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Protestos pela democracia em Hong Kong levam Pequim a primeiras ameaças
À medida que sobem de tom os protestos a favor da democracia nas ruas de Hong Kong, também aumenta o tom dos avisos vindos de Pequim. Os protestantes clamam pela não desvirtuação do acordo sino-britânico que firmou a transferência da soberania de Hong Kong do Reino Unido para a China. Inglaterra lembra que é importante a “manutenção dos direitos” destas populações. Pequim avisa para que nenhum país se meta numa questão que diz respeito apenas à China.
A chegada do Outono parece ter levado até Hong Kong um movimento popular que se assemelha em alguns aspectos ao que poderia chamar-se de "Primavera asiática". Tal como durante os ventos que sopraram a favor da chamada Primavera árabe, também em Hong Kong os protestos, que na última madrugada levaram à intervenção policial, se centram na vontade de assegurar que o processo democrático daquela região não é tolhido pelas autoridades chinesas.
Os protestos que se prolongam há já cerca de uma semana subiram de tom no último domingo, especialmente durante a última madrugada. Além do centro permanecer ocupado por milhares de protestantes, houve confrontos nas últimas horas, ao ponto de a polícia ter recorrido, em pelo menos 87 situações segundo a BBC, a gás mostarda contra os revoltosos.
Em causa está a defesa, por parte dos protestantes, de autonomia decisória ao nível político para a região administrativa de Hong Kong. Esta é uma história que vem de trás. É, portanto, preciso recuar até 1997 para melhor perceber as actuais reivindicações dos protestantes. Esse foi o ano da transferência do controlo sobre a cidade-Estado de Hong Kong, antiga colónia britânica, do Reino Unido para a China. Hong Kong é, juntamente a Macau, uma das duas regiões administrativas chinesas.
A declaração Sino-Britânica de 97, que cumpriu o acordo entre Londres e Pequim datado de 1984, previa que os direitos, liberdades e garantias da população de Hong Kong permaneceriam salvaguardados, independentemente da passagem a região administrativa chinesa, por um período de 50 anos. Hong Kong regressou então à órbita chinesa depois de séculos sobre a dependência britânica. O grau de autonomia atribuído a Hong Kong não abarca, no entanto, as áreas da Defesa e da Política Externa.
O Comité Central do Partido Comunista Chinês nunca encarou de ânimo leve as exigências previstas no acordo com os britânicos e, em 2004, decidiu que a concretização dos pressupostos acordados em 97 obrigariam a uma mudança das leis eleitorais de Hong Kong, que provinham ainda do tempo da vigência britânica sobre a região localizada na costa sul da China.
Já em Julho deste ano um conjunto de iniciativas permitiram a realização de um referendo, de carácter não oficial, que votou favoravelmente a implementação de uma reforma eleitoral que permitisse, de alguma forma, corresponder a alguns dos princípios definidos no acordo sino-britânico. Este foi um movimento, caracterizado por um programa que assenta na desobediência civil, nascido ainda em 2013.
Já no último dia de Agosto passado, o Comité Central chinês aprovou e anunciou a realização de eleições directas, em 2017, para a escolha do Executivo de Hong Kong. Mas havia e há um pequeno senão. A escolha dos candidatos estaria a cargo das autoridades chinesas, devendo os habitantes de Hong Kong fazer a sua escolha a partir de uma lista pré-escolhida.
Os protestos que desestabilizam uma das regiões mais ricas da China foram espoletados precisamente pelo facto de os revoltosos pretenderem ser eles a escolher o seu próprio líder. Os protestantes consideram que a proposta chinesa não se coaduna com o espírito democrático inicialmente firmado, defendendo que a opção oferecida por Pequim "não é democrática", segundo cita a CNN.
O actual líder do executivo de Hong Kong, Leung Chun-ying, que foi designado por um comité em 2012, já apelou à calma e ao regresso dos protestantes às suas casas. Todavia, este apelo não parece ter surtido qualquer efeito, dado que os protestantes permanecem no centro da cidade e já marcaram novas acções de protesto para a noite que se avizinha. Vários relatos dão conta da incapacidade da polícia para inverter um processo que ganha dimensão a cada dia que passa.
Os protestantes ameaçam agora ocupar o centro financeiro de Hong Kong, algo que, de acordo com a BBC, os analistas consideram poderia afectar negativamente a economia chinesa e penalizar a confiança dos investidores. Isto depois de terem iniciado greves escolares, que bloquearam o sistema de ensino na região, no passado dia 22 de Setembro.
Pequim e Londres tomam posição
A posição inicial do Governo chinês foi próxima daquilo que se poderia esperar de um país que não pode correr o risco de dar azo ao surgimento de pequenas "bolhas" de reivindicação nos planos democrático e cívico. Tal poderia colocar em causa o sistema dos "dois regimes, um só país".
O ministério dos Estrangeiros chinês já avisou, através de uma nota oficial, para que nenhum país atribua qualquer tipo de apoio a um movimento que considera não passar de "protestos ilegais". "Hong Kong é da China", pelo que todos os assuntos relacionados com esta região dizem respeito "à soberania chinesa", cita o El Mundo.
Mais resumidamente, o Governo chinês anunciou que se opõe "a qualquer tipo de interferência estrangeira, por parte de qualquer país estrangeiro, nos assuntos internos da China".
De Londres veio uma resposta, do Governo britânico, revestida de precauções. A BBC avança que o ministério dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido considera ser "importante para Hong Kong preservar os seus direitos, e para a população de Hong Kong exercer esses direitos no âmbito das leis".