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Lóbi entra no digital, ganha influenciadores e esconde “mão” estrangeira
Um relatório da OCDE traça o retrato do “lóbi no séc. XXI”, com novos canais de influência, atores que escapam aos requisitos de transparência e maior interferência externa. Atividade continua desregulada em Portugal.
As tecnologias digitais e as redes sociais tornaram o lóbi mais complexo, de tal forma que até a definição tradicional desta atividade – uma comunicação oral ou escrita entre o lóbista e um responsável público para influenciar legislação, políticas ou decisões administrativas - deixou de ser suficiente. É que os mecanismos e os canais de influência diversificaram-se, o que, alerta a OCDE, pode conduzir a abusos.
Cada vez mais, as políticas governamentais podem ser influenciadas por ou através de organizações não governamentais (ONG), centros de investigação ou "think tanks". E são utilizadas estratégias de "social media" para informar, desinformar ou alterar as perceções públicas para "colocar pressão nos decisores políticos e influenciar indiretamente o processo de tomada de decisão dos governos".
Este "contexto de sobrecarga de informação, por vezes contraditório, e no qual milhões de pessoas, muitas vezes mal informadas, tentam influenciar a perceção do público e dos governos em ‘avenidas’ como as redes sociais" é descrito no relatório "Fazer lóbi no séc. XXI – transparência, integridade e acesso", publicado pela OCDE esta quinta-feira, 20 de maio.
Outra das preocupações expressas neste estudo é que a maioria dos países tem uma estratégia para esta área que se limita a quem conduz as atividades de lóbi e quem é o alvo delas. Isto é, deixa muitas vezes de fora vários atores que são usados para influenciar as decisões – como ONG’s, "think tanks", fundações, centros de investigação ou organizações religiosas –, que são financiados por quem representa interesses específicos, mas que nem sempre estão cobertos pelos mesmos requisitos de transparência.
"É necessária mais transparência sobre quem financia a investigação, os 'think tanks' e outras organizações, bem como sobre o uso das redes sociais como ferramenta de lóbi. Embora a transparência do financiamento político seja alta, permanecem algumas áreas cinzentas, como o financiamento de anúncios digitais dos partidos políticos e dos candidatos", lê-se neste relatório.
Outro elemento em destaque neste extenso relatório de 200 páginas é os governos estrangeiros estarem a usar atividades de lóbi para, por exemplo, influenciar posições de política externa em temas como o clima, impostos, comércio ou proteção de dados. Como? Envolvendo empresas de lóbi, advocacia, relações públicas ou ex-governantes desse país, ou financiando fundações, instituições académicas ou "think tanks" para produzir dados que apoiem os seus objetivos ou dar presentes e outros benefícios, como viagens patrocinadas, a jornalistas ou decisores políticos.
"A crescente complexidade dos processos de formulação de políticas domésticas e as negociações a nível internacional estão a mexer com os limites entre o lóbi e a diplomacia. Em vez de depender dos canais diplomáticos tradicionais e formais, os governos estrangeiros contam cada vez mais com lobistas e outras formas de influência para promover os seus objetivos políticos. Por exemplo, uma parte significativa dos esforços de influência nos EUA é realizada em nome de atores estrangeiros, sejam eles empresas ou entidades governamentais", descreve o relatório.
Pistas para legislar em Portugal
Dos 41 países analisados pela OCDE, apenas 23 tinham algum nível de transparência sobre o lóbi, seja por meio de um registo público com informações sobre essas atividades ou exigindo aos responsáveis da administração pública que divulguem dados sobre as suas reuniões com lobistas, através de "agendas abertas" ou revelando à posteriori como é que as contribuições dos lobistas foram tidas em consideração no processo de tomada de decisão pública ("pegada legislativa").
A par de países como o Brasil ou a Grécia, Portugal é um dos países em que as atividades de lóbi não estão sujeitas a regras de transparência, continuando esta matéria da regulação a arrastar-se na Assembleia da República. Neste relatório, a OCDE adverte que embora o lóbi tenda a concentrar-se na área legislativa, também devem ser tomadas medidas visando o poder executivo, uma vez que é igualmente exercida influência sobre a adoção de regulamentações ou o desenho de programas e de contratos públicos.
Outro aspeto que pode ser aproveitado para a discussão deste dossiê em Portugal é que, embora muitas decisões políticas relevantes sobre serviços públicos sejam tomadas a nível regional ou local – seja na área social, da educação, da saúde, do ordenamento do território, da habitação, das infraestruturas ou da proteção do ambiente –, "a transparência no lóbi é ainda uma exceção" nestes níveis de decisão, o que faz com que "muitas políticas significativas" sejam formuladas pelas autarquias com pouca transparência e escrutínio público.
Finalmente, a OCDE sentencia que "continuam a ser uma grande preocupação" as chamadas "portas giratórias" entre os cargos públicos e privados, envolvendo funcionários públicos, ex-governantes, empresários e especialistas de várias áreas. "O movimento entre os setores público e privado tem muitos aspetos positivos, como a transferência de conhecimento e de experiência. No entanto, também pode fornecer uma vantagem indevida ou injusta para influenciar as políticas governamentais se não for devidamente regulamentado", conclui.