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A desejada alteração de paradigma?

O regime de "participation exemption" deve ser acompanhado da isenção de tributação de juros pagos ao exterior, tornando neutra a opção entre o financiamento da atividade internacional com recurso a capitais próprios ou a externos, sustenta o jurista.

23 de Agosto de 2013 às 00:01
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O Anteprojeto de Reforma do IRC poderá representar uma significativa, e muito esperada, alteração de paradigma no que respeita à política fiscal internacional de Portugal.

Por este motivo, feita uma análise inicial deste Anteprojeto, as primeiras palavras são de apreço pelo trabalho técnico da comissão e de congratulação pelas importantes medidas nele contidas. Porém, algumas das medidas propostas são ainda passíveis de aperfeiçoamento para lograrem atingir eficazmente os objetivos a que se propõem. Pela importância que revestem no atual contexto económico do país, optei por centrar o foco nas medidas destinadas à internacionalização das empresas portuguesas e à afirmação de Portugal enquanto plataforma internacional de negócios.

 

Durante o mês de Agosto o Negócios associa-se à consulta pública sobre a reforma do IRC convidando juristas, economistas, empresários e académicos a discutirem as suas características e a sua oportunidade. Hoje contamos com o jurista Tiago Marreiros Moreira. Consulte todas as análises já publicadas.

Uma alteração fulcral constante do Anteprojeto de Reforma do IRC é a criação de um regime de "participation exemption" que passa a permitir a exclusão de tributação de dividendos e de mais-valias relativos a participações representativas de, pelo menos, 2% do capital social ou dos direitos de voto da sociedade participada, desde que detidas pelo período mínimo de um ano. Esta medida foi tomada com o claro intuito de tornar Portugal mais competitivo face aos regimes de participation exemption europeus.

 

Numa perspetiva mais prática, a medida fomenta igualmente a dinamização do mercado de capitais ao atrair para Portugal a criação de sociedades holding. Contudo, a Comissão de Reforma parece não ter relevado um importante tema habitualmente associado à constituição de veículos de investimento internacional, que é o do financiamento desse investimento e da atividade que vier a ser desenvolvida. Com efeito, em regra, os nossos "concorrentes" europeus – como é o caso, entre outros, do Reino Unido, da Holanda e de Malta – complementam o regime de "participation exemption" com a isenção de tributação de juros pagos ao exterior, tornando neutra a opção entre o financiamento da atividade internacional com recurso a capitais próprios ou a financiamentos externos.

 

Uma medida idêntica não poria necessariamente em causa a receita tributária portuguesa, porquanto desde 1 de Julho de 2013 já é possível assegurar, por via da aplicação da Diretiva Juros e Royalties, uma dispensa de retenção na fonte sobre juros pagos a sociedades de outros Estados Membros (desde que alguns requisitos formais estejam cumpridos). Seria, pois, importante equacionar-se a abolição da tributação, por retenção na fonte, dos juros pagos no âmbito de financiamentos externos ou, alternativamente, o alargamento do âmbito subjetivo de aplicação do regime da Diretiva Juros e Royalties, por forma a estendê-lo a sociedades estabelecidas em Estados terceiros, nas mesmas condições aplicáveis a sociedades de outros Estados Membros. A maioria dos contratos de financiamento externo contêm cláusulas de "gross-up", pelo que a manutenção da tributação dos juros, mais do que penalizar os financiadores externos, penaliza a competitividade das empresas portuguesas.

O Anteprojeto de Reforma destaca ainda a necessidade de afirmar Portugal como uma jurisdição fiscal estável e competitiva, propondo algumas medidas tendentes à redução da litigiosidade fiscal. Nesta matéria, o Anteprojeto de Reforma fica aquém das expectativas, nomeadamente quanto ao regime dos pedidos de informação vinculativa ("PIV"). Tendo a Comissão de Reforma estabelecido a comparação com o regime holandês, esperava-se uma reformulação do regime dos PIV que reforçasse a confiança dos investidores e a segurança jurídica, nomeadamente assegurando uma extensão temporal dos PIV (v.g. cinco anos) e a prevalência dos seus efeitos face a alterações legislativas adversas ao contribuinte que ocorram durante o período de vigência do PIV. Neste campo, parece-nos insuficiente – talvez até contraproducente – a possibilidade de sindicância judicial no contexto do PIV. Sendo o "ruling", no contexto internacional, uma manifestação do princípio da colaboração entre a Administração Fiscal e os contribuintes, é difícil de compreender que a primeira possa ser judicialmente obrigada a colaborar.

Concluo com o desejo de que o Anteprojeto de Reforma dê rapidamente lugar à efetiva implementação deste relevante conjunto de medidas que julgo poderem representar um importante contributo para o processo de internacionalização das empresas portuguesas e para a atração de investimento estrangeiro.

 

* Sócio coordenador da Área Fiscal da sociedade de advogados Vieira de Almeida & Associados. Trabalha essencialmente nas áreas do planeamento fiscal, preços de transferência e em operações relacionadas com o financiamento, aquisição e reestruturação de grupos. 

 

(Este texto foi escrito ao abrigo das regras do acordo ortográfico)

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