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E se o hospital privado tivesse acesso aos mesmos dados que o seu médico de família?

Uma das propostas do Health Parliament, que apresentou as suas conclusões ao ministro da Saúde, é a criação de um registo único onde conste toda a informação do doente. Inicialmente para o SNS, mas com possibilidade de ser estendido aos privados.

30 de Junho de 2017 às 20:01
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Já imaginou a conveniência de se dirigir a um hospital ou clínica privada e os profissionais de saúde terem acesso ao mesmo processo clínico que o seu médico de família, incluindo exames e análises? Isto é possível, embora ainda não esteja disponível sequer no Serviço Nacional de Saúde. E é uma das 58 propostas do Parlamento da Saúde, uma iniciativa que decorreu nos últimos seis meses e que juntou 60 "deputados" em seis "comissões parlamentares", com o objectivo de apresentar ideias para o futuro da saúde em Portugal.

 

A possibilidade de permitir um acesso universal ao processo clínico saiu da comissão "O doente no centro da decisão", presidida por João Marques Gomes, investigador da Nova SBE. "Ideia é todos os dados do doente estarem acessíveis aos prestadores" de saúde, resume, ao Negócios. "Se eu sou médico e vou ver o doente pela primeira vez é importante que eu saiba de onde é que ele vem, se é doente crónico, alérgico a alguma coisa, quais foram as dificuldades que teve no passado, para não repetir exames, não o obrigar a ir várias vezes para coisas que são desnecessárias", acrescenta João Marques Gomes.

 

Actualmente, "todo o processo está informatizado, os processos clínicos estão informatizados nos cuidados primários [centros de saúde] e nos hospitais, não há é ainda uma ligação [entre eles]". Também nos privados "isso também existe". E, embora o objectivo de ter o Registo Único do Doente seja destinado "em primeiro lugar para o sistema público", numa segunda fase a ideia é alargá-lo "ao sistema global, que inclui os privados".

 

Para não se levantarem questões de protecção de dados, João Marques Gomes diz que isto só poderá ser feito mediante "permissão do doente". Ou seja, apenas "se eu, enquanto doente, der permissão para que os meus dados sejam acedidos em todas as unidades de saúde".

 

No final da sessão de apresentação do Health Parliament, o ministro da Saúde, Adalberto Marques Fernandes, comentou algumas das medidas apresentadas. Instado a pronunciar-se sobre a possibilidade de existir um acesso aos dados clínicos dos doentes nos hospitais privados, o ministro mostrou-se a favor. "Não só é possível como seria absolutamente absurdo que não acontecesse", sublinhou.

 

Acabar com "saco plástico" dos exames e análises

 

Adalberto Campos Fernandes deu um exemplo: "mais de metade das pessoas que vai ao centro de saúde faz análises no sector convencionado", ou seja, em entidades privadas. Com maior integração, podia-se "evitar que pessoas andem com o saco plástico carregado de envelopes com exames para levar informação ao médico". E é esse o "objectivo", garantiu. "Esta atmosfera, que foi referida, de partilha de informação tem que ser feita no sistema", até porque "os privados e a ADSE" representam uma fatia "muito grande" dos cuidados de saúde.

 

O ministro diz que "faz todo o sentido" que o utente possa ter a sua informação clínica completa e referiu um projecto já em andamento. "Fizemos uma experiência SNS +, que visa dotar os cidadãos de novas ferramentas, para evitar esta dependência tão tradicional da urgência dos hospitais. Esse é um trabalho crítico… não conseguimos transformar aspectos comportamentais com o estalar dos dedos", reconheceu.

 

O objectivo do ministro é "chegar ao fim da legislatura com uma maior relação desmaterializada dos utentes com o sistema". Um dos exemplos dessa desmaterialização é a receita electrónica. "A receita electrónica é um belíssimo exemplo. Quando chegamos ao Governo menos de 5% das receitas eram electrónicas, agora são 95% ou 96%". A próxima etapa são os meios complementares de diagnóstico e terapêutica (MCDT) – vulgo exames. "A desmaterialização dos MCDT é uma grande batalha, de tornar simples, prático, e tirar tempo administrativo" aos funcionários da saúde.

 

Sobre a iniciativa, o ministro disse que enquanto ouvia as apresentações de cada uma das comissões parlamentares pensou que "a primeira coisa" que vai fazer "é desafiá-los a ir ao meu gabinete". "Temos muitas prioridades identificadas, vamo-nos juntar e ver quais são as cinco ou seis que estamos em condições de executar já", revelou, deixando uma pista. "Esta última [proposta], dos sistemas de informação, é fundamental, porque melhora a segurança do próprio sistema".

 

Vender dados para melhorar a saúde pública?

 

A comissão da Ética em Saúde centrou-se num tema polémico: o da venda de dados de saúde dos utentes. As conclusões foram apresentadas por Bruno Macedo, um farmacêutico que trabalha na Administração Central do Sistema de Saúde. Ao Negócios, Macedo explica que a "nível do planeamento dos cuidados de saúde, da alocação de financiamento, é muito importante saber qual o resultado que os tratamentos estão a ter para se direccionar o financiamento para os tratamentos que nos trazem melhores resultados".

 

O Estado "deve ser o gestor de toda esta panóplia de informação, que deve ser utilizada para fins relacionados com a saúde pública, estatísticas". Mas "obviamente que também deve ser utilizada para investigação – estamos a falar de indústria farmacêutica, investigadores e outras entidades". Seriam estes últimos que teriam de pagar um "emolumento" para ter acesso a esses dados, que seria analisado por uma entidade que "avalie a finalidade do uso que se quer dar" à informação.

 

A generalidade dos dados seria disponibilizada num sistema de "opt-out", isto é, um "consentimento implícito, que é o que sucede na doação de órgãos, em que somos todos doadores de órgãos a não ser que alguém diga que não quer ser". Esta é uma das propostas que os "deputados" vão propor ao ministro, aproveitando a necessidade de adaptar a legislação portuguesa em protecção de dados ao regulamento europeu até Maio de 2018.

 

Foram também apresentadas medidas nas comissões da saúde mental, de tecnologias de informação, da economia do conhecimento e das barreiras aos cuidados de saúde.

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