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Empresário português faz queixa a Eduardo dos Santos

António Ferreira enviou uma carta ao presidente angolano a pedir a intervenção deste no conflito que o opõe ao general Kundi Paihama, um histórico do MPLA. Os dois construíram um grupo que tinha o jogo como negócio principal. Diz ser vítima da “ambição desmedida” de terceiros.

Miguel Baltazar
11 de Julho de 2016 às 21:00
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Uma carta enviada ao presidente da República de Angola, José Eduardo dos Santos, a solicitar a intervenção deste, é o último episódio do diferendo que opõe o empresário português, António Ferreira, e o seu sócio angolano, o general Kundi Paihama, que é agora governador da província do Huambo.

António Ferreira e Kundi Paihama tornaram-se parceiros em 1991, tendo como negócio principal os Casinos de Angola-Plurijogos, empresa que se dedica à exploração do jogo em Angola. Mas aquilo que parecia um casamento bem sucedido transformou-se, a partir de 2009, numa tormenta para o empresário português, também conhecido por ser marido da fadista Mariza.

O negócio do jogo em Angola é apetecido e rentável. Dados relativos a 2012 apontavam para uma receita na ordem dos 219 milhões de dólares (198 milhões de euros) e um resultado líquido de 83 milhões de dólares (75 milhões de euros). A Plurijogos gere, entre outros, os casinos Tivoli, Lubango e Luanda.

Apelo ao "elevado sentido de justiça"

António Ferreira, na carta enviada a José Eduardo dos Santos, queixa-se de ser alvo "arbitrariedades" e de ser vítima de "penosos anos de calúnias e perseguições" e, em último recurso, pede a intervenção do chefe de Estado angolano. "Somente o reconhecido elevado de justiça e a comprovada sensibilidade política de Vossa Excelência e a sua magistratura de influência poderão contribuir para resolver, em definitivo, este tão intricado problema, cujo protelamento inexplicável não aproveita a ninguém e poderá ter consequências imprevisíveis que importa evitar", escreve António Ferreira numa carta datada de 29 de Março deste ano a que o Negócios teve acesso.



cotacao Esta situação tem inequívocos contornos políticos, na medida em que envolve um prestigiado dirigente, que desempenhou e ainda exerce altos cargos da governação angolana. António ferreira Empresário português

O empresário português começou por ter 70% do capital da Plurijogos, enquanto o seu sócio, Kundi Paihama, um histórico do MPLA que já foi ministro da Defesa e também dos Antigos Combatentes, detinha 20% e os restantes 10% estavam distribuídos por outros accionistas.
Actualmente, através de aumentos de capital realizados à sua revelia, António Ferreira tem apenas 1% da sociedade. Além da Plurijogos, o português foi construindo em Angola um grupo composto por 54 empresas, entre elas a Invista/BANC (Banco Angolano de Negócios e Crédito), a Gestimóvel, a Finangest, a Prosegur e a Multiauto.

Em 2009, "a harmonia societária que existia alterou-se", contou António Ferreira ao Negócios, atribuindo esta mudança à "inveja" e ao facto de jogo ser um sector que gera "muita liquidez".
"Para tal, muito terão contribuindo as ambições desmedidas, quando não mesmo insaciáveis, que vinham caracterizando os comportamentos de terceiros que aconselhavam e rodeavam o senhor general Kundi Paihama, às quais este não ficou incólume e não soube resistir", sustenta o português na carta enviada a José Eduardo dos Santos.

Saída em 2009, regresso em 2013

Para evitar "males maiores", António Ferreira sai de Angola em 2009, mas regressa em 2013, na expectativa de um acordo com Kundi Paihama. Em Junho desse ano, os dois chegam a um primeiro entendimento. O português ficaria com 40% do negócio e Kundi Paihama e o seu sobrinho, Silvestre Tumbula, passariam a accionistas maioritários, com 60% da sociedade. Um acordo verbal, à espera de ser passado ao papel pelos advogados, mas que não impede o general angolano de pôr em causa a reputação do seu sócio português.

Assim, em Agosto desse ano, o ministro dos Antigos Combatentes, enviou nessa qualidade um ofício ao então ministro do Interior, Ângelo Tavares, onde questiona a "situação migratória" de António Ferreira acusa este de ter violado "um cenário de resolução amigável do conflito" e pede a este que intervenha.

Nessa carta, Kundi Paihama acaba por revelar que as suas desavenças com António Ferreira já tinham merecido a atenção de José Eduardo dos Santos. "O camarada presidente tomou conhecimento do caso e orientou para usarmos a negociação amigável e pacífica mas ele (Sr. Toni) não aparece para o efeito e nem tão pouco se apresenta aos órgãos da nossa justiça quando é convocado, respectivamente, pela Interpol e pela Procuradoria-Geral da República".

A vida em perigo e a fuga em Novembro

A história da Interpol "trata-se de mais uma falsidade, cuja intenção é apenas denegrir o meu bom nome" afirma António Ferreira na missiva a José Eduardo dos Santos.

cotacao Nunca houve interesse num acordo. Queriam era tirar-me do sistema. António ferreira Empresário português



Apesar destes quiproquós, em Fevereiro de 2015, a reaproximação entre as partes parecia consumada, depois de um acordo selado numa fazenda de Kundi Paihama, na província do Huambo, exactamente nos mesmos termos do desenhado em 2013. Mas, uma vez mais, o final feliz pretendido por António Ferreira não passa de uma ilusão. O cerco aperta-se, é alvo de ameaças físicas e em Novembro tiram-lhe os documentos, obrigando-o a refugiar na Embaixada portuguesa em Luanda, de onde sai com um salvo-conduto. "Senti a minha vida perigo e no dia seguinte viajei para Portugal", conta ao Negócios. Agora, à distância de nove meses, não tem dúvidas. "Nunca houve interesse num acordo. Queriam era tirar-me do sistema".

Na longa exposição remetida a José Eduardo dos Santos, António Ferreira explica que tem vários processos em curso na justiça angolana, na qual acredita, mas sublinha que a situação "tem inequívocos contornos políticos, na medida em que envolve um prestigiado dirigente, que desempenhou e ainda exerce altos cargos da governação angolana. Por isso, "gorada por razões alheias à minha vontade a hipótese de uma negociação pacífica e amigável e considerando as proporções incontornáveis e não desejáveis que este caso poderá vir a alcançar, afigurou-se-me dever então solicitar e apelar à superior intervenção de Vossa Excelência", argumenta o empresário português na carta ao presidente angolano.




perfil - kundi paihama "O que é preciso é não roubar" "Se eu disser que sou pobre estaria a mentir" afirmou o general Kundi Paihama, que é agora governador do Huambo, numa entrevista a uma rádio angolana.

Kundi Paihama é um histórico do MPLA, com um currículo de participação na guerra colonial. Nascido em Kipungo, na província de Huíla, foi promovido a general em 1992 e teve uma longa carreira como ministro. Entre 1979 e 1980, ocupou a pasta do Interior, entre 1980 e 1981 teve a cargo a Segurança de Estado. Foi também ministro da Defesa Nacional entre 1999 e 2010, tendo sido posteriormente nomeado para liderar o Ministério dos Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria.

Em 2013, numa entrevista à rádio Luanda Antena Comercial afirmou: "Tudo que tenho é do meu trabalho. Se eu disser que sou pobre estaria a mentir. O que é preciso é não roubar, cada um deve comer de acordo com o suor de seu rosto. Desafio a procurarem o meu dinheiro no exterior, o meu dinheiro não sai de Angola". 

"Ao longo da sua carreira como dirigente político-partdiário, o general Kundi Paihama conquistou, por mérito próprio, a reputação de um dos mais agressivos porta-vozes do MPLA na região centro-sul", escreveu o Maka Angola sobre ele Março de 2014.


tome nota A história de uma parceria com 25 anos Na carta a José Eduardo dos Santos, António Ferreira narra cronologicamente a sua presença empresarial em Angola e explica porque se associou a Kundi Paihama.

Chegada a angola em 1991
António Ferreira chegou a Angola em 1991 e diz que apesar das "múltiplas incertezas" que se viviam no território, em resultado da guerra, resolveu estabelecer-se em Angola, "um país que sabe acolher os estrangeiros e uma terra de grandes oportunidades".

Um grupo feito em 20 anos
O empresário português diz que construiu um grupo em Angola ao longo de 20 anos de actividade. "Desenvolvido e levado a cabo ano âmbito de uma parceria e em estreita sintonia com o senhor general Kundi Paihama, personalidade angolana de reconhecido prestígio e com que me associei, praticamente, desde que me fixei em Angola", explica António Ferreira.

A ruptura com Kundi Paihama
António Ferreira atribui a sua ruptura com Kundi Paihama às "ambições desmedidas" de terceiros que aconselham o general. "De uma forma despudorada" foi feita uma "campanha de manipulação e de intoxicação contra a minha pessoa", afirma.

O regresso em 2013 e a saída em 2015
Fruto das pressões, António Ferreira saiu de Angola, onde resolve regressar em 2013 para tentar um acordo com Kundi Paihama, O assunto arrasta-se dois anos, chegam a ser apalavrados dois acordos, mas nenhum deles se materializa. António Ferreira queixa-se, na carta a Eduardo dos Santos, de sentir a sua integridade física em risco. São-lhe furtados documentos pessoais. Decide regressar a Portugal.
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