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«Operações de concentração: Como regular?»

De acordo com o Artº 12 da Lei nº 18/2003 de 11 de Junho, no nosso país «serão proibidas as operações de concentração que criem ou reforcem uma posição dominante da qual possam resultar entraves significativos à concorrência efectiva no mercado nacional o

30 de Junho de 2005 às 15:27
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Porquê regular?

De acordo com o Artº 12 da Lei nº 18/2003 de 11 de Junho, no nosso país «serão proibidas as operações de concentração que criem ou reforcem uma posição dominante da qual possam resultar entraves significativos à concorrência efectiva no mercado nacional ou numa parte substancial deste».

As fusões e aquisições envolvendo empresas que excedem determinada dimensão deverão ser notificadas e posteriormente apreciadas, caso a caso, pela Autoridade da Concorrência. De acordo com a legislação, o objectivo desta apreciação é determinar os efeitos da operação sobre a concorrência no mercado nacional que, no interesse dos consumidores, deverá ser preservada e desenvolvida.

A redução do número de concorrentes no mercado resultante da aquisição de um deles por parte de outro poderá ter efeitos de diversos tipos no jogo concorrencial entre as empresas. Estes efeitos são, geralmente, divididos em efeitos de coordenação e em efeitos unilaterais.

Os efeitos de coordenação referem-se a uma maior facilidade na prática de conluio de preços, uma prática ilegal per se e que poderá ser punida à posteriori, uma vez que «fixar, de forma directa ou indirecta, os preços de compra ou de venda ou interferir na sua determinação pelo livre jogo do mercado, induzindo, artificialmente, quer a sua alta quer a sua baixa» é uma das práticas proibidas. (Lei nº 18/2003 de 11 de Junho).

Os efeitos unilaterais negativos de uma operação horizontal (i.e. entre concorrentes num determinado mercado) resultam do facto de, tudo o resto constante, um único agente tomar as decisões que antes eram tomadas por vários. Como se detalhará abaixo, tal situação poderá originar uma subida dos preços, mesmo na ausência de qualquer forma de concertação entre os concorrentes. Relativamente às operações de concentração não horizontais, as principais preocupações que estas suscitam estão relacionadas com o controlo de infra-estruturas essenciais, do acesso a matérias primas ou a redes de distribuição por parte uma empresa. Em qualquer destes casos, ao limitar as acções dos seus concorrentes, uma empresa poderá também praticar preços mais elevados, dado que o número de alternativas ao dispor dos consumidores será menor.

Podem, no entanto, existir situações em que os incentivos para subir o preço são mais reduzidos ou inexistentes: por exemplo, se após a concentração os custos marginais das empresas participantes diminuírem ou se for previsível a entrada de novas empresas como consequência da subida dos preços

Os aumentos de preços, a existirem, penalizam naturalmente o consumidor. Mas será tal situação preocupante? Poder-se-ia argumentar que uma operação de concentração que aumente os preços resultará apenas numa mera transferência de bem-estar dos consumidores (medido pelo excedente do consumidor, isto é, a diferença entre o que se paga por cada unidade adquirida do produto em causa e o máximo que se estaria disposto a pagar) para os produtores (medido pelo seu lucro), em que aquilo que uns perdem é recuperado por outros. Tal transferência poderia ser corrigida recorrendo aos mecanismos redistributivos habituais. Contudo, as perdas para o consumidor excedem geralmente os ganhos para o produtor: a existência de poder de mercado conduz a uma perda líquida de bem-estar. Esta resulta de a quantidade consumida ser menor após um aumento do preço (por outras palavras, existe alguma elasticidade da procura em relação ao preço). Antes da operação de concentração verificava-se um maior número de transacções, que ocorriam voluntariamente por o preço praticado no mercado ser inferior ao que alguns consumidores estavam dispostos a pagar e superior ao mínimo exigido pelas empresas para vender. Por esta razão, ambas as partes ganhavam algo com essas transações voluntárias. Após a concentração e o expectável aumento do preço, parte desses ganhos mútuos serão perdidos devido à redução na quantidade transaccionada.

É, essencialmente, por este motivo que as operações de concentração devem ser reguladas: por se esperar que estas possam levar a aumentos do preço (ou, para o mesmo preço, a uma menor qualidade dos produtos e serviços vendidos) que beneficiam os produtores em menos do que o consumidor é penalizado, ou seja, que reduzam o bem-estar social.

Que objectivos deverá ter a entidade reguladora?

Para a maior parte dos economistas parecerá estranho que o objectivo da autoridade responsável pela concorrência seja apenas o interesse do consumidor. Não considerar de todo na análise de uma operação do concentração o lucro dos produtores (participantes e não participantes na operação) parece não ter justificação, a menos que se advogue que a política de concorrência deveria ter objectivos redistributivos. Admitindo que o objectivo da política da concorrência é promover a eficiência dos mercados, como conciliar este objectivo com o facto de a legislação da maior parte dos países colocar ênfase nos interesses do consumidor?

Mesmo considerando que o interesse colectivo é medido pela soma dos ganhos de produtores e consumidores, pode ser aconselhável, em certas circunstâncias, atribuir à entidade reguladora o objectivo de salvaguardar os interesses dos últimos.

Um argumento nesse sentido deve-se a Damien Neven e a Lars Hendrik-Roller. Estes autores admitem que as autoridades reguladoras possam ser permeáveis a «pressões» por parte das empresas, que resultam num enviezamento das suas decisões a favor de interesses particulares.

Geralmente, as operações de concentração beneficiam o conjunto dos produtores, podendo penalizar o consumidor. O efeito líquido para a sociedade como um todo, positivo ou negativo, será pois superior ao efeito sobre o consumidor. Logo, se lhe forem atribuídos objectivos de defesa do interesse do consumidor, a autoridade terá um maior grau de exigência ao nível, por exemplo, das reduções de custos requeridas para aprovar uma operação. Para tomar uma decisão que a afasta muito dos seus objectivos, a autoridade exigiria uma «compensação» muito superior, o que poderia inviabilizar as ditas «pressões». Note-se, porém, que a adopção de objectivos relativos ao excedente do consumidor poderia levar à rejeição de operações com efeitos positivos no bem-estar.

Um argumento diferente, mas apontando no mesmo sentido, foi proposto de forma independente por dois autores, Bruce Lyons e Sven-Olof Fridolfsson. Para ilustrar o seu argumento, considere-se um exemplo simples, em que existem duas fusões alternativas: por um lado, uma fusão em que existem reduções de custos significativas, sem grande acréscimo de poder de mercado; por outro, uma fusão em que se verificam exactamente os mesmos ganhos de eficiência, mas desta vez a par com um aumento substancial do poder de mercado. Na perspectiva da sociedade como um todo e também na perspectiva do consumidor, a primeira operação seria claramente preferível à segunda, sendo que esta última resultaria, por hipótese, numa perda de excedente do consumidor. Na óptica das empresas participantes, porém, a preferência será a inversa pelo que, com grande probabilidade, a fusão notificada será aquela que envolve a criação de poder de mercado. Se o excedente do consumidor for o objectivo da autoridade, esta operação seria rejeitada, sendo as empresas levadas a propor futuramente a alternativa, menos lucrativa, mas mais benéfica para o conjunto dos agentes. Por outro lado, a adopção do critério do bem-estar poderia levar à aceitação da primeira operação em que existe reforço do poder de mercado mas que tem um pior desempenho global. Ao usar estrategicamente o excedente do consumidor como padrão de referência na aprovação/rejeição, as autoridades acabam por conseguir influenciar o tipo de operações propostas.

Como regular?

Tradicionalmente, a análise das operações de concentração é feita numa base casuística, sendo seguidas algumas linhas de orientação. O primeiro passo da análise é a definição do mercado relevante (quer em termos de produto quer em termos de espaço geográfico). Em seguida, conhecendo a dimensão do mercado procura aferir-se se o aumento da concentração é suficiente para levantar preocupações ou não - quer nos EUA, quer ao nível da Direcção Geral para a Concorrência da Comissão Europeia utiliza-se para este fim um conhecido índice de concentração, o índice de Herfindahl-Hirschman. No caso de este índice aumentar consideravelmente, dá-se lugar a uma apreciação, geralmente qualitativa, em que são analisados aspectos como a existência de poder de mercado por parte do lado da procura, a existência de barreiras à entrada, a possibilidade de reorganização da actividade produtiva de forma a reduzir os custos de produção ou ainda a possibilidade de uma das empresas envolvidas poder abandonar o mercado caso a operação não tenha lugar.

Independentemente dos objectivos fixados para as autoridades responsáveis pela defesa da concorrência e da análise por estas efectuada, existe ainda a possibilidade de as mesmas não terem a última palavra sobre o destino da operação proposta. Tendo estabelecido que uma operação de concentração é contrária ao interesse público, pode colocar-se ainda a questão de o poder político, detentor da decisão final, alegar o interesse nacional para inverter a decisão da entidade reguladora e viabilizar a operação de concentração. Esta decisão ministerial está prevista, em Portugal, no artigo 34º do Decreto-Lei nº 10/2003, de 18 de Janeiro: «Em recurso para o efeito interposto pelos autores da notificação, o membro do Governo responsável pela área da economia pode, mediante decisão fundamentada, autorizar uma operação de concentração proibida por decisão da Autoridade, quando os benefícios dela resultantes para a prossecução de interesses fundamentais da economia nacional superem as desvantagens para a concorrência inerentes à sua realização.»

O conceito de «interesses fundamentais da economia nacional» é vago e, como tal, subjectivo. Um lobby de produtores poderia facilmente argumentar no sentido de ver aprovada uma operação lucrativa mas que penalize fortemente a concorrência, levando a que uma decisão «correcta» por parte da Autoridade da Concorrência seja anulada com base nestes interesses.

Uma forma de evitar esta possibilidade é procurar medir, de forma clara e objectiva, os efeitos económicos de uma operação de concentração, nomeadamente, os seus efeitos sobre o consumidor. Uma vez tornada pública esta estimativa (bem como a metodologia seguida e respeitando a confidencialidade da informação disponibilizada pelas empresas), seria colocado no decisor político o ónus da prova de que os alegados ganhos para os «interesses fundamentais da economia nacional» excedem os custos estimados de uma não rejeição. Pelo menos tornar-se-ia muito mais claro qual o peso relativo atribuído aos interesses dos diferentes agentes, podendo ser analisada a sua coerência ao longo do tempo, reduzindo a arbitrariedade possível neste tipo de decisões. Curiosamente, Lars Hendrik Roller, economista-chefe da Direcção Geral para a Concorrência da Comissão Europeia referiu recentemente na Autoridade da Concorrência que um dos desafios que enfrenta é precisamente o de justificar os benefícios económicos decorrentes da existência da sua Direcção Geral, o que poderá também ser feito através da quantificação e publicitação das estimativas dos ganhos associados às suas decisões.

O recurso à simulação ou à estimação econométrica permite quantificar os efeitos de uma operação de concentração, integrando na análise eventuais aumentos de poder de mercado e possíveis reduções nos custos dos participantes.

Alguns casos recentes exemplificam o tipo de resultados que é possível obter utilizando a simulação de fusões, com recurso a modelos económicos calibráveis, i.e, análise quantitativa com utilização de modelos formais em que os parâmetros chave são baseados em factos observados no caso em apreciação. Em Dezembro de 2004, os representantes das empresas envolvidas numa operação de concentração no sector dos lacticínios na Nova Zelândia recorreram a modelos de simulação para estimar em 2% o aumento de preços. Analisando o modelo em causa, a Commerce Commission neozelandesa corrigiu este valor para 2,7%, tendo aprovado a operação. Num caso italiano de 2002 referente à concentração de duas seguradoras, a autoridade concluiu que existe potencial para uma subida dos preços das empresas participantes na ordem dos 10%. Em 2000, ao analisar o caso Volvo/Scania para a DGC, Marc Ivaldi e Frank Verboven estimaram os aumentos de preços e variações de excedente do consumidor e dos lucros para os diferentes países afectados, considerando diferentes hipóteses para eventuais reduções de custos.

Modelos de simulação

De uma forma muito resumida, os modelos utilizados nestas estimativas pressupõe que as empresas actuam no mercado com o objectivo de maximização do lucro, trivialmente medido pelas suas receitas líquidas dos custos. O impacto na receita de alterações nos preços ou quantidades está condicionado pela procura dirigida aos produtos de cada empresa, que os economistas representam por uma função que relaciona a quantidade vendida com os preços próprios e dos concorrentes. O impacto das mesmas decisões ao nível do custos depende da tecnologia adoptada, traduzida numa função matemática que relaciona quantidade produzida com os custos de produção. Ao fazer as suas escolhas, as empresas deverão ter em consideração o impacto nas suas receitas e custos, bem como as possíveis reacções dos rivais. Admitindo que as condições de procura e tecnologia permanecerem constantes durante algum tempo, pressupõe-se que o mercado atinja uma situação de equilíbrio que será perturbado pela operação de concentração.

Após uma concentração horizontal, alarga-se a carteira de produtos ou serviços vendidos por uma empresa, o que irá consequentemente alterar as suas decisões óptimas. Uma das questões que se coloca é a de saber qual o grau de substituição entre os produtos que a nova empresa controla. Se os consumidores considerarem estes produtos como substitutos próximos, então uma subida no preço de um deles levará a que a procura se transfira para o outro: ao contrário do que sucedia antes da operação, esta situação penaliza menos o produtor pois parte dos consumidores continuam a comprar na mesma empresa, pelo que existe um maior incentivo em aumentar o preço.
Outra questão relevante é saber se a função custos será a mesma. No plano teórico, é possível conceber que a integração de activos detidos por empresas diferentes, a repartição racional da produção pelas diferentes unidades produtivas, a partilha de know-how, a eliminação de certos custos fixos, etc. resulte em menores custos para produzir a mesma quantidade, o que constitui um incentivo a aumentar a produção o que tem consequências ao nível dos preços.

Partindo de forma funcional para a procura e para os custos que depende de modelo para modelo, o primeiro passo será a obtenção dos valores concretos para os parâmetros que permitem «completar» as funções. Estes valores podem ser obtidos através de estimação econométrica, em que se recorre a um vasto leque de observações passadas para obter os valores que melhor se ajustam às funções (sendo possível medir a qualidade desse ajuste) ou por simples calibração. Neste último caso, menos fiável, menos passível de verificação mas menos exigente em termos da informação necessária, atribuem-se valores aos parâmetros de forma a que o equilíbrio previsto pelo modelo replique os dados observados no mercado nos períodos mais recentes. Na posse desta informação, é relativamente simples resolver o problema de optimização das empresas após a fusão ou aquisição e obter estimativas para a variação de preços, quotas de mercado, excedentes e lucros após a fusão, no pressuposto de que não existirão grandes alterações além do facto de uma empresa controlar um mais vasto leque de produtos.

Pela sua complexidade, a simulação deverá sempre ser feita por especialistas formados para esse efeito que tenham conhecimento do funcionamento dos modelos, das implicações de cada hipótese e das limitações deste tipo de análise, que deve ser sempre entendida como complementar e não substituta da análise tradicional.

A utilização das técnicas de simulação permite obter uma estimativa devidamente quantificada de parte dos efeitos de uma operação de concentração. Permite analisar de uma forma integrada todos os efeitos unilaterais de uma fusão bem como a suficiência de possíveis condições impostas para a sua aprovação. Adicionalmente, a simulação apresenta a vantagem de as hipóteses utilizadas serem perfeitamente transparentes, tornando a argumentação mais objectiva e sendo possível verificar qual a sensibilidade dos resultados a determinadas hipóteses. A discussão focar-se-á em aspectos económicos verificáveis e tornar-se-ão muito mais claros os custos de não se respeitar a decisão da autoridade.

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