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Delfim Sardo: "Não há uma cultura de coleccionismo empresarial"

As empresas nacionais ainda não encaram a arte como um investimento. A lei em vigor também não incentiva nesse sentido, defende o curador Delfim Sardo. É aos privados que tem cabido a dinamização do mercado português.

Bruno Simão
09 de Novembro de 2015 às 00:01
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"O mercado institucional de arte em Portugal está completamente exaurido e muito parado em termos de mercado público. O que quer dizer que tem sido um mercado de particulares, de individuais".

Delfim Sardo, director artístico do projecto Gabinete, ainda se espanta com as colecções privadas de arte contemporânea que vai encontrando no país. "É absolutamente surpreendente. São indivíduos que têm perspectivas muito claras sobre o que estão a comprar".

É uma nova realidade, numa altura em que as empresas apostam cada vez menos em arte. "Não há uma cultura de coleccionismo empresarial. São raras as empresas que têm colecções assinaláveis". No mundo, o espectro é mais alargado. Basta ver o exemplo da moda. Em Portugal, a banca assume a função.

"São as empresas financeiras que têm escala para esse tipo de intervenção". A título de exemplo contam-se as colecções da Caixa Geral de Depósitos e do Millennium BCP (com as respectivas fundações) ou a colecção de fotografia do Novo Banco. Casos raros "num país que já teve tradição de algum coleccionismo empresarial". O curador refere a petrolífera BP, que realizou das primeiras exposições abstraccionistas em Portugal.

"Hoje em dia essa tradição não existe. Acho que tudo é espoletável a partir dos interesses individuais. Para as empresas não é só uma questão estratégica, mas de os seus líderes terem uma apetência específica". Tudo depende desta contaminação para avançar.

Urge que a consciência seja feita a uma escala mais profunda. "Trata-se aqui de uma forma muito eficaz de geração de valor. Não só de valor económico e simbólico. É as empresas compreenderem que na aquisição de obras estão a encontrar entrosamentos com o tecido social", explica.

Para Delfim Sardo é preciso repensar toda a questão fiscal. A lista é ampla: mecenato, direito sucessório ou lei das dações. "Não é pelos benefícios fiscais do mecenato que as empresas investem em cultura. Tanto é que preferem a figura do patrocínio ao do mecenato."

Só assim se desenvolverá o mercado da arte em Portugal, bem como os projectos que actuam neste sector. O director artístico do Gabinete, aberto em Abril no Príncipe Real, acredita que "é muito saudável que o negócio das galerias se faça em microescalas". "Há uma atenção e um cuidado que a grande escala tem tendência a normalizar ou a congelar. Os mais pequenos são mais flexíveis, entusiasmantes, interessantes".

Nem sempre a relação é pacífica, mas não se pode dar de outra forma. "O mundo da arte em relação ao capital tem uma certa ambivalência: critica-o porque senão não é arte, mas depende de haver investimento em arte para se sustentar. Faz parte das contradições humanas". Da natureza da arte.

Mercado europeu de arte em retrato
Os dados mais recentes, no estudo "Creating Growth: Measuring cultural and creative markets in the EU", remontam ao final de 2014 e demonstram a dimensão das Indústrias Culturais e Criativas na União Europeia. Com uma receita de quase 536 mil milhões de euros, o sector contribui para 4,2% do Produto Interno Bruto europeu. As Artes Visuais são as que ocupam maior peso, gerando receitas de quase 128 mil milhões de euros. Seguem-se a publicidade e a televisão, ambas na casa dos 90 mil milhões.

O sector da cultura e criatividade é o terceiro maior empregador da União Europeia, a seguir à construção e actividades de alimentação e bebidas. Segundo os dados comunitários, sete milhões de europeus estão directa ou indirectamente empregados em actividades culturais e criativas.As Artes Visuais são a segunda área a empregar mais gente, com cerca de 1,23 milhões de pessoas. Seguem, de perto, as artes performativas, a líder neste indicador. A música também dá trabalho a mais de um milhão de pessoas na União Europeia.


Tendências

Gabinete: pequeno mas múltiplo
Três amigos de longa data e um novo projecto inaugurado em Abril deste ano, em pleno Príncipe Real. No Gabinete, o foco são os múltiplos em séries exclusivas e limitadas. Para democratizar a arte.


A afirmação dos múltiplos na arte
O múltiplo permite um "lado de democratização da possibilidade da posse do objecto artístico". Primeiro na gravura, depois noutras modalidades. Em Portugal, "este lado do múltiplo foi muito pouco trabalhado". Tiragens gigantes e pouco cuidadas aumentaram a desconfiança dos compradores nacionais. O Gabinete quer contrariar essa tendência. "Só tem sentido se esse objecto tiver o mesmo cuidado, importância e lado precioso que tem a peça única. A democratização só tem sentido se se democratizar coisas excepcionais", posiciona Sardo.


A apetência artística multiplicadora
Sempre foram produzindo, mas a apetência dos artistas pelos múltiplos é "crescente" nos últimos anos. O Gabinete está focado nos criadores nacionais nesta sua primeira fase, "mas não vai ficar por aí". "Há uma grande preocupação com artistas que achamos de excelência", reconhecidos em vários pontos do globo. Os novos talentos também têm o seu lugar neste espaço artístico. Sempre com a triagem de Delfim Sardo e da sua equipa.

Dos compradores atentos aos outros
Os compradores estrangeiros são um público "muito importante", aproveitando-se aqui o facto de não existir uma resistência cultural em relação aos múltiplos. Franceses, ingleses e brasileiros destacam-se. "É preciso fazer um percurso de consolidação para Portugal ser um mercado de compra de arte interessante", diz Sardo. O Gabinete tem recebido um público "muito curioso, informado e sofisticado". Há novas metas: "a nossa missão é passar desse primeiro público atento para um mais alargado".

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