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Durão responsabiliza Merkel por UE não ter emitido eurobonds na anterior crise
O antigo presidente da Comissão Europeia lembra, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, que em 2011 propôs ao Conselho Europeu a emissão de obrigações de dívida conjunta, hipótese rejeitada pela ainda chanceler alemã que Durão Barroso afiança ter dito que "só por cima do seu cadáver".
Os líderes da União Europeia chegaram na semana passada a acordo sobre um plano de recuperação que, entre outros vetores, pressupõe a emissão conjunta de dívida europeia no valor de 750 mil milhões de euros (390 mil milhões a distribuir a fundo perdido) para financiar a reação aos efeitos da crise pandémica.
A mutualização da dívida agora vista como um passo "histórico" da UE já esteve em cima da mesa noutras ocasiões e foi isso mesmo que Durão Barroso lembrou em entrevista concedida ao jornal brasileiro Folha de São Paulo.
"Quando eu propus os eurobonds (obrigações de dívida europeia), em 2011, a sra. [Angela] Merkel disse que [a aprovação] só [ocorreria] por cima do seu cadáver. Mas a União Europeia caminha assim, por via incremental, passo a passo. Só que às vezes dão-se passos maiores e este foi grande", defendeu o homem que liderou a Comissão Europeia entre os anos de 2004 e 2014.
A possibilidade de emitir dívida europeia é um tema há muito discutido no âmbito da necessidade de completar a união económica e monetária e de compensar as assimetrias geradas pelos diferentes graus de desenvolvimento aquando da criação da moeda única.
Em 2011, em plena crise das dívidas soberanas, esse tema esteve em discussão e foi sobretudo inviabilizado pela Alemanha, que na altura liderava o agora chamado bloco dos países frugais (contribuintes líquidos para o orçamento comunitário), que rejeitavam essa via considerando que levaria necessariamente a transferências orçamentais diretas dos seus cofres para o sul europeu.
Para o também antigo primeiro-ministro português (2002-04), o resultado da última cimeira europeia mostra que "estamos já a entrar naquilo a que alguns chamam de união orçamental. Ainda não é isso, mas foi um passo importante".
Durão sinaliza que a UE costuma sair mais forte das crises, contudo rejeita entrar em euforias que vislumbrem no acordo agora fechado em Bruxelas um passo inequívoco rumo à federalização.
"A última crise financeira permitiu-nos avançar com coisas que na altura eram impensáveis, como o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE). Agora, não é ainda o nosso momento de Filadélfia [Constituição dos EUA]", frisa.
No entender do português "há dois erros típicos sobre a Europa". "Os mais eurocéticos estão sempre à espera da desintegração da Europa. Mas sua resiliência, e a do euro, são muito maiores que o reconhecido. Outro erro muito comum é o dos mais federalistas, da chamada "bolha de Bruxelas", sempre achando que vamos a ser os EUA da Europa. Vai ser algo a meio caminho", garante.