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Cifial criada por Biscatão torna-se chinesa 115 anos depois

A empresa de torneiras e louça sanitária sobreviveu a duas guerras mundiais e à revolução de 25 de abril, esteve para falir face à agressiva concorrência asiática, tendo sido salva por um fundo português, que a vendeu agora à chinesa Kinlong. A família Marques saiu de cena.

28 de Outubro de 2019 às 19:00
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No início era uma simples oficina. Em 1904, Alberto da Costa Reis, conhecido como "o Biscatão", abria em Santa Maria da Feira o CIF - Centro Industrial de Ferragens, que produzia ferragens e fechaduras.

 

O período que antecedeu a Segunda Guerra Mundial criou problemas financeiros à empresa. Em processo de falência, o CIF viria a ficar nas mãos do então Banco Borges & Irmão.

 

Em 1944, José Marques, filho de um carpinteiro e que não completou a escola primária, adquiriu ao banco o CIF, onde chegou a trabalhar, como "torneiro de peito", entre 1920 e 1922.

 

Nessa altura, a fábrica produzia fechos, fechaduras, dobradiças, cofres e mais um sem número de artefactos metálicos, utilizando ferramentas rudimentares, que podem, ainda hoje, ser vistas no museu da empresa.

 

O nome "Yale" era sinónimo de segurança quando se falava em fechaduras. A CIF optou então por criar uma associação fonética, que permitisse identificar as fechaduras portuguesas. Assim nasceu o nome Cifial.

 

Sobreviveu a duas guerras mundiais e até ao 25 de abril de 1974, que colocou a fábrica em grandes dificuldades, com a perda das ex-colónias, a diminuição acentuada no mercado doméstico e a instabilidade social.

Anos 90 gloriosos e com acesso à Casa Branca

 

Partiu então em busca de novos e mais exigentes mercados, estabelecendo uma forte relação com os Estados Unidos, tendo nos anos 80 surgido na lista de fornecedores de torneiras da Casa Branca, a residência oficial do presidente norte-americano.

 

Os gloriosos anos 90 da Cifial foram recheados de reforços em diferentes áreas, que se somou à abertura de filiais em vários países.

 

Em 1991, a Cifitrónica corporizou a vontade da empresa de, a partir da sua forte tradição de fabricante de fechaduras de segurança mecânica, entrar numa nova geração de base eletrónica traduzida em sistemas de controlo de acessos.

 

Um ano depois, ganhava uma nova área de negócio - a Original Equipment Manufacturer, suportada pela aquisição nos Estados Unidos de uma instalação completa de fundição, reforçada com novos robôs de lixar e polir.

 

Nesse ano, o grupo assumia uma participação na Aquatis, inserida numa estratégia de se tornar um fornecedor de soluções integradas para a casa de banho.

 

E em 1997 adquiriu uma unidade de torneiras da marca Oliva e da Lusepi, reforçando assim a sua posição de líder no setor das torneiras no mercado doméstico, adicionando diferentes soluções e designs ao seu portefólio.

 

Antes do final da década, é criada a Cifial SGPS, organizando o grupo em unidades juridicamente autónomas por área de negócio.

 

No ano 2000 era inaugurada a Cifial Torneiras, que resultou da integração da unidade de torneiras de marca Cifial com a marca Oliva e Lusepi, tendo também sido adquirida a totalidade do capital da Aquatis, que viria mais tarde a ser redenominada Cifial Indústria Cerâmica, SA.

 

Crise mundial e concorrência chinesa ameaçam continuidade da empresa

 

Entretanto, em 2008, com a crise do "subprime" no seu principal mercado, a Cifial começa a definhar. A crise torna-se mundial, o setor imobiliário contrai-se e a concorrência chinesa ameaça a continuidade da empresa portuguesa.

 

Em 2009, no ano seguinte à sua saída da liderança da Associação Empresarial de Portugal (AEP), Ludgero Marques, filho de José, cede o cargo de CEO à sua filha, Luísa Marques.

 

Apesar da nova liderança, a Cifial continuou em agonia.

 

A empresa, que chegou a faturar 50 milhões de euros e dar emprego a cerca de mil pessoas, ficou-se em 2011 pelos 13 milhões de euros, quando tinha cerca de 450 trabalhadores nas suas fábricas de Santa Maria da Feira, onde produz torneiras e acessórios de casa-de-banho, e de Santa Comba Dão, onde fabrica louça cerâmica sanitária.

 

No ano seguinte, após um longo período de sufoco financeiro, tendo recorrido ao "layoff" e pago com atraso os salários, a família Marques vendeu 90% do capital do grupo à ECS Capital, fundo de reestruturação que é controlado por António de Sousa, antigo governador do Banco de Portugal e da CGD, e por Fernando Esmeraldo, antigo quadro do Lehman Brothers.

 

Chinesa Kinlong compra os 90% da ECS e os 10% da família Marques na Cifial  

 

Esta segunda-feira, 28 de outubro de 2019, pelas 15 horas, o Negócios revelou que a ECS Capital, considerando ter firmado "a conclusão do processo de recuperação económica e financeira" da Cifial, vendeu a empresa à chinesa Kinlong.

 

"A alienação da posição no grupo Cifial enquadra-se na estratégia e política de investimento do Fundo de Recuperação, que permitiu revitalizar diversas empresas em Portugal, nomeadamente a Cifial, que passa a contar com um novo acionista estratégico que tem como objetivo prosseguir com o seu desenvolvimento", adiantou ao Negócios fonte oficial da ECS Capital.

 

Uma transação que, segundo a ECS, "dará continuidade" à Cifial, "reforçando as condições para a preservação de postos de trabalho e desenvolvimento de uma atividade industrial com forte pendor exportador".

 

Com morada fiscal em Hong Kong, a empresa que adquiriu a Cifial pertence a um grupo com sede na China e que está cotado na bolsa de Shenzhen sob a designação de Guangdong Kinlong Hardware Products Co Ltd.

 

Agora com cerca de 300 pessoas, a Cifial fechou o último exercício com uma faturação de 17 milhões de euros, tendo os Estados Unidos e o Reino Unido como "dois dos seus principais destinos de exportação".

 

"O grupo Cifial inicia agora uma nova etapa da sua história, com condições reforçadas para aceder a novos mercados que permitirão redimensionar a sua atividade, atingindo novos patamares de desenvolvimento", remata a ECS Capital

 

A compra da Cifial pela Kinlong marca também o fim da presença da família Marques na empresa.

 

Renascida com José, cresceu com Ludgero e sucumbiu com Luísa.

 

Recuperada por um fundo português, vai ter uma quarta vida às mãos de chineses. 

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