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UTAO: Programa de Estabilidade é vago e arriscado
A análise final da UTAO ao Programa de Estabilidade do Governo aponta para projecções macroeconómicas e orçamentais arriscadas e diz que o documento é vago sobre políticas a adoptar. Ministra está quarta-feira no Parlamento.
O Programa de Estabilidade do Governo assenta na retirada gradual de medidas de austeridade até 2019 acompanhada de uma recuperação da actividade económica, puxada pelo investimento, pelo consumo e por um bom desempenho das exportações. Deste modo, o desemprego cairá, assim como o défice orçamental sem que seja colocado em causa o equilíbrio externo conseguido durante a crise. Este é o plano virtuoso do Governo até ao final da década, mas a sua verosimilhança é colocada em causa pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) a trabalhar no Parlamento.
Na análise final ao documento, enviada aos deputados terça-feira, dia 19 de Maio, a UTAO classifica de arriscadas em várias hipóteses tanto sobre o andamento da economia, como das contas públicas, e aponta ainda a falta de informação sobre as políticas a adoptar nos próximos anos, com destaque pela medida de poupança de 600 milhões de euros na área das pensões que o Governo contabilizou, mas não concretizou.
No documento a que o Negócios teve acesso a UTAO considera que "o cenário macroeconómico apresentado reveste-se de importantes riscos para a sua concretização, nomeadamente ao nível da evolução das exportações líquidas e do investimento".
O aumento previsto para o investimento "poderá não ser concretizável num o contexto da economia portuguesa se encontra marcada por uma restrição de financiamento" e por níveis de endividamento muito elevados que importa reduzir, escrevem os técnicos parlamentares.
Na frente externa, a UTAO nota que o Executivo antecipa tanto um aumento das exportações, como do seu preço nos mercados internacionais, o que permite um efeito duplamente positivo sobre as contas externas. No entanto esse mundo ideal poderá não se concretizar, avisam: é que com preços mais altos a capacidade de continuar a ganhar quotas de mercado diminuiu.
"Existe um risco de perda de competitividade externa. Neste contexto espera-se que os preços domésticos aumentem a um ritmo superior ao dos nossos principais parceiros (com a excepção dos preços no consumidor), o que deverá limitar a continuação dos ganhos de competitividade que foram observadas nos últimos anos", lê-se no documento.
Os economistas alertam ainda que a recuperação gradual do mercado interno pelo consumo e investimento não só puxará pelas importações – com impactos negativos nas contas externas externo, o que classificam de uma dinâmica de "elevado risco" – como criará um incentivo para "alguma substituição dos mercados externos por mercados internos, revertendo o movimento ocorrido nos anos de contracção da procura interna".
Alívio da austeridade baixa o défice
O plano do Governo prevê uma redução da austeridade nos próximos anos, que pode mesmo redundar num programa de estímulos orçamentais, mas isso não prejudicará o défice. Pelo contrário, analisa a UTAO, que mais uma vez avisa para os riscos deste cenário.
O Programa de Estabilidade (PE/2015-19) prevê uma "reversão progressiva de medidas consideradas extraordinárias em anos recentes, não integralmente compensada por novas medidas, o que imprime um carácter não restritivo à política orçamental", lê-se no documento. No entanto, "apesar de estimar que as medidas de consolidação produzam um impacto directo negativo sobre o saldo orçamental a partir de 2017, o PE/2015-19 assume implicitamente que o impacto global destas medidas sobre o saldo orçamental acaba por ser positivo, contribuindo para melhorar o saldo orçamental ao longo de todo o horizonte de projecção", escrevem os técnicos parlamentares, que identificam nas contas do Governo "um efeito de segunda ordem", segundo o qual o alívio da austeridade gera mais crescimento que, por si só, mais que compensará o efeito negativo da reversão das medidas de austeridade no saldo orçamental.
Esta é uma estratégia arriscada, defendem. "A materialização de efeitos de segunda ordem positivos sobre o saldo orçamental da dimensão considerada no PE/2015-19 reveste-se de incerteza e constitui um factor de risco subjacente às projecções orçamentais", o qual é agravado pela expectativa do Governo de que a economia venho mesmo a crescer acima do seu potencial no final da década.
A UTAO aponta ainda para o facto do documento ser vago nas medidas de política previstas para os próximos anos e para a excessiva dependência dos resultados orçamentais de uma poupança com juros que permanece incerta.
"No que se refere à poupança em juros, esta encontra-se fortemente dependente da redução das taxas de juro da dívida pública portuguesa, sendo que não decorre unicamente da acção discricionária das autoridades nacionais, ainda que esteja previsto o pagamento antecipado do empréstimo ao FMI, mas reflecte também condições de mercado", analisam, continuando: "uma das principais medidas de consolidação permanentes do PE/2015-19, a que pretende garantir a sustentabilidade da segurança social, não se encontra devidamente especificada e a sua concretização reveste-se de elevada incerteza, na medida em que poderá depender de uma nova avaliação quanto à constitucionalidade e consoante a sua especificação terá diferentes efeitos sobre o cenário macro".
Maria Luís Albuquerque, a ministra das Finanças, está quarta-feira no Parlamento para uma das visitas regulares à Comissão de Orçamento e Finanças. Este ano os grupos parlamentares acordaram que embora seja um compromisso externo, o Programa de Estabilidade não merecia uma análise na comissão da especialidade. Contudo, dadas as várias análises entretanto publicadas, pela UTAO e pela Comissão Europeia – que identificou um risco de desvio significativo face à meta de défice de 2016 – o tema será incontornável.