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Porque é que os jovens bilionários são tão aborrecidos? A desigualdade ajuda a explicar

Uma geração mais antiga de CEO americanos tiveram de lutar para sobreviver, mas é mais difícil do que nunca construir alguma coisa do nada.

15 de Julho de 2018 às 13:00
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No início da vida de Warren Buffett, o seu pai não conseguiu ser contratado na mercearia da família durante a Grande Depressão. Sem emprego e sem dinheiro depois de uma corrida aos bancos, a família de quatro pessoas comprava fiado para conseguir ter comida na mesa e, mesmo assim, a sua mãe às vezes saltava refeições. Leila Buffett, atormentada pelo stresse e com uma mente provavelmente afectada pelos vapores que inalou em criança, costumava repreender os seus dois filhos pequenos.

 

A partir destas dificuldades, a família conquistou gradualmente uma posição financeira mais segura. O seu pai abriu uma corretora de acções e acabou por se tornar num congressista com quatro mandatos. O jovem Warren começou a mostrar aptidão para os números. Tornou-se obcecado por cronometrar tudo, calcular probabilidades e até mesmo registar a frequência das letras que mais apareciam na Bíblia, de acordo com o livro "A bola de neve: Warren Buffett e o negócio da vida". Aos 15 anos, conseguiu ganhar muito a entregar jornais. O resto, como dizem, é história.

 

O lendário investidor, de 87 anos, foi superado em riqueza por Mark Zuckerberg, de 34 anos. A diferença de fortunas foi anulada, em parte, pelo aumento das acções do Facebook – 15% este ano - e, em parte, pelas grandes doações beneficentes de Buffett. Actualmente, as três pessoas mais ricas do mundo, Jeff Bezos, Bill Gates e Zuckerberg, fizeram a sua fortuna no sector de tecnologia.

 

A história de Zuckerberg é comum na lista dos novos bilionários do sector de tecnologia presentes no Bloomberg Billionaires Index. E há muitos. Com 64 executivos e executivas de tecnologia na lista da Bloomberg, que monitoriza as 500 pessoas mais ricas do mundo, o sector produziu mais bilionários do que qualquer outro (a menos que se conte heranças - também há muito património herdado na lista). Só este ano, a tecnologia criou 11 novos bilionários.

 

Mas falta algo nas histórias da infância deste novo grupo de homens (sim, eles são principalmente homens) que conquistaram fortunas com o próprio esforço. As experiências de formação das gerações anteriores giravam em torno de empregos como distribuidor de jornais e sofrimento, mas actualmente a história padrão envolve uma infância de classe média alta, acesso precoce a um computador e uma formação académica de elite - mesmo que essa formação não tenha sido terminada.

 

Antes de largar a Universidade de Harvard, Zuckerberg tinha criado, aos 12 anos, um sistema de mensagens instantâneas para a clínica odontológica do seu pai. Aos 15 anos, Jack Dorsey, do Twitter, deslumbrava os seus chefes durante um estágio de programação. E Travis Kalanick, da Uber, escreveu um código enquanto frequentava o ensino secundário.

 

Conquistar o sucesso por mérito próprio sempre desempenhou um papel fundamental no imaginário americano. Horatio Alger escreveu histórias sobre pessoas corajosas de classe baixa que enfrentavam as dificuldades e conseguiam o seu lugar no mundo com trabalho duro e honestidade. Hollywood romantizou as histórias de superação desde que o cinema foi inventado. E, durante anos, o mundo dos negócios também ofereceu histórias reais.

 

Mas a actual ascensão de pessoas que abandonaram Harvard (ou a Universidade de Nova Iorque, no caso de Dorsey, ou a UCLA, no caso de Kalanick) complica esta história. Os fundadores de hoje são brilhantes, mas enfrentaram poucas dificuldades. É difícil, afinal, tornar-se um prodígio dos computadores sem um computador. Essa dose de privilégio revela uma tendência maior na economia americana: para milhões de pessoas de baixos rendimentos, está a tornar-se mais difícil construir algo do nada. Para poder abandonar Harvard, primeiro é preciso entrar.

 

É praticamente indiscutível que a desigualdade de oportunidades está a aumentar. O que ainda não se sabe, porém, é qual será o resultado final. Além de bloquear o caminho para pessoas talentosas com recursos limitados, um abismo cada vez maior entre os ricos e todos os outros também apresenta problemas políticos. Basta observar a raiva crescente contra empresas de tecnologia em cidades como São Francisco e Seattle. Seattle aprovou a cobrança de um imposto punitivo por trabalhador à Amazon e a outros grandes empregadores em resposta ao crescente problema de falta de habitações na região. As autoridades de Seattle cederam, mas as tensões continuam a fervilhar sob a superfície em todo o país e podem eclodir de formas imprevisíveis.

 

E, ao contrário dos titãs do passado, os bilionários da mais nova geração não têm histórias que possam amenizar o ressentimento popular. Os três mais jovens dos bilionários que construíram a própria fortuna presentes no índice da Bloomberg são co-fundadores do Facebook. A história deles é famosa: depois de uma infância auspiciosa em Dobbs Ferry, um pequeno subúrbio de classe média de Westchester, Zuckerberg criou uma ferramenta para classificar a atractividade de pessoas, chamada Facemash, antes de fundar, em conjunto com os seus amigos, o Thefacebook.com. Logo depois, por idades, encontra-se Sean Parker, com 38 anos, que começou a programar desde pequeno e fez um estágio na Zynga enquanto ainda estava no ensino secundário.

 

O sonho americano sempre foi uma fábula contada pelos próprios americanos, reforçada pelas histórias de homens em dificuldades que partiram do nada e se tornaram magnatas. Hoje, Zuckerberg é um líder moral - um homem de família e um doador para causas nobres. Mas quem tentar seguir os passos dele analisará os seus primórdios: a confortável infância em Westchester, o clube de esgrima numa escola preparatória de elite, os dias despreocupados em Harvard e o Facemash. A juventude americana pode desejar subir a mesma escada, mas provavelmente descobrirá que faltam alguns degraus.

(Texto original: Why Are Young Billionaires So Boring?)

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