Será o Portugal 2030 "a última oportunidade" de acesso a fundos europeus? A hipótese foi levantada pelo primeiro-ministro e, caso venha a confirmar-se, será também "a última oportunidade" para pôr todas as regiões portuguesas a convergirem com a média europeia com apoios de Bruxelas, o que nunca aconteceu, apesar de o país estar há quase quatro décadas a beneficiar de fundos comunitários.
Desde a adesão à União Europeia (UE) em 1986, Portugal recebeu de Bruxelas mais de 150 mil milhões de euros em fundos europeus. Agora, com a implementação do Portugal 2020 quase a terminar, o país prepara-se para receber mais 23 mil milhões até ao final da década, com o mesmo objetivo dos anteriores fundos: apoiar políticas públicas nacionais e locais que promovam a coesão económica, social e territorial.
Mas o desenvolvimento e convergência de Portugal com a UE teimam em não chegar. Estudos recentes da Agência para o Desenvolvimento e Coesão (AD&C), que coordena a utilização nacional de fundos europeus, mostram que, à exceção de Lisboa, ainda nenhuma região portuguesa conseguiu um PIB ‘per capita’ acima da média europeia. E, no caso da área metropolitana de Lisboa (AML), tem-se verificado um declínio no crescimento ‘per capita’ nos últimos anos.
"Portugal, no seu todo, apresenta um nível do PIB ‘per capita’ estagnado face à média da UE, num nível inferior a esta, nos últimos 20 anos", explica Pedro Mazeda Gil, assessor estratégico do PlanAPP e professor na Faculdade de Economia da Universidade do Porto. "Essencialmente, as diferentes regiões estão razoavelmente estagnadas face à média europeia, com exceção da AML, que está em retrocesso - o que é ainda mais grave que estar na dita ‘armadilha’ de estagnação."
Isso coloca dificuldades mesmo na convergência interna. Os estudos da AD&C, alguns deles elaborados pelo PlanAPP, revelam que algumas das NUT III têm tido um PIB ‘per capita’ acima da média nacional nas últimas duas décadas, por estarem a perder população. Ou seja, a perda populacional contribuiu para que o crescimento económico dividido por habitantes seja maior.
Mais grave ainda, a Lezíria e o Médio Tejo divergiram em termos nacionais e perderam população nos últimos 20 anos. Já a área metropolitana do Porto, Aveiro e Oeste divergiram face à média nacional mas conseguiram combater o despovoamento. Só o Cávado conseguiu registar um acréscimo populacional e crescer acima da média.
João Bernardo Duarte, economista e investigador da Nova SBE, indica que o cenário seria ainda pior se Portugal não tivesse acesso a fundos europeus. "Houve uma convergência regional dentro do país, onde os municípios mais pobres se aproximaram dos mais desenvolvidos. Sem os fundos, os municípios mais pobres teriam ficado mais longe dos mais ricos", defende.
Num estudo que fez sobre o impacto dos fundos centrado no PT2020, conclui que a região autónoma dos Açores foi a que mais beneficiou dos apoios europeus, com "um impacto de 2% de crescimento do PIB anual entre 2014 e 2019". "Tirando a região do Algarve e da AML, o impacto nas restantes regiões situou-se em aproximadamente 1% do PIB anual", diz o economista.
"Dado que as regiões do Alentejo, Centro e Norte cresceram o PIB em média 4% ao ano, isto significa que o impacto dos FEEI [fundos europeus estruturais e de investimento] foi determinante para o crescimento económico destas regiões. Sem os FEEI, estas regiões teriam visto o seu crescimento do PIB reduzido em um quarto", sintetiza.
Também um estudo da Faculdade de Economia da Universidade do Porto e da AD&C revela que o PT2020 terá um "efeito multiplicador da despesa pública". É estimado que por cada euro gasto de despesa pública total, o PIB aumente em cerca de 4,19 euros a 50 anos. O impacto é superior à média na AML (6,54) e o efeito difere muito de região para região.
O Algarve regista um multiplicador acumulado de 4,09 euros, seguido pelo Norte (4,07), Centro (3,43), Alentejo (3,42) e região autónoma da Madeira (3,18). A região autónoma dos Açores é a que apresenta o multiplicador mais baixo (2,36).
O que esperar do PT2030?
Com os primeiros concursos do PT2030 abertos em março, Portugal dá agora os primeiros passos na implementação do novo quadro comunitário de apoio, com uma aposta reforçada na inovação, emprego e nas transições climática e digital. Para Bruxelas, é altura de Portugal "retomar o caminho da convergência com a UE" e o Governo conta com os novos fundos para "reforçar a capacidade de transformação económica e social do país".
Mas que impacto concreto pode ter o PT2030 no desenvolvimento do país? Pedro Mazeda Gil diz que ainda é cedo para avaliar e que será necessário fazer análises mais detalhadas ao longo da implementação deste novo quadro. Mas sublinha que "a resposta para o crescimento sustentado do PIB per capita no longo prazo está sempre na dinâmica da produtividade".
Já João Bernardo Duarte refere que cada euro pago em fundos do PT2020 "criou 2,40 euros em valor adicionado bruto após três anos", mas considera que "é possível que o multiplicador para o PT2030 seja menor, pois ele ocorre em simultâneo com o PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]". "Assumindo que os retornos ao capital sejam decrescentes, é de se esperar que estes multiplicadores sejam menores. Ainda assim, penso que terá impacto elevado sobre a economia", afirma o investigador.
O que mudou em Portugal com a implementação do PT2020?
Portugal tem até ao final do ano para absorver a totalidade de verbas a que tem direito com o Portugal 2020. Mas, a pouco mais de meio ano de terminar o prazo, é já possível fazer um balanço aos avanços alcançados com sua a implementação.
43.835
Empresas
Número de empresas apoiadas nos Sistemas de Incentivos, que apoiam a criação ou expansão de empresas com recurso a fundos europeus.
77,5
Emprego
Taxa de emprego subiu de 63,5% em 2013 para 77,5% em 2022 e reduziu o risco de pobreza.
721
Pobreza
Milhares de pessoas que deixaram de estar em risco de pobreza.
988
Startups
Número de startups que foram apoiadas até ao final de 2022.
2,8
Ações de formação
Milhões de participantes em ações de formação financiadas pelo PT2020 até ao final de 2022.
979
Equipamentos
Número de equipamentos sociais e de saúde apoiados até 2022.
1,68
I&D
Investimento em I&D aumentou em 2022 face a 1,32% do PIB em 2013.
109.175
Trabalhadores apoiados
Número de pessoas abrangidas pelos apoios à contratação cofinanciados por fundos da UE, a que acrescem 155.431 pessoas em estágios profissionais.
3,4
Drenagem de águas
Milhares de quilómetros de sistemas de drenagem de águas residuais a construir/remodelar.
6%
Escolaridade
Taxa de abandono escolar caiu em 2022, face a 18,9% em 2013.
34%
Renováveis
Peso das renováveis no consumo de energia era de 25% em 2013.