lei cria nova injustiça

Alertado há muito para a bizarria da situação, o Governo predispôs-se a rever a lei, mas o Orçamento do Estado para este ano acabou por trazer uma surpresa. Para não pagarem mais-valias sobre a valorização do imóvel durante o tempo de afetação à atividade, os titulares de um alojamento local têm de transitar de imediato o seu imóvel para o mercado de arrendamento, tal como já estava previsto na lei, mas este tem de por lá permanecer durante, pelo menos, cinco anos seguidos. Uma condição da qual a Deco Proteste discorda em absoluto, por se aplicar, de forma cega, a todos os proprietários, sem levar em conta o grau de disponibilização e os rendimentos obtidos. Não faz sentido que o dono de uma casa de férias, que ao longo dos últimos anos a tenha disponibilizado para hóspedes durante um ou dois meses de verão, pague imposto sob a mesma bitola que se aplica a outro contribuinte que explora uma mão-cheia de alojamentos a tempo inteiro.

Senhorios quase à força

Para quem está disposto a cumprir a condição imposta pelo Governo, há todo um mundo novo para descobrir, agora na pele de senhorios: cauções, cobranças e recibos mensais, cartas de não-renovação de contratos e benefícios fiscais que variam consoante a duração do arrendamento.

Não é difícil perceber que a condição criada pelo Governo procura forçar a dinamização do mercado de arrendamento, que tanto precisa. O previsível aumento da oferta deverá empurrar para baixo os preços das rendas nas grandes cidades, mas a virtude do objetivo é concretizada à custa de proprietários que, em boa verdade, nunca tinham deixado de ser donos das suas casas e que estão a ser chamados a pagar por continuarem a ser seus proprietários. A medida, que já era antiga, aplicava-se, com naturalidade, ao contexto empresarial, mas foi cegamente decalcada para todo o mercado de alojamento local, onde muitos particulares haviam procurado um rendimento complementar, pagando, naturalmente, impostos sobre os lucros obtidos. A indignação persiste. A reivindicação, essa, continua com a voz da Deco Proteste.


1. Burocracia inicial

Contrato comunicado às Finanças
O arrendamento tem de ser celebrado por escrito, assinado por ambas as partes (e fiadores, se houver) e comunicado às Finanças pelo senhorio. Pode fazê-lo através do Portal das Finanças (www.portaldasfinancas.gov.pt), seguindo Cidadãos > Serviços > Arrendamento > Contratos > Comunicar Início. É também ao senhorio que compete o pagamento do imposto de selo, de valor correspondente a 10% de uma renda mensal.

Mediação
Tal como é possível recorrer a plataformas de alojamento local para encontrar hóspedes, também pode "entregar" o seu imóvel a uma mediadora imobiliária, para que esta procure um inquilino. Se o negócio for bem-sucedido, terá de remunerar a agência com o equivalente, em regra, a um mês de renda.

Recibos de rendas eletrónicos
Por cada renda cobrada ao inquilino, é necessário emitir um recibo eletrónico, através do Portal das Finanças. Se o inquilino for particular, não há retenção na fonte. Se for uma empresa, o senhorio só tem de fazer retenção na fonte de 25% se o valor anual das rendas ultrapassar 10 mil euros. Os senhorios que tinham mais de 65 anos a 31 de dezembro de 2018 não estão obrigados à emissão eletrónica, podendo passar recibos em papel, desde que comuniquem, através do modelo 44 e até janeiro do ano seguinte, o total de rendas recebidas ao longo do ano.


2. Benefícios fiscais e IRS

Contratos de longa duração com benefício
Beneficiam de uma redução no IRS os senhorios que tenham assinado contratos de arrendamento com duração igual ou superior a dois anos. Em vez da habitual taxa de 28% de imposto sobre as rendas recebidas, o senhorio vê a taxa descer 2% logo no primeiro contrato, continuando a descer mais 2% a cada renovação, até ao limite da taxa mínima, que é de 14 por cento. Se os contratos tiverem duração superior a cinco anos, a taxa de imposto baixa de imediato para os 23%, voltando a cair mais 5% em cada renovação seguinte por igual período, até ao limite de 14 por cento. Nos contratos com duração superior a dez anos, o senhorio beneficia logo da taxa mínima de 14% e se, porventura, o contrato for celebrado por prazo superior a 20 anos, as rendas recebidas beneficiam de uma taxa excecional de dez por cento.

Preencher o IRS
As rendas recebidas em cada ano têm de ser declaradas no IRS do ano seguinte, no anexo F.

Despesas dedutíveis
Os senhorios podem deduzir no IRS os encargos com quotas de condomínio, seguros de incêndio e de partes comuns, IMI, taxas autárquicas, serviços de limpeza e de manutenção, reparação e pinturas interiores ou exteriores. Pode também deduzir despesas com obras feitas nos 24 meses anteriores ao início do arrendamento.


3. Arrendamento acessível

Isenção de IRS e rendas 20% abaixo do valor de mercado
Os senhorios com imóveis disponíveis para arrendar podem optar por inscrever a sua casa no Programa de Arrendamento Acessível, através da plataforma paa.portaldahabitacao.pt. Terão de praticar rendas 20% abaixo do valor de referência para cada habitação e contratar um seguro obrigatório para proteção de rendas, que será acionado em caso de falha de pagamento do inquilino. Em contrapartida, o senhorios beneficiam de isenção de IRS sobre o valor das rendas recebidas (ver entrevista à secretária de Estado da Habitação, Ana Pinho, na página 32).

Duração mínima
Os contratos para habitação permanente têm a duração mínima de cinco anos, renovável por acordo entre as partes. Para residência temporária destinada a estudantes do ensino superior, o contrato não pode ser inferior a nove meses.

Liberdade de decisão
A inscrição no Programa de Arrendamento Acessível não obriga à celebração de qualquer contrato. Perante eventuais propostas recebidas, os senhorios têm sempre a última palavra na aceitação do inquilino, tal como acontece fora do âmbito do programa. A casa pode estar simultaneamente disponível no mercado imobiliário tradicional, indicando, no anúncio, que também está inscrita no Programa de Arrendamento Acessível.



4. Pôr fim ao contrato

Cessar a atividade de alojamento local
É através do Balcão Único Eletrónico, disponível no portal ePortugal.gov.pt, que o titular de uma licença para exploração de alojamento local pode pôr um ponto final nesse negócio. O processo é gratuito. Dispõe, depois, de dez dias para comunicar o cancelamento do registo a todas as plataformas onde disponibilizou o imóvel.

Renovação do contrato
Se as partes não decidirem em contrário, os contratos de arrendamento renovam-se automaticamente por períodos iguais e sucessivos. Nos primeiros três anos do contrato, o senhorio só pode opor-se à primeira renovação se necessitar da casa para si ou para os seus filhos.

Contrato não renovado
Para avisar o inquilino de que não pretende renovar o arrendamento, há que enviar uma carta registada, com aviso de receção, a dar conta dessa intenção: se o contrato tiver duração inferior a seis meses, a antecedência mínima é de um terço da duração do vínculo; para arrendamentos iguais ou superiores a seis meses e inferiores a um ano, a antecedência mínima é de 60 dias; nos contratos com duração igual ou superior a um ano e inferior a seis anos, deve comunicar a sua intenção com 120 dias de antecedência, no mínimo; e nos contratos por períodos iguais ou superiores a seis anos, o aviso deve ser enviado com, pelo menos, 240 dias de antecedência.


5. Mais-valias por desafetação

Cessar o alojamento local sem arrendar
Quem opta por pôr fim ao negócio de alojamento local e desafetar o imóvel dessa atividade, tem de o indicar na declaração de IRS do próximo ano, comunicando também o valor que lhe é atribuído à data da desafetação. Nessa altura, irá adicionar aos seus rendimentos 95% da diferença entre o valor do imóvel à data da desafetação e o valor que o mesmo tinha na altura em que foi afetado à atividade. Por exemplo, se o imóvel valia 100 mil euros à data da afetação e 150 mil euros à data da desafetação, 95% dessa diferença (no caso, 95% de 50 mil euros, ou seja, 47 500 euros) serão somados aos rendimentos declarados no IRS.

Cessar o alojamento local e arrendar por cinco anos consecutivos
A partir deste ano, quem abandonar a atividade de alojamento local e transitar diretamente para o mercado de arrendamento, assumindo o papel de senhorio durante, pelo menos, cinco anos seguidos, deixa de estar sujeito ao pagamentos das mais-valias da categoria B indicadas no ponto anterior.

Desafetar e vender
Se o imóvel for desafetado e vendido em seguida, há duas mais-valias a adicionar aos rendimentos a declarar no IRS do próximo ano. Uma da categoria B (explicada no primeiro ponto) e outra da categoria G, correspondente à diferença entre o valor da casa à data da afetação e o valor que tinha quando foi comprada, doada ou herdada.


Consumidores exigem
Eliminar mais-valias injustas sem condições

É meritória a intenção de dinamizar o mercado de arrendamento, sobretudo nos grandes centros urbanos, onde a escassez de oferta tem feito subir os preços das rendas. Mas não é justo fazê-lo com base numa medida cega, que se aplica de forma homogénea a todos os particulares que exploram alojamentos locais, penalizando injustamente quem daqui retira um mero rendimento complementar, feito de alojamentos pontuais em casas da família. Se o imóvel tiver valorizado exponencialmente nos últimos anos, como aconteceu a muitas habitações em Lisboa e no Porto, a medida pode chegar ao absurdo ponto em que a mais-valia cobrada pelo Estado é superior ao rendimento que a família obteve dos hóspedes que acolheu.

Ao impor uma condição para o acesso à isenção de mais-valias da categoria B referentes ao período de afetação dos imóveis à atividade de alojamento local, o Governo acabou por criar um novo problema, que desvirtua o mercado. É que muitos proprietários já desistiram deste negócio, mas mantêm a licença em vigor só para não desafetarem a casa à atividade e não lhes ser cobrada a mais-valia. Por não quererem ou não poderem disponibilizar o imóvel para arrendamento, acabam por ocupar desnecessariamente licenças que, em zonas de contenção, são limitadas. E não é assim que o mercado de arrendamento vai ganhar novo fôlego.

Porque a Deco Proteste considera injusta indiscriminada de mais-valias da categoria B a todos os contribuintes particulares que tenham explorado um alojamento local, vai enviar esta reivindicação aos grupos parlamentares, para que o assunto volte a ser discutido na Assembleia da República.
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