Notícia
Taxas, escalões, deduções: a progressividade do IRS faz-se por vários caminhos
Numa altura em que o Governo negoceia com os parceiros à esquerda novas mexidas no IRS, o Negócios fez uma ronda por especialistas para saber como introduzir maior justiça e progressividade no imposto. Uns aproximam-se do que está a ser pensado, outros nem por isso.
Governo, Bloco de Esquerda e PCP têm vindo a discutir a melhor forma de introduzir mais progressividade no IRS e, para já, não parece haver consenso à vista: antes de começarem a convergir para a solução definitiva, os partidos ainda divergem sobre os caminhos a seguir. Assim também acontece entre fiscalistas, onde cada um tem a sua fórmula ideal para se chegar a um resultado idêntico.
Em termos de mecânica, o IRS tem como ponto de partida o rendimento bruto dos contribuintes mas é perfeitamente possível que duas famílias com o mesmo nível de rendimento paguem um imposto bem diferente: tudo depende do tipo de rendimentos, das despesas e da composição do agregado.
É este sistema de vasos comunicantes de taxas, escalões, deduções específicas e à colecta que fez com que, por exemplo, em 2013, apesar de se terem reduzido os oito escalões de IRS a apenas cinco no famoso enorme aumento de impostos, a progressividade do imposto até tenha subido, segundo cálculos efectuados na altura pelo Negócios.
E é também por causa desta multiplicidade de vasos comunicantes que qualquer mexida tem de ser muito bem estudada. E pelo menos nisto, os fiscalistas ouvidos pelo Negócios concordam.
Rever escalões: mais quais?
António Martins, professor na Faculdade de Economia em Coimbra e José Rodrigo de Castro, antigo subdirector-geral para os impostos, convergem que, sendo esta uma discussão sobre o nível de progressividade, deve ser colocada uma maior ênfase na revisão da tabela de taxas e escalões. Onde, é que é mais difícil chegar a acordo.
Rodrigo de Castro preferia um regresso ao sistema pré-troika, o retorno aos oito escalões. "Trata-se de um harmónio muito sensível, mas o ideal seria recuperar a tabela de antes da crise" porque, embora o objectivo de beneficiar a classe média-baixa seja socialmente justo, na realidade, a classe média-alta acabou por sair muito sacrificada do "enorme aumento de impostos" de Vítor Gaspar, considera. "Para se ter uma ideia, classe alta era quem ganhasse acima de 160.000 euros, agora está nos 80.000 euros, e é fácil chegar lá", lembra Rodrigo de Castro.
Essa é também, de resto, a preferência já manifestada por Bagão Félix em entrevista recente ao Negócios e à Antena 1, onde o ex-ministro defende um regresso programado e progressivo ao antigo figurino.
Já o economista António Martins é um adepto do desdobramento do terceiro escalão, que vai dos 20.100 aos 40.000 euros de rendimento colectável - um escalão acima do nível em que o Governo parece disposto a mexer. "O desdobramento em dois do terceiro escalão, com a introdução, para um deles, de uma taxa mais baixa, traria uma maior justiça fiscal", já que a taxa de 37% actual é "desajustada" face a outros países europeus, considera.
Dedução específica: começar pelo início
Já Manuel Faustino faria um caminho diferente. "É preferível actuar ao nível de uma dedução escalonada na própria categoria de rendimentos e nos rendimentos que precisam de ser protegidos - os rendimentos do trabalho - do que através de mecanismos de taxas que não se sabe exactamente onde se está a actuar", sustenta ao Negócios.
Proteger os rendimentos do trabalho implica, desde logo, mexer na filosofia e valores da dedução específica (ver esquema com explicações). "Idealmente, o rendimento [bruto, a considerar para efeitos de dedução específica] devia entrar líquido da Segurança Social, já que ela não é um custo, mas antes um prémio de seguro, e ser abatido do valor anual do salário mínimo ".
Reconhecendo que esta fórmula teria impactos orçamentais difíceis de acomodar, Manuel Faustino diz que, pelo menos, deveria retomar-se a indexação da dedução específica ao salário mínimo, mas por 100% do seu valor. "Tem de haver uma actualização efectiva da dedução específica aos custos do trabalho" porque só assim "se protegem os rendimentos na sua fonte", considera o ex-director do IRS.
Deduções à colecta por tipo de família
A segunda prioridade de Manuel Faustino passaria por "adequar a tributação à família enquanto unidade fiscal". Concretizando: "Faria uma análise técnica que determinasse qual o nível de rendimento de que uma determinada família precisa para viver condignamente, e atribuiria uma dedução à colecta essencialmente em função da composição do agregado - admitindo alguma modulação do rendimento".
Este sistema teria duas vantagens: por um lado, substituiria o actual "mínimo de existência" por um outro à escala familiar, já que a situação actual é injusta: "Se a família tiver uma pessoa a ganhar o salário mínimo, está protegida pelo mínimo de existência. Mas se a família tiver dez pessoas e ganhar dois salários mínimos, não há qualquer mínimo garantido", ilustra.
A segunda vantagem é ao nível da simplificação, já que esta dedução familiar permitiria limpar boa parte das restantes deduções à colecta.
Englobamento, o eterno problema
Actualmente os rendimentos do trabalho e pensões são sujeitos a englobamento, mas os capitais, as rendas e as mais valias podem pagar uma taxa de 28%, o que beneficia quem ganha mais. O PCP tem insistido no englobamento de todos os rendimentos e a ideia até tem simpatia à direita, pelo menos em tese, como recentemente afirmou Bagão Félix.
Manuel Faustino também acha que tem de haver, senão englobamento, pelo menos uma clarificação, porque, "tal como está, o IRS não se integra em nenhum modelo reconhecido pela OCDE". Portugal parece querer imitar um modelo semi-dual, mas trata-se de fraca imitação, já que estes modelos têm duas bases de tributação, uma progressiva, onde se agrupam os rendimentos do trabalho e pensões, e outra proporcional, onde se agrupam todos os outros tipos de rendimentos, que, somados, são sujeitos a uma taxa plana.
Em Portugal, contudo, a taxa plana incide categoria a categoria de rendimento, o gera "uma confusão em que ninguém se entende", diz Manuel Faustino, para quem este sistema "é o maior manual de planeamento fiscal que temos. É só escolher".
Dar no IRS, tirar nos indirectos?
Toda esta discussão só fará, contudo, sentido, se o Governo não resolver compensar o alívio do IRS com uma subida de outros impostos indirectos. Caso contrário, nem vale a pena mexer-lhe. ""O IRS é o imposto que permite maior modulação em termos de progressividade. Do ponto de vista da justiça redistributiva não faz sentido estar a fazer perder peso do imposto mais representativo da justiça redistributiva para agravar outros que são socialmente mais cegos", considera António Martins.
Em termos de mecânica, o IRS tem como ponto de partida o rendimento bruto dos contribuintes mas é perfeitamente possível que duas famílias com o mesmo nível de rendimento paguem um imposto bem diferente: tudo depende do tipo de rendimentos, das despesas e da composição do agregado.
E é também por causa desta multiplicidade de vasos comunicantes que qualquer mexida tem de ser muito bem estudada. E pelo menos nisto, os fiscalistas ouvidos pelo Negócios concordam.
Rever escalões: mais quais?
António Martins, professor na Faculdade de Economia em Coimbra e José Rodrigo de Castro, antigo subdirector-geral para os impostos, convergem que, sendo esta uma discussão sobre o nível de progressividade, deve ser colocada uma maior ênfase na revisão da tabela de taxas e escalões. Onde, é que é mais difícil chegar a acordo.
Rodrigo de Castro preferia um regresso ao sistema pré-troika, o retorno aos oito escalões. "Trata-se de um harmónio muito sensível, mas o ideal seria recuperar a tabela de antes da crise" porque, embora o objectivo de beneficiar a classe média-baixa seja socialmente justo, na realidade, a classe média-alta acabou por sair muito sacrificada do "enorme aumento de impostos" de Vítor Gaspar, considera. "Para se ter uma ideia, classe alta era quem ganhasse acima de 160.000 euros, agora está nos 80.000 euros, e é fácil chegar lá", lembra Rodrigo de Castro.
Essa é também, de resto, a preferência já manifestada por Bagão Félix em entrevista recente ao Negócios e à Antena 1, onde o ex-ministro defende um regresso programado e progressivo ao antigo figurino.
Já o economista António Martins é um adepto do desdobramento do terceiro escalão, que vai dos 20.100 aos 40.000 euros de rendimento colectável - um escalão acima do nível em que o Governo parece disposto a mexer. "O desdobramento em dois do terceiro escalão, com a introdução, para um deles, de uma taxa mais baixa, traria uma maior justiça fiscal", já que a taxa de 37% actual é "desajustada" face a outros países europeus, considera.
Dedução específica: começar pelo início
Já Manuel Faustino faria um caminho diferente. "É preferível actuar ao nível de uma dedução escalonada na própria categoria de rendimentos e nos rendimentos que precisam de ser protegidos - os rendimentos do trabalho - do que através de mecanismos de taxas que não se sabe exactamente onde se está a actuar", sustenta ao Negócios.
Proteger os rendimentos do trabalho implica, desde logo, mexer na filosofia e valores da dedução específica (ver esquema com explicações). "Idealmente, o rendimento [bruto, a considerar para efeitos de dedução específica] devia entrar líquido da Segurança Social, já que ela não é um custo, mas antes um prémio de seguro, e ser abatido do valor anual do salário mínimo ".
Reconhecendo que esta fórmula teria impactos orçamentais difíceis de acomodar, Manuel Faustino diz que, pelo menos, deveria retomar-se a indexação da dedução específica ao salário mínimo, mas por 100% do seu valor. "Tem de haver uma actualização efectiva da dedução específica aos custos do trabalho" porque só assim "se protegem os rendimentos na sua fonte", considera o ex-director do IRS.
Deduções à colecta por tipo de família
A segunda prioridade de Manuel Faustino passaria por "adequar a tributação à família enquanto unidade fiscal". Concretizando: "Faria uma análise técnica que determinasse qual o nível de rendimento de que uma determinada família precisa para viver condignamente, e atribuiria uma dedução à colecta essencialmente em função da composição do agregado - admitindo alguma modulação do rendimento".
Este sistema teria duas vantagens: por um lado, substituiria o actual "mínimo de existência" por um outro à escala familiar, já que a situação actual é injusta: "Se a família tiver uma pessoa a ganhar o salário mínimo, está protegida pelo mínimo de existência. Mas se a família tiver dez pessoas e ganhar dois salários mínimos, não há qualquer mínimo garantido", ilustra.
A segunda vantagem é ao nível da simplificação, já que esta dedução familiar permitiria limpar boa parte das restantes deduções à colecta.
Englobamento, o eterno problema
Actualmente os rendimentos do trabalho e pensões são sujeitos a englobamento, mas os capitais, as rendas e as mais valias podem pagar uma taxa de 28%, o que beneficia quem ganha mais. O PCP tem insistido no englobamento de todos os rendimentos e a ideia até tem simpatia à direita, pelo menos em tese, como recentemente afirmou Bagão Félix.
Manuel Faustino também acha que tem de haver, senão englobamento, pelo menos uma clarificação, porque, "tal como está, o IRS não se integra em nenhum modelo reconhecido pela OCDE". Portugal parece querer imitar um modelo semi-dual, mas trata-se de fraca imitação, já que estes modelos têm duas bases de tributação, uma progressiva, onde se agrupam os rendimentos do trabalho e pensões, e outra proporcional, onde se agrupam todos os outros tipos de rendimentos, que, somados, são sujeitos a uma taxa plana.
Em Portugal, contudo, a taxa plana incide categoria a categoria de rendimento, o gera "uma confusão em que ninguém se entende", diz Manuel Faustino, para quem este sistema "é o maior manual de planeamento fiscal que temos. É só escolher".
Dar no IRS, tirar nos indirectos?
Toda esta discussão só fará, contudo, sentido, se o Governo não resolver compensar o alívio do IRS com uma subida de outros impostos indirectos. Caso contrário, nem vale a pena mexer-lhe. ""O IRS é o imposto que permite maior modulação em termos de progressividade. Do ponto de vista da justiça redistributiva não faz sentido estar a fazer perder peso do imposto mais representativo da justiça redistributiva para agravar outros que são socialmente mais cegos", considera António Martins.