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António Costa: "Crescer quatro centímetros? Isso é um sonho!"

Um acréscimo de quatro centímetros, o cheiro a limão partilhado com jornalistas e o bacalhau nos pés. O mundo do calçado português foi hoje percorrido por António Costa, em Milão, com sapatos da marca de luxo Armando Silva, a mesma que fabrica os "sneakers" CR7.

03 de Setembro de 2016 às 17:24
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"Está a correr bem?", perguntou António Costa. "Ainda agora abriu...", respondeu Rodrigo Leite. A Micam, maior feira de calçado do mundo, tinha arrancado há menos de uma hora quando o primeiro-ministro entrou no primeiro dos 15 "stands" portugueses que visitou, nesta manhã de 3 de Setembro, em Milão, Itália.

À porta da Paulo Brandão, marca que comprou há dois anos, o antigo dono da Tertir (vendida pela Mota-Engil a um grupo turco), de 87 anos, dá as boas-vindas a Costa, que logo gracejou: "Passou dos contentores para os conteúdos!" A visita demorou um minuto e meio.

Já no corredor, a caminho da segunda paragem, o ministro da Economia, Caldeira Cabral, quando interrogado sobre Leite, admitiu junto do chefe de Governo que não reconheceu o octogenário empresário.

Seguiu-se a Perks, a nova marca do grupo Evereste, de São João da Madeira, que foi obrigada a descontinuar a marca Cohibas por problemas com o registo internacional da insígnia. Olhando para a colecção, Costa insiste em tirar a temperatura ao negócio na feira: "O que está a correr melhor?" A resposta, de um empresário com metade da idade de Rodrigo Leite, foi sensivelmente a mesma: "Ainda estamos a começar..."

10h35 (menos uma hora em Portugal): no stand do estilista Miguel Vieira, a comitiva governamental fica a saber que o empresário, depois de uma "espera de 15 anos", vai finalmente estrear-se na New York Fashion Week. À saída do espaço, Manuel Carlos, director-geral da APICCAPS (associação empresarial do calçado), desafia Vieira a levar os seus sapatos a uma das próximas reuniões do Conselho de Ministros. "Já vi coisas mais difíceis", respondeu o primeiro-ministro.

 

"Em nome dos homens, obrigado!"

 

O momento apoteótico da viagem de Costa pela Micam acontece logo à quarta paragem. O líder da "geringonça" fica manifestamente deliciado com a grande novidade do criador Luis Onofre: uma linha de sapatos masculina que, através de pequenas compensações de altura, faz elevar a fasquia do homem em quatro centímetros. "Crescer quatro centímetros? Isso é um sonho", reagiu Costa, que se despediu de Onofre com um agradecimento colectivo: "Em nome dos homens, obrigado!"

Depois de ter passado pelo "stand" da Loriblu, marca transalpina detida pela presidente da congénere da APICCAPS em Itália, a quem teve a oportunidade de dizer "molto bene" (muito bem) e "grazie mille" (muito obrigado), o governante socialista seguiu para o espaço Tony Miranda.

"A sua loja [na Avenida da Liberdade, em Lisboa] é das mais visíveis. Fomos vizinhos. Vivia em frente", confidenciou Costa a Tony, que destacou da sua colecção sapatos com as bandeiras portuguesa e europeia. "Tem a ideia e depois manda fazer tudo, certo?", indagou o político. "Não. Eu tenho fábrica", insurgiu-se o empresário, que conquistou Costa com sapatos feitos com pele de bacalhau e de robalo. "Afinal, há mais de mil maneiras..."

Seguiu-se a visita a Fátima Lopes, que, "ao fim de 20 anos de moda", decidiu lançar uma linha de calçado, em parceria com a fabricante portuguesa Jóia da Europa, de Felgueiras. "É a minha primeira vez", contou a estilista a Costa, referindo-se à sua estreia na Micam.

Na Perlato, o chefe de Governo aterra na realidade económica interna: "Com o poder de compra que existe em Portugal, não dá. Temos de fugir!", atira o dono da empresa de Vila Nova de Gaia, que já exporta 35% da sua produção para fora da Europa. "É o que nos está a safar", comenta Fortunato Frederico, presidente do maior grupo português de calçado (Kyaia, que detém, entre outras, a marca Fly London) e da APICCAPS.

 

Costa não corre, caminha. "Maravilha!"

 

À saída da Perlato, uma italiana saúda o primeiro-ministro: "Maravilha!" Costa agradece e segue viagem. O Negócios atrasou a marcha para conhecer a senhora. Trata-se de Daria Pesce, cônsul de Portugal em Milão. "Maravilha porque com este senhor caminhamos e vemos. Com Paulo Portas [que esteve na Micam, enquanto ministro, em Fevereiro do ano passado], muito simpático, fazíamos olimpíadas. Ele corriiiiiiiiia...."

E chegamos à Lemon Jelly. Ninguém fica indiferente ao cheiro intenso a limão. São já 30 os mercados em que a Procalçado, de Vila Nova de Gaia, vende esta insígnia de botas, sapatos e sandálias com o cheirinho característico a pastilha elástica. O primeiro-ministro fica tão agradavelmente inebriado com o odor, que pega numa bota e aproxima-a do nariz de uma jornalista, que a cheira e ri-se. Mas a segunda e última contemplada pelo desafio de Costa, a repórter da RTP, recusa a experiência alegando não ter olfacto.

Com 350 trabalhadores e uma facturação de 23 milhões de euros, 80% da qual é gerada nos mercados externos, a Procalçado aposta sobretudo no mercado feminino. "As mulheres foram lançadas no mercado de trabalho para consumir!", cochichou, em tom de brincadeira machista, um grande empresário do sector junto do chefe de Governo, que não conteve o riso.

Seguiram-se os stands da Nobrand e da Studio, duas marcas do grupo Pedreira, que factura uma dúzia de milhões de euros em mais de três dezenas de mercados. No primeiro espaço, Costa fez um brinde com café em copo de plástico, no segundo conversou com a designer da marca que, a meio da visita, decidiu retirar a máscara que tinha no rosto.

E chegamos à Gino B, marca de "sneakers" da empresa Armando Silva, nome da insígnia de calçado de luxo que o primeiro-ministro traz nos pés. Costa não ficou a saber, mas quem o recebeu é uma mero "colaborador" da empresa de São João da Madeira. "O chefe ainda não chegou", confidenciou o anfitrião ao Negócios, que não sabia que o líder do poder executivo em Portugal calça a marca do seu patrão.

Curiosamente, este "colaborador" foi instado com o único pedido de cartão de visita feito pelo primeiro-ministro durante a sua jornada de trabalho na Micam. A Armando Silva factura cerca de quatro milhões de euros, com as exportações a valerem 60% do total. E esta é uma das empresas fornecedoras do calçado CR7, de Cristiano Ronaldo, tendo ainda no seu currículo nomes de outros futebolistas famosos como Didier Drogba, Wesley Sneijder ou Arjen Robben.

 

O abraço australiano de um guineense

 

Seguiu-se a história de uma marca criada por italianos e comprada por um português. No stand da C.O.M. (Creations Of Minds), Reinaldo Teixeira conta, com um sorriso rasgado, que esta é a nova insígnia do seu grupo. "Era de quatro italianos, depois eu entrei e fui comprando, acabando por ficar com os 100%", garantiu o empresário, dono do grupo Carité, sediado em Felgueiras, que detém cinco fábricas e factura mais de 25 milhões de euros.

A meio da sua curtíssima visita ao espaço da C.O.M., Costa é surpreendido por uma saudação efusiva de um cliente da marca. O Negócios quis conhecê-lo. "Chamo-me Chis Mandinga, nasci na Guiné-Bissau e fui para Portugal com 11 anos. Tenho 66, formei-me em Engenharia Civil, no Instituto Superior Técnico, e fui para a Austrália em 1980", começou por contar o empresário.

Em Sidney, onde ainda trabalhou na sua área de formação durante meia dúzia de anos, acabou por abandonar a profissão e dedicar-se ao mundo dos sapatos. Hoje detém a Astton Shoes, nome da sua rede de três lojas de calçado na cidade mais populosa do Austrália, onde vende marcas portuguesas como a Coxx ou a Luskinos.

António Costa visitou ainda a JJ Heitor, a Xica da Silva, onde foi presenteado com uma cerveja à pressão, e a Goldmud, tendo finalizado a sua visita à Micam no espaço da Tatuaggi, que opera cinco lojas e dois "outlets" na China com um parceiro local. "Quem vende para a China vende para todo o mundo", foi a grande mensagem que o dono desta empresa de São João da Madeira quis transmitir ao primeiro-ministro.

Costa chamou então para junto de si o secretário de estado da Internacionalização, um dos governantes que aceitou o convite da Galp para ver jogar a selecção portuguesa no europeu de França. Jorge Costa Oliveira chegou e logo perguntou em que cidades chinesas a Tatuaggi está presente, informação que José Alberto já tinha passado ao chefe de Oliveira. Todos ouviram novamente aquilo a que o empresário garantiu ser "uma grande chinesice".

O dono da Tatuaggi está sempre de "pé atrás" em relação ao seu parceiro chinês. "Enquanto nós dizemos 'estamos a consolidar', eles olham para nós e dizem: 'estão quase a comer na minha mão!'"

 

Sigam a APICCAPS, aponta Costa

 

No final da visita, em declarações aos jornalistas, o primeiro-ministro fez um rasgado elogio à indústria do calçado e à associação empresarial do sector. "O trabalho que foi feito ao longo destes anos pela APICCAPS é o trabalho que tem que ser feito em cada um dos [outros] sectores industriais, para que nos modernizemos, com base na inovação, na qualidade e no aumento do valor acrescentado no produto, e possamos ser competitivos, criando, simultaneamente, prosperidade partilhada para todos em Portugal", rematou António Costa.

Voltando à nova linha de calçado masculina de Luís Onofre, que aumenta a altura dos homens em quatro centímetros, o chefe de Governo gracejou, dizendo que "seria fantástico" que o crescimento económico de Portugal "fosse possível melhorando a palmilha" do sapato. "Infelizmente não é assim", reconheceu, pelo que o país deverá continuar a palmilhar terreno algo flácido em termos de crescimento do PIB.

 

* em Milão. O jornalista viajou a convite da APICCAPS

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