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Carlos Tavares, o CEO pouco conhecido em Detroit que lidera o novo império automóvel
O gestor português que fez carreira na Renault antes de se mudar para a PSA cultiva um "low profile", mas é admirado pelos seus pares na indústria.
A recente fusão entre a Fiat Chrysler Automobiles e o Grupo PSA deve colocar no radar global um desconhecido CEO que vai liderar com intensidade discreta uma fabricante enorme e extremamente complexa.
A estreia na bolsa da Stellantis, grupo formado pelas fabricantes ítalo-americana e francesa, é uma festa de apresentação para o CEO, Carlos Tavares. Na segunda-feira, a empresa era avaliada em mais de 42 mil milhões de euros, uma das maiores fabricantes do mundo em volume.
Tavares passou os 40 anos de sua carreira subindo os degraus de uma indústria que deu origem aos CEOs tratados como celebridades nos dias atuais e conduzindo reestruturações impressionantes enquanto viajava em voos comerciais de ida e volta a Detroit sem ser reconhecido na maioria das vezes.
O executivo hiperativo, de 62 anos, tem mostrado pouca vontade em se tornar outro Lee Iacocca, Dieter Zetsche, Sergio Marchionne ou Carlos Ghosn. Mas quer ganhe os holofotes ou não, não passará despercebido ao conduzir um império de cerca de 400 mil funcionários e 14 marcas para um futuro incerto, onde os carros funcionam cada vez mais com baterias e software e o motor de combustão tem os dias contados.
"Ele não está a 'vender' o Carlos, e não quer isso", disse Jim Press, executivo do setor automóvel que trabalhou com Tavares quando este comandava as operações na América do Norte da Nissan. "Ele desenvolve pessoas e organizações. É um grande empresário".
Para Tavares ter sucesso com a Stellantis terá de fazer mais do que apenas simplificar processos e reduzir custos, o "manual" que seguiu para recuperar a PSA da situação difícil em que estava quando assumiu a sua liderança. O auto-descrito "psicopata do desempenho" também terá que provar a qualidade dos produtos da fabricante e recuperar terreno na eletrificação numa época em que pouco parece interessar mais aos investidores.
Após mais de dois anos de esforço para unir as empresas, Tavares disse segunda-feira que a gestão se vai focar em alcançar as poupanças anuais nos custos de cinco mil milhões de euros previstas no acordo de fusão. "Podem confiar na nossa gestão e na nossa capacidade de execução", disse durante a cerimónia de entrada em bolsa. "Estamos aqui para fazer o trabalho necessário".
As "raízes" nas corridas
Tavares mostrou a sua paixão precoce quando foi voluntário, aos 14 anos, no circuito do Estoril perto de Lisboa, onde nasceu e cresceu. Desde então competiu em mais de 500 provas como piloto amador e disse que se tornou engenheiro porque não tinha o talento e o dinheiro para ser piloto profissional. Ele devia ter conduzido um Lancia Stratos num rali anual no Mónaco este mês, mas a prova foi cancelada devido à pandemia.
Após se licenciar numa das mais prestigiadas faculdades de engenharia em França, Carlos Tavares começou a sua carreira na Renault em 1981. Liderou por dois anos as operações da parceira Nissan na América do Norte antes de se tornar o número 2 de Carlos Ghosn na Renault, em 2011.
Numa "jogada de poder" invulgar, o gestor português disse à Bloomberg News em 2013 que, uma vez que Ghosn planeava continuar, estaria interessado em liderar a General Motors ou a Ford. Deixou a Renault semanas após estas declarações e, seis meses mais tarde, assumiu o leme da PSA, então quase falida.
O Estado francês e a chinesa Dongfeng Motor resgataram a PSA acorrendo a uma oferta de ações e num aumento de capital de três mil milhões de euros. Tavares encolheu a gama de modelos, cortou custos e aumentou os preços dos veículos. Resultado? A PSA apresentou o seu primeiro lucro anual em três anos.
Aplicou a mesma estratégia com a Opel/Vauxhall, as marcas adquiridas à GM pela PSA em 2017 e que acumulavam cerca de 16,5 mil milhões de euros de perdas em duas décadas. Ao cortar as despesas de desenvolvimento e reduzindo milhares de postos de trabalho através de negociação, rapidamente conduziu a marca alemã aos lucros.
"O fator Tavares foi provavelmente o mais subavaliado" no plano de recuperação da PSA em 2014, disse Stephen Reitman, analista do setor automóvel da Société Génerale. "A Opel/Vauxhall foi vista como talvez um passo demasiado grande, mas ele provou que argumentando e reunindo com as pessoas elas reconsideraram as suas posições que contribuiram para 20 anos de perdas".
Esses talentos negociais foram postos à prova rapidamente, quando Tavares se reuniu com os líderes sindicais italianos sobre o impacto da fusão no emprego nas fábricas da Fiat Chrysler em Itália.
Como líder da Stellantis, o gestor português terá de lidar com acionistas dinásticos - os Agnellis, liderado pelo "chairman" da nova empresa, John Elkann, e os Peugeots - e a política terá um papel determinante. O Estado francês vai manter uma participação na nova empresa e o governo italiano já deu sinais de que poderá também adquirir uma posição no capital da Stellantis.