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Morreu António Serrenho, o "Senhor das Tintas"
António Serrenho foi durante mais de 50 anos o presidente da CIN, empresa que é atualmente liderada pelo seu filho.
António Serrenho faleceu com 98 anos, na cidade do Porto, anunciou a CIN, empresa de tintas portuguesa que foi liderada pelo gestor e empresário durante cinco décadas.
"É com enorme pesar que a CIN comunica o falecimento do Engenheiro António Serrenho, Presidente Honorário do Conselho de Administração da empresa", refere o comunicado.
António Serrenho é pai de João Serrenho, que exerce atualmente o cargo de presidente do conselho de administração e administrador delegado da CIN.
António Serrenho, que num livro de 2012 o apelida de "Senhor das Tintas" (ver mais em baixo), foi durante mais de 50 anos o líder daquela que é a maior fabricante de tintas portuguesa, tendo abandonado a vida ativa em 2007, altura em que funciona
Segundo o comunicado da CIN, António Serrenho iniciou o seu percurso na empresa em 1950 e "foi o grande impulsionador" do seu crescimento. "Através da sua liderança, marcada pela determinação, tenacidade, rigor e exigência, transformou a cultura da CIN e contribuiu para a dimensão e relevância da empresa no mercado", acrescenta.
"A sua personalidade ímpar marcou indelevelmente todos aqueles com quem se cruzou ao longo da sua vida e o mérito do trabalho que desenvolveu na CIN foi reconhecido em 1991 e em 2006 com a atribuição de duas Comendas de Mérito Industrial pela Presidência da República", refere.
O "Senhor das Tintas"
António Serrenho nasceu em 31 de março de 1922 em Alcácer do Sal. Era o mais novo de cinco filhos do marceneiro Luís Martinho Serrenho e de Vitória Martins.
A CIN foi fundada em 1917, em plena I Guerra Mundial. A família Serrenho só entraria no capital muito mais tarde quando o patriarca, António Serrenho, depois de vários anos como colaborador, entrou como acionista, em 1957.
Como conta o Negócios numa notícia sobre a história da CIN, António Serrenho era um negociador temível. Em baixo pode ler excertos dessa notícia, onde se conta o percurso de António Serrenho, como um episódio que João António Koehler relata no livro "António Serrenho - O Senhor das Tintas", escrito por José Alberto Magalhães e editado em 2012.
Em 1979, João Serrenho, o atual CEO da CIN, e o pai foram à Suécia negociar um equipamento, tendo assinado logo o contrato. De regresso ao Porto, António Serrenho envia uma carta a dizer que a administração achara o preço elevado e pedia um desconto de 50%. João Serrenho achou que era tempo perdido mas, na volta do correio, veio um desconto de 35%. Numa outra negociação com italianos, António Serrenho falava em português para o filho traduzir até que este lhe diz: "O pai fala francês e eles percebem." "Não, enquanto tu traduzes, eu penso", respondeu António Serrenho.
Engenharia em Lisboa e Porto
Fez o ensino primário e depois, aos 15 anos, foi trabalhar para uma empresa de Abel Amaral que representava bancos, adubos, sementes e cervejas. Candidatou-se a uma bolsa e veio para Lisboa fazer o secundário em escolas privadas, tendo-se cruzado num colégio na Amadora com Manuel Cargaleiro, de quem tem vários quadros. Fez o curso liceal com 18 valores, apoiado por Abel Amaral e pelo irmão Joaquim Amaral, que foi deputado, governador do Banco de Angola e presidente da Câmara Municipal de Alcácer do Sal.
Frequentou Engenharia na Faculdade de Ciências de Lisboa, onde faria os primeiros três anos do curso, a que se seguiram os três anos finais na Faculdade de Engenharia do Porto, onde terminou a licenciatura em 1948 como o melhor aluno de Engenharia Química. Depois fez dois estágios, um deles na CUF. Mais tarde um colega de curso, que tinha sido convidado para trabalhar nas Tintas CIN, fundada em 1917, optou por uma outra empresa, e falou a António Serrenho dessa vaga. Depois de falar com Manuel Pinto Lopes, um dos principais acionistas da CIN, foi admitido.
Em 1950, a fábrica ficava situada na rua de Bento Júnior. Tinha sido construída em 1926, com uma área de cerca de 4 mil metros quadrados. António Serrenho recorda-se que quando chegou à empresa deu uma volta pela fábrica e ficou "muito mal impressionado com a falta de modernismo da empresa, especialmente no setor fabril". Por isso, diz, "fiz a mim próprio a promessa de agir com rapidez no sentido de corrigir tudo o que se encontrava obsoleto e ainda as condições de trabalho".
Nessa altura havia cerca de 20 empresas de tintas e vernizes e o mercado era dominado pela Dyrup, Sotinco e Robbialac. Entrou para substituir um engenheiro inglês que se estava a reformar, mas guardava segredo das formulações. Para António Serrenho, "o homem achava-se uma espécie de feiticeiro Merlin, muito cioso dos seus segredos e poderes. Mas estava nitidamente ultrapassado e a CIN precisava de se projetar para o futuro". Foi o primeiro licenciado português a entrar na empresa e durante os primeiros três anos organizou o laboratório e desenvolveu o I&D da empresa.
Estratégia comercial
"O senhor Pinto Lopes foi muito aberto às novas ideias que eu trouxe, de tal modo que, em todo o lado onde se falava no Serrenho, me punha nos píncaros." "Foi aceitando a cedência dos poderes que tinha, passando-os para mim, como prova de confiança e facilitando sempre a minha atuação", recordou António Serrenho. Em 1957, os acionistas ofereceram-lhe 5% do capital e, em 1972, com a morte de Manuel Pinto Lopes, comprou as ações do empresário e ficou com a maioria.
Folião e autoritário
Na sua vida pessoal tem um lado divertido, folião e, como se dizia no seu livro de curso, estava "sempre sorridente, alegre, prazenteiro e com uma história pronta, engatilhada". Na fábrica era autoritário, exigente, mas sabia reconhecer quando era excessivo sem necessidade. Entre os trabalhadores era conhecido pelo "cinco estrelas" e pelo "homem dos sapatos pretos". Manteve-se aberto a novas ideias.
A internacionalização ganha impulso com a entrada da segunda geração aos comandos do grupo - o filho João Serrenho, também licenciado em Engenharia Química e que chegou a ser presidente da Confederação Europeia da Indústria de Tintas. Este revela que "com o fim do condicionamento industrial, em 1974, entrámos numa altura de grande crescimento e propus que, em vez de se comprarem novas máquinas, se fizesse uma linha completamente nova", assinala, referindo que, desde então, a empresa cresceu de uma maneira "perfeitamente diabólica". Igualmente importante foi a aquisição da Valentine, em Espanha (Barcelona), em 1994. "Deu-nos um grande alento para continuarmos a fazer aquisições."
Os sucessores e o mapa-múndi das empresas
É pai de quatro filhos: Maria João, João Manuel (CEO da CIN), Maria Francisca - os acionistas da CIN -, e António Francisco, engenheiro civil com atividade fora das empresas familiares. António Serrenho tem nove netos, um dos quais, João Luís, é administrador da CIN Coatings, que é também um dos membros do novo partido Iniciativa Liberal. Em Portugal, tem a CIN e a CIN Industrial Coatings. Em Espanha, a CIN Valentine, a Pinturas CIN Canárias, a CIN Soritec, a CIN Govesan. Em França, a CIN Celliose, a CIN Monopol. Na Polónia, a CIN Coatings Polska. Na Turquia, a CIN Coatings Turkey. Na África do Sul, a CIN Coatings South Africa e, no México, a CIN Coatings México. Líder do mercado português desde 1992 e do mercado ibérico desde 1995, a CIN é a 16.ª maior empresa de tintas na Europa e a 48.ª no mundo.