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Este é aquele lado de um Portugal que brilha, mas de que poucos conhecem o fulgor. Há PME lusas que estão a conquistar clientes como o Vaticano e a atenção de publicações como a "Vanity Fair" - a maioria dos portugueses é que...

23 de Abril de 2009 às 15:35
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Este é aquele lado de um Portugal que brilha, mas de que poucos conhecem o fulgor. Há PME lusas que estão a conquistar clientes como o Vaticano e a atenção de publicações como a "Vanity Fair" - a maioria dos portugueses é que não anda atenta. Aviso à navegação: esta história mete religião, videojogos, televisão e alguma fome

Gameinvest, Farportugal, Máquinas de Precisão ou Damar diz-lhe alguma coisa? É que a Nintendo, o Vaticano, a BBC e a "Vanity Fair" são capazes de ter algo a dizer sobre eles.

Há um Portugal lá fora que é mais do que Mourinho e Ronaldo: Damar, Máquinas de Precisão, Far e Gameinvest são quatro pequenas empresas reconhecidas além-fronteiras - seja pelo protagonismos dos seus clientes directos e indirectos ou pelo destaque que a imprensa internacional lhes reserva -, mas que dizem muito pouco à maioria dos portugueses. E há aqui histórias boas para contar.

Veja-se esta. Há uns meses, a Gameinvest preparava-se para lançar um jogo, em que o objectivo é ajudar uma enfermeira a gerir a sala de urgências de uma unidade hospitalar. O jogo esteve para se chamar "Sarah's Emergency Room", mas a Gameinvest recebeu de imediato um contacto de um advogado de uma empresa americana, a Legacy Enternainent, a proibi-lo. E porquê? É que esta empresa dos "states" tinha os direitos sobre a série "Emergency Room" ("Serviço de Urgência" na versão portuguesa, a série que lançou George Clooney para o estrelato) e não queria confusões.

Posto isto, a portuguesa Gameinvest não estava numa de tribunais: abandona a designação "Sarah's Emergency Room" e opta por "Hospital Hustle". Lançou o jogo para PC Download (é daqueles que se descarregam a partir de "net"), jogo esse que terá uma versão para a Nintendo Wii e para a Nintendo DS. Pelo meio, o advogado da Legacy Enternainment voltou a contactar a Gameinvest, a dizer que os americanos gostaram muito do jogo (o Hospital Hustle esteve no 'top' 10 dos principais portais) e que estavam interessados em ter uma reunião de negócios com os portugueses. Essa reunião já aconteceu e pode vir aí uma parceria a caminho.

"Um eventual processo legal transformou-se numa oportunidade de negócio", diz Mariana Cardoso, directora-geral da Gameinvest, que está a preparar agora um jogo para a Xbox Live Arcade. E como é que uma empresa que chega a plataformas da Microsoft ou da Nintendo não é daquelas que andam pelos jornais portugueses com mais frequência?



Teatro, tv e máquinas

O mundo digladiava-se pela segunda vez numa grande guerra quando a Máquinas de Precisão nasceu. Com altos e baixos na sua actividade - a empresa esteve para fechar em algumas alturas -, a engenharia cénica acabou por ser o fôlego decisivo na vida desta empresa. E que história é esta de engenharia cénica? Simples: quando for ao teatro e vir um palco a mexer, por exemplo, muito provavelmente será devido à intervenção da maquinaria destes lisboetas. Já agora, caso um dia veja uma transmissão da BBC a partir dos estúdios de Glasgow, fique também a saber que há ali Máquinas de Precisão. Ou seja, muito do que mexe na TV ou no teatro desse mundo fora tem intervenção lusa. Ah, eles agora vão entrar pelo "rock". Isto, sim, é vida.














Máquinas de Precisão
Ano de criação: 1941
Sede: Lisboa
Área de actividade: engenharia cénica
Número de colaboradores: 20 (directos)
Volume de negócios: 4,5 milhões (80% lá para fora)
Feito: Estúdio da BBC, em Glasgow



"Nesta fase, apostamos na divulgação lá fora. Contratámos uma empresa de comunicação nos Estados Unidos, para garantir informação permanente nos 'media' sobre o que fazemos. A nossa estratégia de comunicação está virada lá para fora. Mas estamos a pensar em reforçar a nossa comunicação cá dentro", conta Mariana Cardoso.

Gameinvest: já lhe diz mais qualquer coisa? Eles fazem videojogos de Lisboa para o mundo e esperam facturar 1,7 milhões de euros este ano.

20 milhões de terços
Agora, negócios santos. Nos idos anos 20, após as aparições de Fátima, o avô de Hélio Henriques (o nosso guia nesta história será Hélio Henriques, mas vamos passar pelo avô e pelo pai) começou a fazer terços, recorrendo a matérias-primas como o caroço da azeitona e a alfarroba. Anos mais tarde, os habitantes da aldeia do Sobral, de onde era natural o desenrascado avô, juntaram-se e abriram uma fábrica para fazer terços. Afinal, estando no concelho de Ourém, Fátima era já ali.

Na década de 70, o pai de Hélio Henriques, até então gerente da fábrica da aldeia, decide criar o seu próprio projecto e encontra mais dois sócios. Os terços continuam a ser a essência da produção, aos quais se junta mais tarde o fabrico de imagens.

Nos anos 90, a família Henriques passa a detentora única do projecto e refunda a fábrica, que se passa a chamar Farportugal. Numa história que começou pelo avô, tinha chegado a hora dos netos, com Hélio Henriques à cabeça. E até onde chegou esta Farportugal, cujas raízes remontam aos anos 20 numa pequena aldeia deste recanto luso?

Chegou bem longe. Com armazéns em cidades como São Paulo, a empresa produz cerca de um milhão de terços por ano, todos feitos à mão. Entre os clientes, que vão da Ásia à Oceânia, encontramos o que todos querem nesta área de negócio - o Vaticano.



Nas páginas da "Vanity Fair"

O que é um queijo charmoso? Para a "Vanity Fair", por exemplo, é o Queijo Amarelo da Damar. Ainda ninguém sabe ao certo como é que os americanos chegaram a este produto português feito nos recantos dos montes da Beira Baixa, mas o facto é que a Damar acabou por saltar para umas páginas dadas aos luxos e extravagâncias do lado de lá do Atlântico. Daniel Amarelo, senhor de um sorriso orgulhoso nos dias que correm, também foi apanhado de surpresa quando soube que a sua Damar chegou a um píncaro que vale a pena. Mas há uma mágoa que ele afoga nas delícias do seu queijo: ele quer ter mais algum reconhecimento entreportas. Já esteve mais difícil.

Damar
Ano de fundação: 1989
Sede: Fundão
Área de actividade: produção de queijo
Número de colaboradores: cerca de 50 (directos)
Volume de negócios: superior a dois milhões de euros (30% lá para fora)
Feito: Queijo Amarelo da Beira Baixa, um dos produtos da empresa, foi distinguido pela revista "Vanity Fair" como um dos "queijos do momento".



"É um orgulho chegar ao Vaticano e ver lá o nosso trabalho a comover as pessoas. É especial", diz Hélio Henriques, sócio-gerente da Farportugal que um dia conheceu um americano cheio de fé. "Uma vez, numa feira, um americano gostou tanto do nosso trabalho que nos encomendou 20 milhões de terços para ser entregues dali a seis meses. Isto iria demorar 20 anos", conta Hélio Henriques, que explica que a produção terá que se manter artesanal, devido à inexistência de máquinas específicas.

Farportugal: já lhe diz mais qualquer coisa? Eles vendem terços - vão de Fátima ao Vaticano -, 80% das vendas são lá para fora e facturaram cerca de dois milhões de euros em 2008.

Teatro, "rock" e BBC
Bartolomeu Costa Cabral tem uma certeza. "A maioria das pessoas em Portugal pode não saber quem somos, mas tenho a certeza que todos os teatros portugueses sabem", diz o director financeiro da Máquinas de Precisão. No fundo, é o mesmo que dizer que todos os que já foram ao teatro já contactaram de alguma forma com a maquinaria desta empresa lisboeta.

É por isso que é fácil de explicar o que a Máquinas de Precisão faz: tudo o que mexe nos teatros - luzes, o palco e artifícios tecnológicos afins - é obra das máquinas desta empresa. O nome pomposo para isto é "engenharia cénica".

A BBC sabe o que é: recentemente, a Máquinas de Precisão e um seu parceiro britânico ganharam um concurso que resultou na construção do estúdio de televisão da BBC em Glasgow. Se é certo que o "core business" da empresa é o desenho, produção e instalação de equipamentos nos teatros, a área televisiva tem-se revelado uma importante área de negócio.



Quando a fé e uma saída para a crise

Para o dono da Farportugal, a crise também é isto: "Em tempos difíceis, a fé é uma saída". Hélio Henriques, herdeiro de um negócio que remonta aos anos 20 do século passado e que teve na década de 70 o passo decisivo, acredita que a empresa vai continuar a vender os muitos terços que são a essência da sua actividade. Assente numa produção artesanal, a empresa vende imagens religiosas e terços para todo o mundo e o Vaticano é o cliente mais vistoso. Na origem de uma história de fé, está o avô de Hélio Henriques, que foi o impulsionador deste negócio após as aparições de Fátima. E como houve muitas crises desde então, talvez o dono da Farportugal esteja mesmo certo quanto ao papel da fé nos momentos difíceis - é que a empresa está aí para as curvas.







Farportugal
Ano de criação: 1992 (reformulação accionista de projecto criado na década de 70).
Sede: Ourém
Área de actividade: produção de artigos religiosos
Numero de colaboradores: 50 funcionários a tempo inteiro
Volume de negócios: dois milhões de euros (80% no exterior)
Feito: Vaticano é um dos clientes.



Nascida durante a segunda guerra mundial, e já depois de ter ultrapassado diversos períodos difíceis - o encerramento chegou a ser hipótese em alguns momentos -, a empresa que deu à BBC uma nova forma de fazer televisão prepara-se para entrar no universo musical. A Máquinas de Precisão acaba de estabelecer um contrato com uma empresa inglesa, que visa o desenvolvimento e monitorização das estruturas de alumínio dos concertos "rock". Em tempos de crise, a empresa acaba de descobrir uma nova área de negócio.

"A nossa história tem-nos mostrado que somos capazes de transformar as dificuldades em oportunidades", lança Bartolomeu Costa Cabral, um economista numa empresa composta maioritariamente por engenheiros.

Máquinas de Precisão: já lhe diz mais qualquer coisa? Eles põem os teatros, as televisões - e em breve os concertos "rock" - a mexer, têm uma carteira de encomendas de oito milhões de euros e facturaram 4,5 milhões em 2008 (a maioria das vendas é lá fora).

O melhor amigo do vinho
Esta é daquelas vezes em que é bom ser apanhado desprevenido. "Começaram a ligar umas pessoas para aqui a dizer que o nosso queijo estava entre os 100 melhores do mundo. Eu não sabia de nada", conta Daniel Amarelo, dono da Damar, produtora de queijo que paira na Beira Baixa.

Hora de explicar melhor esta história, que tem o seu quê de "glamouroso" - vamos já ver porquê. Em finais do ano passado, a Wine Spectator decidiu escolher os melhores queijos do mundo, porque andava à procura dos melhores companheiros para os vinhos que valem a pena. Assim, e sem a própria Damar o saber, o queijo da empresa portuguesa era um dos que estava submetido a prova. E a coisa saiu bem, porque o Queijo Amarelo da Beira Baixa da Damar (é possível encontrá-lo nos hipermercados, com um preço a rondar os 14 euros) foi incluído na lista dos 100 melhores do mundo.

Poucos dias depois, o mesmo queijo beirão entrou nas cogitações da "Vanity Fair", que considerou o Amarelo um dos queijos do momento. "Eu nem sabia disto e acabei por ser informado por pessoas que me ligaram a avisar que estávamos entre os distinguidos. E é óptimo", diz Daniel Amarelo, antes de soltar um riso largo.



Jogos para a família

É uma empresa virada para a família, apesar de estar numa área que muitos tendem a ver como alienante. A Gameinvest faz vídeojogos - fazê-lo a partir de Portugal tem o seu quê de exótico - e já chegou a consolas como a Nintendo DS e a Nintendo Wii. Os jogos desenvolvidos são tidos como "family friendly", daí que a violência de Grand Theft Autos e afins não são o campeonato da equipa criativa da Gameinvest. Aqui há uns meses, uma empresa americana quis processar a congénere portuguesa, mas os acontecimentos evoluíram de tal forma que os americanos acabaram por quererem ser parceiros da Gameinvets. Afinal, "os caminhos do Senhor são [mesmo] insondáveis". Mesmo no mundo dos videojogos.






Gameinvest
Ano de criação: 2006
Sede: Lisboa
Área de actividade: videojogos
Número de colaboradores: cerca de 20 pessoas, mais "freelancers"
Volume de negócios: 1,7 milhões de euros (previsão para 2009)
Feito: Tem jogos em plataformas como a Nintendo Wii e a Nintendo



Consequência natural do feito, as vendas do queijo têm aumentado e esta pequena empresa criada em finais da década de 80 espera dar a volta a um sentimento que "dói de alguma forma". "Por vezes, somos mais reconhecidos lá fora do que cá dentro. Mas nós também trabalhamos muito o mercado da saudade, que são essas casas portuguesas que existem lá fora", refere Daniel Amarelo, a apontar para um folheto em que surge o queijo de leite de ovelha e cabra que chegou às páginas da Vanity Fair.

Damar: já lhe diz qualquer coisa? Da Beira Baixa para as melhores revistas, produz o queijo do momento e facturou cerca de dois milhões de euros em 2008.

Nota final para quem ganhou fome: depois de provar o queijo, há que assumir que a Wine Spectator e a "Vanity Fair" não estão erradas.
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