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Preço da venda da ANA ficou 71 milhões abaixo do oferecido pela Vinci e aceite pelo Estado

Uma auditoria do Tribunal de Contas arrasa a privatização da ANA, levada a cabo em 2012, ao concluir que a avaliação da empresa foi "intempestiva" e que não foi maximizado o encaixe financeiro nem salvaguardado o interesse público.

Os valores propostos para 2023 apresentam acréscimos por passageiro de 1,53 euros em Lisboa.
João Relvas/Lusa
05 de Janeiro de 2024 às 20:00
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A privatização da ANA-Aeroportos "não salvaguardou o interesse público" e não foi "maximizado o encaixe financeiro" com a venda das ações da concessionária dos aeroportos nacionais à Vinci.

Estas são duas das conclusões do Tribunal de Contas (TdC) na auditoria à privatização da ANA - decidida em 2012 pelo Governo de Pedro Passos Coelho -, onde sublinha ainda que o preço da venda (1.127,1 milhões) acabou por ser 71,4 milhões de euros inferior ao oferecido pelo grupo francês e aceite pelo Estado (1.198,5 milhões).

Isto porque o Estado "concedeu à Vinci os dividendos de 2012, quando a gestão da ANA ainda era pública", no valor de 30 milhões de euros, e "suportou o custo financeiro da ANA para cumprir o compromisso assumido no contrato de concessão", ou seja, os juros, comissões e impostos, no valor de 41,4 milhões, pagos pelo empréstimo de 800 milhões contraído pela empresa para fazer face a primeira prestação do pagamento inicial pela concessão.

O tribunal sublinha ainda que foi já no decurso do processo de privatização que o Estado acordou pagar 286 milhões de euros ao município de Lisboa como compensação pelo seu reconhecimento do direito de propriedade sobre a totalidade dos terrenos do aeroporto de Lisboa.

E que pagou também 80 milhões de euros à Região Autónoma da Madeira pela cessão, por 50 anos, da utilização, gestão e exploração dos bens do domínio público aeroportuário regional.


"Com as contrapartidas obtidas e sem evidência robusta de a proposta técnica ser a melhor, materializou-se o risco de sobreavaliação da oferta da Vinci", conclui.


Avaliação foi "intempestiva"

Para o TdC, "a urgência em concluir a privatização fez iniciar e aprovar o processo sem todas as condições necessárias à sua regularidade, transparência, estabilidade, equidade (igualdade de oportunidades para todos os potenciais investidores) e maximização do encaixe financeiro".

A somar a isso, acrescenta, "a avaliação intempestiva da ANA não supriu a sua falta de avaliação prévia, que era legalmente exigível".

O tribunal diz que a empresa "veio a ser objeto de avaliação pelo Banco de Investimento Global (BIG) mas o respetivo relatório é de 21/12/2012, quando o processo de privatização tinha sido iniciado em 7/9/2012 e aprovado em 29/10/2012, não se tratando da avaliação prévia legalmente exigível". Nessa avaliação ao grupo ANA, a instituição financeira estimou o seu valor global (entreprise value) entre 2.180 e 2.495 milhões de euros e o dos seus capitais próprios entre 1.611 e 1.936 milhões.


No relatório divullgado esta sexta-feira, o TdC recorda que, a 14 de dezembro de 2012, a Vinci apresentou a sua oferta pela ANA, com um preço de compra de 1.198,5 milhões pelo valor resultante da dedução ao valor global oferecido (3.080 milhões), do pagamento inicial pela concessão (1.200 milhões), da dívida financeira da ANA em 30 de junho de 2012 (637,4 milhões) e de outras responsabilidades assumidas (44,1 milhões).

Mas salienta que a "oferta vinculativa da Vinci sobre o valor global superou em 638 milhões a segunda oferta mais elevada e em 580 milhões a sua própria oferta não vinculativa", que tinha sido de 2,5 mil milhões.

No entanto, critica que antes "tenha ocorrido a negociação de termos e condições do contrato de concessão, através do qual a regulação económica do serviço público concessionado passa da lei para anexo contratual, o prazo da concessão é por 50 anos, prorrogável, e a proposta de novo aeroporto de Lisboa é direito exclusivo da concessionária".

Portugal é dos poucos na UE que decidiu venda integral

"O Estado privilegiou o potencial encaixe financeiro com a venda da ANA no curto prazo, em detrimento do equilíbrio na partilha de rendimentos com a concessão de serviço público aeroportuário", atira o TdC, salientando que "o Estado decidiu a venda integral da ANA em contexto adverso (com urgência, em situação recessiva)", ao contrário da maioria dos países da União Europeia (UE).
  

Em 2010, refere o relatório, dos 306 aeroportos da UE, 237 (77%) eram geridos por entidades públicas, 43 (14%) por entidades com capitais mistos e 26 (9%) por entidades privadas. E em 2016, dos 355 aeroportos na UE, 189 (53%) continuavam a ser geridos por entidades públicas, sendo que além de Portugal só mais 3 países (Chipre, Hungria e Eslovénia) tinham todos os seus aeroportos entregues a entidades privadas.

"Tal decisão aportou risco material, designadamente para a regulação do setor, dado o contexto de monopólio em que a ANA opera", frisa.

O TdC considera ainda que neste processo "o Estado foi lento em aprovar ‘o regime de salvaguarda de ativos estratégicos essenciais para garantir a defesa e segurança nacional e a segurança de aprovisionamento do país em serviços fundamentais para o interesse nacional’, mas lesto a promover a privatização da ANA sem esse respaldo legislativo".

Na auditoria, que foi pedida pela Assembleia da República, o tribunal aponta o dedo ao Governo de Passos Coelho ao considerar que a privatização da ANA comportou "a concessão de um monopólio fechado por 50 anos num setor estratégico para a economia do país, com desperdício da oportunidade de introduzir os benefícios da concorrências".

Mas critica também os Executivos que se seguiram, ao concluir que "a falta de controlo público evidenciada no processo de privatização prolongou-se durante a primeira década da ANA privada".

Isto devido "à falta de acompanhamento apropriado da gestão dos contratos de concessão de serviço público aeroportuário e à falta de controlo da receita pública proveniente da concessão de serviço público".

O tribunal aponta igualmente o dedo à omissão nas contas públicas da receita das taxas aeroportuárias "em desrespeito pela Lei Geral Tributária e pelos princípios orçamentais" e diz que a falta de controlo público sobre a partilha de receita é "lesiva do interesse público, com impacto nos valores a receber da concessionária".

Entre as recomendações que faz, o TdC diz ao Governo que deve "atribuir a gestão dos contratos de concessão de serviço público aeroportuário a entidade pública habilitável e habilitada para o efeito (o que não é o caso da ANAC)" e assegurar "mecanismos adequados de partilha de riscos, de responsabilidades e de benefícios económicos e financeiros com parceiros privados".

Como é procedimento normal nestas auditorias, foi enviado ao procurador-geral adjunto o relatório, no âmbito do qual foram ouvidos em contraditório os Ministérios das Finanças e Infraestruturas, a ANAC, a Parpública e a ANA.

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