A poucos dias de completar um ano da sua entrada em funcionamento em Portugal (a 15 de maio de 2022), sob uma série de dúvidas e posteriores críticas e elogios do setor da energia, o mecanismo ibérico continua em vigor, mas já não produz qualquer efeito. A medida que em 2022 surgiu como “salva-vidas” para desagregar o preço da eletricidade dos preços do gás, ambos em máximos históricos, está inativa há quase três meses, confirmou a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) ao Negócios.
“A última vez que o mecanismo ibérico atuou, nos termos do seu desenho legal, foi a 26 de fevereiro último”, disse fonte oficial do regulador. No início de março, o ministro do Ambiente e da Ação Climática, Duarte Cordeiro, foi ao Parlamento partilhar que o benefício do mecanismo ibérico “até 31 de janeiro de 2023 foi de 570 milhões de euros, permitindo uma redução do preço de mercado de 43,78 euros por MWh”.
Depois disso, nada mais foi dito pelo governante sobre o assunto. Questionado por valores mais recentes, e a 12 meses, em relação aos efeitos do mecanismo ibérico nos preços da eletricidade em Portugal, o ministério liderado por Duarte Cordeiro também não avançou mais dados.
Fazendo um balanço do primeiro ano de implementação da medida, a mesma fonte da ERSE acrescentou que “na medida em que, desde 26 de fevereiro, o mecanismo ibérico não tem atuado – e durante o mês de fevereiro atuou pontualmente e de forma reduzida –, os valores de avaliação global do benefício direto para os consumidores, com preço exposto a mercado diário, não se afastam dos valores mencionados”.
Olhando para os dados disponibilizados desde 15 de junho de 2022, é possível ver que o diferencial entre o preço da eletricidade sem o efeito do mecanismo e com a aplicação do mesmo tem estado a sempre a zeros precisamente desde 26 de fevereiro. Antes disso, e no extremo oposto, a medida chegou a registar uma poupança máxima de 157 euros por MWh no preço grossista da eletricidade em Portugal a 26 de agosto de 2022. Neste dia, o preço do mercado spot atingiu os 175 euros por MWh, a que se somou um preço do valor de ajuste de 167 euros/MWh (devido a um preço do gás nos 218 euros/MWh, travado por um teto máximo de 40 euros/MWh). Conclusão: o preço com a ação do mecanismo chegou aos 343 euros/MWh em Portugal, face a um preço sem mecanismo nos 502 euros/MWh.
Face a este exemplo, e quanto às principais vantagens deste travão ao gás nos últimos 12 meses, o regulador confirmou que o mesmo “demonstrou ter sido eficaz na capacidade de mitigar a excessiva volatilidade de preço que a evolução do preço do gás poderia pressupor, tendo permitido, aos consumidores expostos a preço indexado do mercado, preços de eletricidade menos elevados que os que ocorreriam na ausência do mecanismo”.
A ERSE frisa que “o mecanismo ibérico foi uma decisão política assumida conjuntamente pelos Governos de Portugal e Espanha e aceite pela Comissão Europeia”. Sobre a sua extensão além de 31 de maio, e até 31 de dezembro deste ano, o regulador não opina, referindo apenas que “cabe a estas entidades a avaliação da continuidade da medida.”
Travar o gás até quando?
Sobre este tema, as opiniões dos especialistas do setor da energia ouvidos pelo Negócios dividem-se. Para Pedro Amaral Jorge, presidente da Associação Portuguesa de Renováveis (APREN), a renovação do mecanismo ibérico por mais sete meses, até ao final deste ano “não terá qualquer efeito prático tendo em conta que o preço do gás está abaixo do limite para a formação do preço da eletricidade”, que neste momento é de 75 euros por MWh. Isto depois de ter começado nos 40 euros/MWh nos primeiros seis meses em vigor, entre maio e novembro de 2022. A partir daí somaram-se a este valor 5 euros/MWh por mês, até maio.
Ao Negócios, o espanhol Joaquín Coronado Galdos, presidente da Build To Zero e ex -diretor-geral da EDP, defendeu que “fez todo o sentido renovar” o mecanismo ibérico em Portugal e Espanha. “Agora os preços do gás estão mais baixos, mas não sabemos como vai ser o próximo inverno. A situação pode inverter-se e o mecanismo ibérico funciona aqui como um seguro para o caso de o gás voltar a disparar”, disse o especialista. Por outro lado, se os preços mantiverem tendência em baixa “é igual ter mecanismo ibérico ou não ter”, rematou.
Mário Ribeiro Paulo, consultor de energia e presidente do Conselho Consultivo da ERSE, ex-diretor da REN, defende que “a criação do mecanismo ibérico era inevitável”. “Não havia outra solução para a crise energética que se viveu no ano passado. O mecanismo ibérico não impediu a subida dos preços da energia. Isso é um mito. Impediu sim que pagássemos a eletricidade aos preços astronómicos do gás”.