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Concorrência identifica barreiras à abertura de clínicas de hemodiálise e prescreve “remédios”
"Em Portugal, o mercado da hemodiálise tem assistido a uma consolidação da posição dos incumbentes. As barreiras à entrada e à expansão são apontadas pelos operadores como uma forte limitação à concorrência", refere a Autoridade da Concorrência.
A Autoridade da Concorrência (AdC) identificou barreiras na abertura de novas clínicas de hemodiálise e um grau de escolha limitado dos doentes renais crónicos quanto às clínicas onde realizam tratamento, recomendando ao Governo medidas de mitigação.
As conclusões foram divulgadas pela AdC, este sábado, 28 de novembro, em comunicado, após análise do mercado da prestação de cuidados de hemodiálise em Portugal.
Em março de 2020, segundo o documento, havia mais de 12 mil portugueses em tratamento de hemodiálise, o qual é sobretudo assegurado por clínicas privadas que prestam cuidados a cerca de 93% dos doentes, num contexto em que a prevalência da doença renal crónica em Portugal é elevada face a outros países e o número de doentes em tratamento tem vindo a crescer (em média, cerca de 3,5% por ano, entre 1998 e 2019).
"Em Portugal, o mercado da hemodiálise tem assistido a uma consolidação da posição dos incumbentes. As barreiras à entrada e à expansão são apontadas pelos operadores como uma forte limitação à concorrência", refere a AdC.
Entre as barreiras à abertura de novas clínicas, a AdC destaca a elevada incerteza jurídica na regulamentação relativa ao regime de convenções e a morosidade da atribuição de convenções e do licenciamento.
Este contexto é tão mais relevante dado o elevado grau de concentração no setor, onde os quatro maiores operadores privados detinham, em março de 2020, cerca de 81% das unidades de hemodiálise em Portugal Continental e foram responsáveis pelo tratamento de cerca de 88% dos doentes, sinaliza.
Segundo a AdC, o elevado grau de concentração pode limitar os incentivos a concorrer pela qualidade e pela proximidade das clínicas e não favorecer uma maior capacidade de escolha dos doentes.
Adicionalmente, acrescenta, "ainda que o preço convencionado seja fixado pelo Ministério da Saúde, o aumento de concentração no mercado é passível de se traduzir num maior poder negocial dos prestadores de serviços de hemodiálise em Portugal face ao Estado, o que é passível de se traduzir, a prazo, num aumento do nível do preço".
Em março de 2020, de acordo com o levantamento realizado, existiam 124 unidades de hemodiálise em Portugal Continental, 80% (99) das quais privadas e 20% (25) públicas.
Em março de 2020, os quatro operadores privados no mercado com o maior número de unidades de hemodiálise em Portugal Continental eram a NephroCare (40), a Diaverum (26), a DaVita (nove) e a B. Braun (cinco).
"É, assim, crucial promover uma escolha efetiva e informada pelos doentes, em oposição a um modelo de alocação de doentes às clínicas, de forma a intensificar a concorrência pela qualidade e inovação no setor", recomenda a autoridade.
A AdC lembra, a propósito, que para realizar o tratamento de hemodiálise, o doente renal crónico tem que se deslocar às clínicas, geralmente três vezes por semana, e realizar sessões que podem durar entre duas a cinco horas, conforme o tipo de equipamentos utilizados e a situação específica de cada doente.
A elevada concentração do mercado, a existência de barreiras desnecessárias à entrada e o grau de escolha limitado dos doentes podem ter implicações negativas para o bem-estar dos doentes renais crónicos, ao limitar a proximidade.
A AdC emitiu assim sete recomendações ao Governo "focadas em eliminar barreiras desnecessárias à abertura de clínicas e a promover a escolha dos doentes, com vista a promover o bem-estar dos doentes renais crónicos", entre as quais a publicação atempada do clausulado-tipo para a área de hemodiálise.
No clausulado-tipo, deverá ser introduzida a possibilidade de atribuição de convenção por deferimento tácito e assegurada a definição de um prazo de resposta a pedidos de convenção.
Devem ainda ser eliminados obstáculos decorrentes de normativos legais que condicionem a abertura de clínicas à capacidade existente, à concentração do mercado ou à rentabilização de meios existentes e recomendada a criação de um portal único para operadores que reúna os pedidos de licenciamento e de convenção.
O Governo deve, segundo a AdC, assegurar o princípio de neutralidade tecnológica no manual de boas práticas, em discussão.
No âmbito do regulamento de transporte não urgente de doentes, deve ser introduzido um dever de comunicação das ARS aos doentes, caso várias clínicas cumpram os critérios de gestão do transporte de doentes renais crónicos no SNS e desenvolvida uma avaliação custo-benefício sobre a possibilidade de introduzir uma opção de reembolso para os doentes que assegurem o próprio transporte.
Deve também ser criado um sistema comparativo de indicadores de qualidade para comparar clínicas, acrescenta a AdC.
A Autoridade da Concorrência submete a consulta pública do relatório Análise às condições de concorrência na prestação de cuidados de hemodiálise em Portugal e convida todos os interessados a submeter comentários e/ou exposições à AdC, no prazo de 30 dias úteis, para o endereço eletrónico consultapublica@concorrencia.pt.