Notícia
Na cidade dos espiões do Brexit há escutas por todos os lados
Quando o britânico que lidera as negociações do Brexit foi ouvido a apresentar uma visão surpreendente sobre a estratégia do governo, num bar de Bruxelas, na noite de segunda-feira, a surpresa de muitos diplomatas foi que isto não tivesse acontecido antes.
A capital belga, onde ficam as sedes da União Europeia e da NATO, trabalha ao som de trechos de conversas em cafés movimentados enquanto autoridades governamentais entregam documentos secretos a jornalistas nas esquinas. Tendo 5.400 diplomatas, 40.000 funcionários da UE e quase 1.000 jornalistas residentes permanentes de mais de 30 países, a cidade onde o Brexit está a ser negociado é terreno fértil em escutas, fofocas e subterfúgios.
Naquela cidade há também centenas de espiões russos e chineses, alguns fingem mesmo ser jornalistas credenciados, segundo as autoridades, que pediram para não serem identificadas por discutirem questões de segurança. Diplomatas europeus são aconselhados a evitar frequentar certos bares porque é sabido que aparelhos de escuta podem captar as suas conversas a partir de outras mesas ou janelas.
Densidade da espionagem
Quem visita escritórios de representação do Reino Unido é obrigado a deixar o telefone na receção. Funcionários que trabalham com informações confidenciais nos altos escalões das instituições da UE têm o costume de fechar as persianas para o caso de haver drones a filmar através das suas janelas.
"Bruxelas superou Viena e agora há uma densidade maior dos chamados serviços de inteligência de fora da UE em Bruxelas do que aqui", disse Peter Gridling, chefe de contra inteligência da Áustria, um centro de espionagem durante a Guerra Fria, a jornalistas, no ano passado.
Nada tão audacioso foi usado para apanhar Olly Robbins, o funcionário público ultra discreto que lidera as negociações do Reino Unido sobre o Brexit em nome da primeira-ministra Theresa May. Robbins foi simplesmente ouvido a conversar enquanto bebia uma cerveja, ao final do dia, num bar tranquilo no hotel Sofitel, em Bruxelas, por um jornalista da ITV que por acaso estava hospedado lá.
Theresa May tem a intenção de esperar até ao último minuto antes de levar o seu plano para o Brexit a votos no Parlamento – e assim obrigar os políticos britânicos a escolher entre o seu plano e um atraso potencialmente muito grande ou mesmo uma saída da UE sem acordo. Foi esta a revelação de Robbins.
Os comentários relatados sobre Robbins podem destruir o frágil plano de May para conseguir a aprovação do seu acordo para o Brexit pelo Parlamento britânico. A primeira-ministra recusou responder a perguntas sobre o assunto, na quarta-feira, 13 de fevereiro, dizendo que tinham base "no que um indivíduo disse a outro segundo o que foi ouvido por um terceiro num bar".
Inteligência, traição
Em Bruxelas, os diplomatas europeus que trabalham no Brexit admitem que existe um certo nível de desconfiança até mesmo dentro do grupo dos 27 países que negoceiam com o Reino Unido. Alguns foram vistos a beberem juntos e, provavelmente, informações de inteligência sobre as negociações, com colegas britânicos, disse um diplomata de um governo da Europa de Leste, pedindo anonimato devido à sensibilidade do assunto.
Após a fuga de informação que acabou por ditar a divulgação de um documento confidencial sobre o Brexit num jornal, no ano passado, outro diplomata, de um país da Europa do Norte, disse que não conseguia olhar para os colegas nas reuniões seguintes e ficava a questionar-se quem os tinha traído.
Quando as negociações do Brexit começaram, em 2016, as autoridades britânicas receberam um alerta para que fossem mais cautelosas e evitassem conversar em sítios com maior probabilidade de serem alvos de espionagem e escutas, revelou um diplomata. Os responsáveis mostram uma preocupação particular com a Rússia e a China, mas também estão atentas para não serem alvos de países europeus mais amigáveis que queiram estar um passo à frente em relação ao Brexit.
(Texto original: In Brexit's City of Spies, Eavesdroppers Are Everywhere)