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Membros da CNE criticam decisão que permitiu reuniões do Governo e do BCE
A decisão foi tomada por maioria, mas as declarações de voto dos membros que saíram vencidos não poupam nas críticas. Passos Coelho reconheceu que estava em causa a exigência de “uma candidatura no debate político” e o BCE já sabia a data das eleições quando marcou a conferência, argumentam.
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Três votos contra o aval ao Conselho de Ministros Extraordinário no próximo sábado, 17, e quatro contra a realização do fórum de banqueiros centrais em Portugal no dia das europeias. A Comissão Nacional de Eleições (CNE) acabou por não contestar nenhuma das iniciativas durante o período eleitoral, mas as críticas dos seus membros que votaram vencidos são grandes.
CDU e Bloco de Esquerda tinham apresentado uma queixa contra a realização do Conselho de Ministros extraordinário em que o Governo vai apresentar a sua estratégia para o futuro. A CNE considerou que "não existe violação dos deveres de neutralidade e imparcialidade das entidades públicas a que o Governo está vinculado, pelo que, não poderá haver lugar a qualquer intervenção". Três membros votaram contra e explicam porquê.
"As instituições devem funcionar, agora o que não deve acontecer é o Governo confundir-se com uma qualquer candidatura no decorrer de uma campanha eleitoral", escreve Álvaro Saraiva, um dos membros que votou contra. O documento que o Executivo vai aprovar, sustenta, devia ter sido apresentado "na Assembleia da Republica, antes do início da campanha eleitoral" e "não em plena campanha e a uma semana das eleições", lê-se no site da CNE.
Também João Almeida, porta-voz da CNE, votou contra. "Não conheço norma ou compromisso internacional que imponha a realização da iniciativa governamental desta forma e exactamente no dia 17 de Maio, em jeito de comemoração encomiástica", escreve a propósito do que aponta como uma "manifestação de regozijo (já de si pouco conforme com os deveres de neutralidade e imparcialidade)". "A aprovação de um programa de acção futura, exactamente aquilo que, sempre, a Comissão tem relembrado a diversos titulares de cargos públicos que não pode ser feito, membros dos governos incluídos – esse é o terreno próprio dos candidatos e das candidaturas", considera.
"Ao deliberar neste sentido, a maioria dos membros da Comissão fere o núcleo essencial da sua razão de ser – ao contrário dos tribunais criminais, com intervenção punitiva, cabe-lhe agir preventivamente para que não ocorram comportamentos susceptíveis de violar a lei e os princípios essenciais ao normal curso do processo eleitoral", remata João Almeida.
Passos Coelho respondeu que estava em causa a exigência de "uma candidatura no debate político"
Um terceiro voto contra foi o de Carla Luís, que revela os argumentos do Gabinete de Passos Coelho, ouvido pela CNE no âmbito da queixa apresentada pela CDU e pelo Bloco de Esquerda. A alegação, por parte do Gabinete do Primeiro-Ministro, em resposta à CNE, de que o Conselho de Ministros se destinaria a aprovar um documento exigido por uma candidatura no debate político vem precisamente colocar a realização do Conselho de Ministros Extraordinário no campo da luta política e não do exercício de funções institucionais", escreve Carla Luis.
Ao colocar a realização do Conselho de Ministros Extraordinário ao nível das actuações dos partidos políticos e candidaturas é isso mesmo que se está a fazer, daí resultando uma violação dos princípios de neutralidade e imparcialidade a que todas as entidades públicas estão obrigadas", conclui
BCE já conhecia a data das eleições quando marcou a Conferência
Já relativamente à realização do Fórum de banqueiros Centrais, que acontecerá em Sintra no próprio dia das eleições europeias, a CNE decidiu que "não se encontra em causa matéria eleitoral, pelo que, considera não dever intervir". Desta vez, votaram contra quatro dos membros desta entidade, contra seis votos favoráveis.
O professor universitário Domingos Soares Farinho foi um deles, sustentando que podendo as intervenções no Fórum vir a ser consideradas "propaganda indirecta" a CNE devia "ter apreciado a (possibilidade de) verificação ou não dessa mesma propaganda indirecta e não, liminarmente, ter rejeitado a sua própria competência."
Também Álvaro Saraiva considerou que a organização devia ter o "cuidado de fazer deslizar o agendamento", tendo em conta que serão abordados "temas e questões que estão na ordem do dia e ligados com a situação política que se vive na Europa".
João Almeida voltou aqui a ser um dos maiores críticos da decisão. "Espanta-me tanto que não sei como contestar a afirmação lapidar que mereceu a maioria dos votos de que as temáticas de políticas monetárias, de regulação e supervisão e a presença dos mais destacados dos participantes não são política nem políticos e, portanto, estando em estreita conexão com as políticas económicas, financeiras e orçamentais nacionais e europeias e no cerne do debate eleitoral, não são matéria eleitoral. Creio que o meu espanto é, neste momento, partilhado pela generalidade dos cidadãos que tiveram acesso à deliberação aprovada.
Carla Luís, a quarta pessoa a votar contra, seguiu no mesmo sentido, defendendo que "é desleal e constitui um abuso da posição institucional, que uma ou várias instituições façam toda esta discussão [no âmbito da conferência] numa altura em que, por lei, as candidaturas estão proibidas de reagir, por estar já terminada e ser proibida a realização de campanha eleitoral ou qualquer acto que como tal possa ser considerado. Não obstante, vários dos oradores são candidatos ou estão directa e imediatamente associados às forças políticas concorrentes a esta eleição".
Finalmente, lembrou, "a Conferência foi marcada já se sabendo qual a data das Eleições Europeias em Portugal, uma vez que "a Decisão do Conselho 2013/299/UE, de 14 de Junho de 2013, marca a data das eleições para o período de 22 a 25 de Maio; em Portugal, por força da lei, a eleição tem de realizar-se ao domingo, pelo que seria forçosamente a 25 de Maio".
"Não se pode ignorar o impacto mediático que a Conferência vai ter", pelo que "pretender que toda esta dinâmica não tenha impacto quer no período de reflexão, quer no dia da eleição, parece pura ingenuidade".