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Luís Barbosa: “Nunca a capacidade de encontrar soluções de financiamento e capitalização para suportar os negócios foi tão importante”

Os reguladores amenizaram a aplicação de vários requisitos regulamentares, mas a preocupação com a qualidade do balanço dos bancos levará a pedidos de informação regulares e a ações inspetivas mais frequentes às carteiras de crédito, afirma Luís Barbosa, Financial Services Leader da PwC.

Luís Barbosa é Financial Services Leader da PwC.
20 de Janeiro de 2021 às 11:49
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"O reconhecimento antecipado de imparidades é já uma situação plenamente interiorizada pela banca, muito embora o modo como são, ou serão, quantificadas seja um processo em construção e propenso a discussões prolongadas, incluindo com auditores externos e supervisores", refere Luís Barbosa, Financial Services Leader da PwC, que é licenciado em Economia pela Universidade do Minho, com um MBA e Master in Management pelo The Lisbon MBA.

 

O setor bancário em Portugal estava suficientemente preparado para mais um ciclo económico negativo, sobretudo numa situação que coloca em causa até os melhores sistemas de gestão de risco?

Nos últimos anos, o setor bancário português evidenciou progressos significativos em várias dimensões: na eficiência, com a redução progressiva do cost-to-income, na dotação de capital com o reforço significativo dos rácios CET1 (Common Equity Tier1) e de solvabilidade total, na posição de liquidez com a consolidação dos LCR (Rácio de cobertura de liquidez) e NSFR (Rácio de financiamento estável), e nas condições de financiamento visível na acentuada redução do funding junto do BCE (Banco Central Europeu) e respetiva dependência, na qualidade do crédito com o declínio sustentado do rácio de NPE (Non-Performing Loan), na desalavancagem dos balanços que é patente no decréscimo acentuado do rácio de transformação, e até na rentabilidade (RoE) exibida, ainda que continuando a revelar aqui um desempenho aquém do pretendido.

Na verdade, diria que os próximos doze meses serão decisivos para tomarmos consciência plena dos reais impactos para a nossa economia e, em concreto, de como os consumidores (particulares) e as empresas irão ultrapassar esta tormenta, que impactou quer o lado da procura quer o lado da oferta.

Focando precisamente nas empresas, é por demais evidente a assimetria de impactos. Há setores de atividade fortemente impactados e que terão de se reinventar – oxalá tenham tempo e capacidade financeira para o fazer – como, por exemplo, hotelaria, lazer, transportes aéreos. Outros setores que, tendo sentido um primeiro abalo, é uma questão de tempo até restabelecerem o seu desempenho económico, porventura, com uma estrutura financeira mais débil, como o têxtil, calçado. Felizmente, há setores que ou foram diretamente favorecidos como a saúde ou os produtos farmacêuticos ou conseguiram voltar a demonstrar relevância numa economia moderna como a agricultura, embalagens, logística.

 

Como analisa a reação dos bancos portugueses, dos reguladores em Portugal e do governo que tem tomado medidas sobre a atividade dos bancos como o novo imposto aplicado exclusivamente à banca e a limitação de comissões?

Do ponto de vista interno, a preocupação dos bancos tem estado sobretudo em assegurar que os seus colaboradores têm plenas condições de trabalho, em regime on ou off-site ("portabilidade"), de modo a minimizar perdas de eficiência e a manter a continuidade da sua operatória.

Externamente, na relação com os seus clientes, sobretudo nas empresas, o foco tem estado em obter informação atual sobre a situação de tesouraria, o desempenho económico e, naturalmente, o desequilíbrio em termos de capitalização, o que requer um grande esforço de mobilização de recursos, pragmatismo quanto baste e uma estratégia de atuação bem delineada. Vivemos uma situação sem precedentes no que respeita às fontes de informação e mecanismos tradicionais de acompanhamento de risco dos bancos, pelo que é preciso inovar para melhor conhecer a realidade de cada cliente, e perspetivar soluções concretas.

Os reguladores começaram por amenizar a aplicação de vários requisitos regulamentares, incluindo o sempre exigente calendário de reportes obrigatórios. Irão, certamente, continuar a acompanhar, de perto, a situação, preocupados em entender a qualidade do balanço dos bancos e como reestabelecerão a condição apresentada no período pré-COVID19. Daqui resultarão pedidos de informação regulares e, muito provavelmente, ações inspetivas mais frequentes, e exigentes, às carteiras de crédito.

E é neste contexto que julgo ser fundamental destacar dois aspetos: os bancos precisam de se manter focados em apoiar os seus clientes e a sua saúde financeira não pode ser colocada em causa para que se evitem males bem maiores; inúmeras empresas, cujo negócio continua a ser viável, estão fragilizadas em termos de capitalização e terá de haver medidas políticas também neste espaço: até hoje a atuação foi, sobretudo, do lado da dívida e, por isso, dificilmente funcionará com a eficácia que se pretende. Esperemos que o recém-nascido Banco de Fomento possa ter aqui um papel crítico.

 

Quais foram os principais impactos no setor bancário em Portugal e quais as perspetivas para o futuro?

Os impactos têm sido de diversa ordem, embora numa fase inicial estivessem mais focados na continuidade do negócio (e na gestão de crise) e, paulatinamente, se vá evoluindo para os efeitos esperados na qualidade dos ativos e no potencial de geração de novo negócio/rentabilidade.

Assim, logo desde o início do confinamento em março último, o teletrabalho teve de se tornar exequível em termos da "portabilidade" dos postos de trabalho, do desempenho da arquitetura tecnológica e de segurança, a rede de agências teve de se conseguir manter operacional perante o isolamento forçado de vários colaboradores, os fornecedores externos tiveram de conseguir prestar apoio sem disrupções, e, em particular, a gestão de moratórias e das linhas COVID-19 requereu elevada capacidade para gerir um novo quadro legislativo, também ele em construção, e um número de solicitações muito significativo, com impacto em termos de sistemas informáticos, na análise de risco e na comunicação/ relação com os clientes.

Mais recentemente, e confirmada a assinalável versatilidade operacional da banca, o foco está, sobretudo, no que virá após o término das moratórias e, praticamente em simultâneo, quando se começarem a comparar os financials finais de 2019 e 2020. Aí sim, serão, bem mais claros, os danos gerados e o retrocesso registado, em alguns casos, irrecuperável, pelo menos, sem medidas adicionais de capitalização ou de redesenho estratégico.

Como referi, os bancos estão a tentar antecipar o impacto registado na efetiva capacidade geradora de cash flow dos seus clientes, registando na medida do razoável nesta fase imparidades adicionais e atualizando as suas expetativas de (de)crescimento de resultados.

A evolução da Banca de Retalho está intimamente associada à preservação do nível de emprego, mas no que respeita à banca de Empresas nunca como agora foram tão importantes tanto a proximidade aos clientes e o conhecimento sobre a atualidade dos diferentes setores de atividade, o papel dos analistas de risco, que mais do que analisar "sobes" e "desces" em financials, têm de saber "ler" riscos e desafiar pressupostos, como a capacidade de encontrar soluções de financiamento /capitalização para suportar adequadamente business plans foi tão importante no negócio bancário.

Estarão os bancos preparados para esta mudança de paradigma de atuação, muito mais intrusiva e complexa? Já dispõem de processos internos suficientemente maduros, tecnologia disponível, fontes de dados bastante ricas, mas terão de trabalhar significativamente nas componentes de estratégia de atuação (foco) e cultura. Reconhecer imparidades ajuda a ter clareza sobre a valia dos balanços, mas não resolve o problema que aí vem. É preciso saber construir um futuro melhor.

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